quinta-feira, 1 de abril de 2021

A KOMBI PRETA E BRANCA - CONTO EM DOIS CAPÍTULOS.

 

PRIMEIRA PARTE.

01h23min. Represa Doutor João Penido; Terça-feira, 15 de maio de 1968.

Uma Kombi da polícia de Juiz de Fora estava estacionada próxima ao lago oculta por arbustos. Havia a suspeita de que aquele local ermo era utilizado para descarga de contrabando por uma quadrilha, e a polícia tentava armar uma emboscada. Eugênio, conhecido por Geninho, e Dirceu estavam dentro da Kombi e eram policiais experientes que á qualquer sinal suspeito comunicariam ás outras viaturas nas cercanias pelo rádio. Caía uma garoa e Dirceu comentou ao apanhar uma garrafa térmica. – Que droga, o café esfriou! Precisamos arranjar uma garrafa nova Geninho! – olhou-o, e sequer prestou atenção. – Hei. To falando com você!

- Hum?... – grunhiu sem desviar atenção da revista que segurava.

Então o cutucou: - Olha ali! Tem um disco voador sobrevoando o lago!

- Héim? Cadê, cadê? – ele virou rápido sua cabeça á procura.

Dirceu riu: - Não tem disco voador nenhum, ô panguá!

- Tem certeza? – ainda olhava em dúvida.

- Eu falei só para você desligar um pouco desta revista. Tem o quê aí; é a Cláudia Cardinale pelada? – num golpe Dirceu tomou a revista, e exclamou: - O que é isto de Palomar, casa de pombos em castelhano?

Geninho pegou novamente a revista: - Palomar foi um evento muito importante para o estudo dos OVNIS!

- Estudo de quê? Dos ovos?

- Não... OVNI quer dizer Objeto Voador Não Identificado, ou melhor, disco voador pra você entender!

- Pelo amor de Deus Geninho! Isso outra vez? – abanou a cabeça. – É pura besteira!

- Não é não, Dirceu. É coisa séria! Tem muitos cientistas estudando esses fenômenos e existem muitas fotos de OVNIS comprovando!

- Ah sim, eu já vi! Se a gente pegar uma calota desta Kombi, jogar pro alto e fotografar, fica igualzinho disco voador! – e riu.

- Olhe só Dirceu; não é assim! – mostrou a revista: - Esse encontro aconteceu em 1954 nos Estados Unidos, e reuniu um grupo de estudiosos e até historiadores do mundo inteiro! Há evidências de que seres de outros planetas visitaram a Terra milhares de vezes na história. Até na Bíblia tem!

- Hei! Isto é blasfêmia, sabia?

- Não é blasfêmia, é ciência Dirceu! Tem até um livro novo chamado “Eram os Deuses Astronautas” que o autor prova essa teoria!

- Rhum; mais um maluco! E o que aconteceu nesse Palomar aí; apareceu algum marciano pra dar testemunho?

- Sim, apareceram! De repente surgiram dois rapazes e uma mulher muito estranha que dizia se chamar Dolores Barrios e morava em Nova York! Olha a foto dela. – mostrou á Dirceu, que olhou e grunhiu: - Mulherzinha feia héim? – Geninho prosseguiu: - Pois é; muito esquisita!  Só que tinha um cientista fazendo uma palestra, com ilustrações onde tinha uma mulher extraterrestre igualzinha a aquela que apareceu lá! Ele dizia ter conversado com ela, que teria vindo do planeta Vênus!

- É mesmo, e o que esse trio fez depois? Deixou darem uma voltinha no disco voador deles?

- Não zomba! Esta é a parte misteriosa: os dois rapazes e a moça simplesmente sumiram sem deixar vestígios!

Dirceu explodiu de rir: - Ah Geninho, deixa de ser otário! O camarada deve ter contratado a mulher e os dois caras para todo mundo pensar que era gente de outro planeta para esquentar a história, e depois o trio deu o pira!

- É claro que teve muita desconfiança; aí foram investigar, e não encontraram a mulher e os dois rapazes em Nova York, e nem noutro lugar. Até o FBI investigou!

