PRIMEIRA PARTE.
“EM QUE MOMENTO AMIGO UM OBJETO VELHO VIRA ANTIGO?” (Stanislaw Ponte Preta)
Américo era um dos maiores colecionadores de automóveis antigos do Brasil, possuindo em seu acervo raridades únicas e valiosas garimpadas por décadas a partir de informações que obtinha de olheiros especialistas em localizar veículos antigos, recebendo comissão por isto e bronca quando era blefe ou coisa de pouco valor. Era famoso também pela insistência na compra quando um carro lhe interessava; fama esta que estendia também os poucos escrúpulos que lançava mão quando a pessoa se mostrava reticente em desfazer-se de seu veículo. Prática esta repudiada pelos clubes de antigomobilistas que Américo participava.
Um desses olheiros lhe falou que na garagem daquela casa existia um veículo extremamente raro: uma Kombi Volkswagen Transporter Samba Bus 1963, de fabricação alemã, que diferenciava das demais pelo acabamento luxuoso, um grande teto solar e pequenas janelas nas laterais da capota: uma verdadeira joia que teria pertencido ao falecido marido da mulher que ali vivia. Havia poucas informações sobre ele; apenas que era comerciante, e adorava tanto aquele carro que teria recomendado á esposa em seu leito de morte que jamais se desfizesse da Kombi. A mulher se chamava Soraya e parecia atender ao pedido do marido defunto, porque mesmo depois de sua morte á vinte anos, o veículo nunca mais foi visto na rua. Inclusive, a existência daquela relíquia sobre rodas era desconhecida por outros colecionadores de carros, fazendo com que aquela informação fosse privilegiada. Era excitante porque havia o sabor da descoberta de um tesouro!
O problema era como conseguir acesso á casa? De experiência, Américo sabia que bater a porta perguntando poderia uma péssima tática, ainda mais naquele caso. Era preciso encontrar uma maneira de abordar a senhora Soraya ao acaso.
Enquanto ele fitava a garagem, a porta da casa se abriu, surgindo uma senhora elegante de cabelos grisalhos curtos e trajes clássicos; era a senhora Soraya que entrou por uma pequena porta ao lado do portão da garagem, que em instantes se abriu e ela saiu ao volante de um sóbrio Toyota Corolla prata. Ao fundo ele conseguiu avistar a lateral da Kombi muito empoeirada com suas janelinhas, e era realmente uma Samba genuína. Sua mente funcionou numa velocidade supersônica ao sair de seu carro e se posicionar na calçada ao lado do portal da garagem. Quando Soraya saiu, ele simulou um atropelamento, caindo no capô do Toyota e rolando pela calçada. Bem teatral!
- Ah, minha nossa senhora! – falou a mulher ao sair do carro para acudi-lo. – O senhor está bem?
Ele se levantou trôpego: - Ai,... Sim,... Desculpe-me senhora, eu estava distraído.
- Que absurdo. A culpa foi minha! Eu dirijo pouco, e ainda não acostumei com este carro. Venha,... Vou levá-lo ao pronto socorro!
- Não é necessário; senhora,... Estou bem e não me machuquei, foi apenas um susto! Meu carro está ali! – então gemeu com a mão ao peito.
- O que foi? – perguntou aflita.
- Nada,... Preciso tomar meu remédio,... Foi o susto!
- O senhor precisa de um médico, eu insisto, venha!
- Oh não,... Mas se quiser me ajudar, preciso de água para tomar o remédio, apenas isto!
- Sim! Venha comigo! – e cruzaram o jardim com ela amparando-o. Américo ainda espiou o portão da garagem, mas já havia fechado.
A sala era mobiliada com elegância, sem exageros, com móveis modernos e estofados em estilo inglês de couro. – Por favor, sente-se senhor. – ela chamou alguém. – Alba, venha aqui,... Oh Deus, esqueci que estou sem empregada. Tive que demiti-la! Aguarde um momento, vou buscar a água!
Ele havia conseguido entrar, então correu os olhos como uma águia é espreita da presa; cada detalhe era revelador. Nas paredes havia um quadro a óleo do falecido junto á esposa e um diploma emoldurado enaltecendo o mérito de seu estabelecimento comercial ao lado de pinturas de autores obscuros. Os móveis e adereços eram bonitos, mas nada luxuosos. Em instantes Soraya voltou segurando uma bandeja com um copo d’água. Ele pôs o comprimido na boca, sorveu um gole, e afrouxou um pouco a gravata. – Obrigado senhora Soraya; agora só preciso de mais uns instantes de sua hospitalidade.
- Claro!... Oh, como o senhor sabe meu nome?
- Eu conheci seu marido, o senhor Epaminondas, fomos amigos!
- É mesmo? Que coincidência.
- Bem. Na verdade eu lembrava que sua casa era nesta rua, por isto me distraí, e não percebi que a senhora saía pela garagem.
- Nem me fale. Estou passada! O senhor e Epaminondas se conheciam de onde?
- Ah,... Frequentávamos o mesmo círculo de amigos.
- Hum. O senhor também é maçom?
- Exatamente, senhora! – essa ele pegou no pulo, e prosseguiu. – Fomos da mesma loja maçônica!
- Que fantástico! Qual é seu grau, senhor?
- Ah,... Bem. – chutou: - Grão mestre!
- Desculpe-me; eu sei que não devo perguntar estas coisas. Mas, como é mesmo o nome do senhor?