Dirceu abanou a cabeça e respondeu: - Nem parece que você já tem mais de dez anos de polícia Geninho! Acha mesmo que ela ia dar nome verdadeiro? Dolores Barrios é nome de mexicana, e deve ter um montão de mulher com esse nome por lá. Parece até nome de cantora de chá-chá-chá! – riu. – Para com essa besteira, que já estão até te gozando pelas costas... – ouviu-se um silvo mais uma luz rápida, e a Kombi foi violentamente atingida na traseira com tanta força, que acabou indo parar dentro do lago da represa.

 

Amanhecia quando o investigador Agamêmnon Mathias chegava ao local do incidente acompanhado de seu assistente, o policial Josélio. Ele desceu do seu Aero-Willys pisando numa poça d’água, e resmungou: - Merda! – pois havia muita lama.

Os dois seguiram á borda do lago onde um caminhão guincho preparava para içar a Kombi, a qual se via apenas a parte branca da capota com a sirene. Um policial de nome Jasão veio recebê-los e explicou a ocorrência: - Como o senhor sabe, fazíamos uma ação com intuito de pegar a quadrilha de contrabandistas que estamos investigando. Os policiais Eugênio e Dirceu ficaram na Kombi, á espreita. – apontou o local cheio de arbustos altos. – Havia mais policiais em outros pontos da represa.

Mathias perguntou: - Havia algum indício de que a ação dos contrabandistas estaria ocorrendo neste lugar?

- Moradores das imediações afirmaram ter ouvido barulhos e viram luzes por aqui altas horas da noite. Mas ficaram com medo. – riso: - Não de bandidos, mas de outra coisa.

- Que coisa? – perguntou Josélio.

- Ah, com esse negócio do homem querer ir á lua, histórias de discos voadores estão na moda, né? Então, como não encontram explicação para as luzes e barulhos, já ficam achando que é coisa do outro mundo!

Mathias abanou a cabeça: - quando há uma parte da história que não conhecemos, acabamos completando com o que aparece! E os dois policiais que estavam na viatura?

- O policial Dirceu não se feriu gravemente, mas Eugênio estava desacordado. Ambos foram levado á Santa Casa.

- Você estava á onde Jasão?

Ele apontou. – Eu estava no outro lado da represa quando ouvi o barulho de um baque seguido de algo caindo no lago. Imediatamente tentei falar com Geninho e Dirceu pelo rádio, e não responderam. Então corremos para cá, encontrando o Dirceu completamente exausto e ensopado; ele havia retirado o colega da água gelada, e estava muito assustado!

- Ele falou o que tinha acontecido? – perguntou Josélio.

- Disse que estavam conversando na Kombi e não prestaram atenção ao momento da ocorrência; explicou apenas que escutaram um chiado metálico e logo depois o impacto que jogou a viatura no lago!

- Hum,... Então não viram o veiculo que os atingiu?

- Não Josélio. Estavam muito distraídos falando exatamente de discos voadores!

O barulho do guincho indicava que estavam içando a Kombi. Jasão, Mathias e Josélio foram acompanhar, e em minutos a viatura policial foi surgindo com um enorme amassado na traseira á altura da tampa do motor. Quando já se encontrava em terra, eles se aproximaram. Mathias se abaixou para ver o estrago. Era como se algo estreito e muito forte tivesse atingido traseira da Kombi, deformando sua lateral esquerda até a caixa da roda. Contudo, a parte á altura das janelas do carro não tinham sido atingidas. Mathias passou a mão no sulco que o amassado provocou na lataria da Kombi e falou: - Seja o que for, bateu com força e rápido o bastante para atirá-lo longe!

- O que o doutor acha que foi? Um carro?

- Não Josélio,... O amassado está mais alto do que o para choques. Talvez um caminhão! – fez uma pausa: - Mas então Eugênio e Dirceu deviam estar muito distraídos para não ouvi-lo aproximar! Vamos esperar o perito examinar o veículo aqui. Depois o levaremos á delegacia á Rua Batista.