- Américo!
- Muito prazer senhor Américo. Só gostaria de tê-lo conhecido de uma maneira menos dramática.
- Oh senhora Soraya, fiquei imensamente feliz de encontrar um pouco da memória do meu grande amigo Epaminondas. – abanou a cabeça. - Que perda irreparável; foi um grande homem!
Ela suspirou: - Realmente, um homem maravilhoso! Não tivemos filhos; mas ele me deixou muito bem amparada. O que se há de fazer? São desígnios de Deus!
- Sim senhora! Mas... Permite uma pergunta? – ela concordou e ele entrou no assunto: - Lembro-me que ele possuía uma Kombi verde.
- Sim; era uma Kombi alemã! Epaminondas adquiriu-a de um diplomata que voltava á Alemanha. Ele era jovem, e estava iniciando os negócios. A Kombi nos deu sorte!
- Lembro-me dele mencionar isto. Por acaso a senhora ainda a possui?
Após uns instantes ela respondeu: - Sim! – riso: - Meu marido amava tanto aquele carro, que me pediu no leito de morte que não o vendesse, e como temos uma garagem imensa, achei por bem conservar. Mas não a uso. Está parada á mais de vinte anos no mesmo lugar!
- Seria demais pedir para ver a Kombi? – sorriu: - Apenas curiosidade!
- Bem,... A garagem está meio empoeirada. Como disse: estou sem empregada há uns dias.
- Não me importo com poeira! Veja,... Eu já estou bem!
- Ah,... Então venha comigo! – ele a seguiu pela porta da frente, ansioso para entrar na garagem e ver de perto a Kombi Samba, já imaginando o triunfo de chegar á um encontro de carros antigos ao volante de um dos veículos Volkswagen dos mais cobiçados entre os colecionadores.
Mas então Soraya parou e o fitou diante da porta da garagem.
- O que foi senhora? – perguntou.
- Senhor Américo vamos deixar de dissimulações, e diga logo o que o senhor quer?
- Ora,... Apenas rever o veículo que meu amigo tanto falava!
- O senhor ia muito bem até pegar o comprimido. Que eu soubesse; engov não é remédio para coração, e Epaminondas não era maçom! – aproximou: - Eu já tinha visto o senhor dentro do seu carro, olhando minha casa há vários dias. Pelos seus trajes e seu relógio Rolex, eu imagino que o senhor não deva ser assaltante e nem ladrão de galinhas. Portanto, vamos direto ao assunto: O que o senhor quer?
- Por favor, eu explico! - ele se recompôs e disse: - Meu nome é Américo La Guardia. Sou colecionador de automóveis antigos, e soube desta magnífica Kombi alemã, e estou disposto a adquiri-la!
- Como o senhor soube deste carro?
Ele não quis revelar que alguém fotografou as escondidas: – Eu vi que sua garagem estava aberta, e vi a Kombi, que me pareceu sem uso.
- Não precisa prosseguir senhor Américo. Já entendi! Bem, se está tudo explicado, eu preciso sair.
- Mas,... Espere! Eu realmente quero adquirir este veículo!
- Infelizmente isto não será possível. Eu não quero vendê-la.
- Por favor, senhora Soraya; coloque o preço, que eu estou disposto a pagar o que for preciso!
Ela o olhou com pálpebras meio cerradas, e disparou: - Eu quero dez milhões na Kombi.
Espantado: - Com todo respeito senhora; mas dez milhões de reais, é um valor absurdo!
- Alguém falou em reais aqui? Quero dez milhões, de dólares!
- Ainda com todo respeito: estou falando sério! Por favor, coloque um preço dentro da realidade!
Soraya riu: - Senhor Américo, eu repito: não está á venda!
- Pelo amor de deus! – apontou á garagem. – Esta preciosidade vai se perder aqui; olhe, estou disposto a pagar trezentos mil reais, no dinheiro; muito acima do seu valor!
- Guarde seu dinheiro! Perto das memórias que este veículo guarda, da felicidade que vivemos; das nossas viagens e até do aperto que passamos no inicio dos negócios, eu garanto que dez milhões é uma pechincha! Menos que isto, ela vai ficar aí até apodrecer e o teto da garagem lhe cair em cima!
- A senhora é louca?
- Sim! Estou louca para ir logo ao supermercado fazer minhas compras! Estou sem empregada e tenho muita coisa á fazer!
- Isto é um acinte! A senhora não pode fazer isto...!
Neste instante o vizinho do lado, um homem grande, chegou ao portão e perguntou: - Olá dona Soraya; algum problema aí?
- Oh, claro que não! O cavalheiro aqui foi amigo do meu marido e estávamos trocando lembranças; mas ele já está de saída! – apontou ao portão: - Foi um prazer conhecê-lo, senhor Américo!
O homenzarrão estava ao portão de braços cruzados, que mais pareciam duas toras, olhando-o firme.
Ele sorriu sem graça e falou: - Sim, senhora Soraya, já estou de saída. Tenha uma boa tarde. – e saiu pelo portão se esgueirando ao lado do homem, que de perto era um verdadeiro guarda roupa!
Américo entrou no sua Mercedes McLaren, e acelerou. Estava furioso! Apanhou seu celular e ordenou: - Lucas; largue o que está fazendo e me encontre em casa!
CONTINUA...
Sensacional, esperando a segunda parte!!!
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