 

No inicio da tarde Matheus e Josélio foram conversar com Dirceu na Santa Casa, que ainda assustado concluía o relato do incidente.

-... Estávamos conversando e de repente levamos uma batida muito forte na traseira. Foi tudo muito rápido, e quando dei conta nós estávamos no lago com água entrando na cabine da Kombi. Estava muito escuro e eu percebi que Geninho estava desmaiado. Eu abri a porta e o arrastei para fora do carro; quase afundamos na lama do fundo do lago, mas consegui chegar á margem. Geninho estava desacordado e frio,... Eu o abracei! Aí chegaram Jasão e ou outros, e nos socorreram. – passou as costas da mão nos olhos. – Eu pensei que ele estivesse morto!

Mathias o confortou: - Ele não corre perigo de vida; mas como sofreu uma fissura no crânio que inchou as meninges, acharam melhor sedá-lo para evitar derrames. Você o salvou!

- Não fiz mais que a minha obrigação, doutor Mathias.

- Você não conseguiu ver nem um tiquinho do que os atingiu? – perguntou Josélio.

- Não! Estávamos conversando,... Eu provoquei ele com aquelas histórias de disco voador; vocês sabem como Geninho é vidrado nesse assunto! Aí veio um barulho parecendo um assobio, quase como um jato!

- Você já tinha ouvido algo assim antes?

- Não doutor, nunca! – pausa: - Olhem, vocês sabem que sou presbiteriano, e só creio no que está nas escrituras sagradas; na palavra de Deus. Mas,...

- Sim, prossiga Dirceu!

- Mas o que aconteceu lá, não parecia coisa de Deus!... Não parecia deste mundo. – abaixou a cabeça. – Ainda estou meio zonzo.

A enfermeira sugeriu que descansasse, pois ainda ficaria em observação. Mathias e Josélio saíram do quarto. Ainda passaram no quarto de Eugênio, que permanecia sedado, não podendo revelar nada por enquanto.

Então retornaram á delegacia para encontrar o perito.

 

A Kombi avariada se encontrava na garagem da delegacia, sendo possível ver melhor a extensão do dano. Ivo, o perito, explicava. – Vejam aqui na traseira! – apontou: - o amassado abrange a quina da lateral esquerda e a tampa do motor num formato semicircular. O veículo que atingiu a viatura devia ter a parte frontal arredondada, e muito sólida!

Matheus perguntou. – Seria um veículo com frente redonda, é isto?

- Sim. Talvez com uma protuberância arredondada guarnecida por um para choques que lhe acompanhasse o formato. – apontou mais perto. – E devia ser muito saliente, porque a lataria da Kombi só deformou no impacto deste para choques, que foi tão violento e rápido a ponto de empurra-la dentro do lago, mesmo com o freio de mão puxado!

Josélio observou: - Tem uns caminhões bicudos assim; como os Scania!

- Pensei nisto! – respondeu Ivo. – Mas um caminhão desta marca seria mais alto em relação á Kombi, amassando a traseira numa altura próxima á vigia traseira. Alem disto, o para choque de um caminhão Scania não faria um avaria tão arredondada! – deu de ombros: - E certamente o motor faria muito barulho em velocidade. É, senhores; eu não consigo imaginar que tipo de veículo poderia ter atingido a Kombi desta maneira!

Matheus se lembrou de marcas de caminhões com frentes arredondadas, e ia fazer outra pergunta, quando Jasão chegou á garagem trazendo um jornal ás mãos: - Doutor, eu trouxe o Diário da tarde; tem reportagem falando do incidente do lago.

- Ah,... Depois vejo isto!

- Se eu fosse o doutor, veria agora!

Passou-lhe o jornal. Quando o viu, Matheus arregalou os olhos ao exclamar:

- Mas que merda é esta?

 

CONTINUA.

 

 

REUNIÃO DE “DISCOS” EM PALOMAR; Revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro, numero 1, ano XXVII, p. 64, 16 de outubro de 1954.

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