quinta-feira, 8 de abril de 2021

A KOMBI PRETA E BRANCA - FINAL.

 

Parte final.

 

“... Moradores das cercanias da represa vêm relatando estranhos fatos ás madrugadas, com luzes sobrevoando o lago perto da água, que piscam e depois desaparecem. Mas nunca vão verificar por medo. Mas agora ocorreu um fato ainda mais intrigante quando a policia fazia patrulha em torno do lago da represa, e uma viatura marca Kombi Volkswagen sofreu uma forte colisão na traseira que a jogou dentro do lago, ferindo os policiais Eugênio Aires e Dirceu José da Costa. Não houve testemunhas do acidente. Mas a perícia encontrou algo ainda mais intrigante, pois no amassado, apareceu impressa uma inscrição misteriosa (foto)” – Matheus olhou a Kombi, e depois prosseguiu: - “Trata-se de uma espécie de hieróglifo numa língua desconhecida, mas que ao ser mostrada a especialistas em ufologia não deixou dúvidas que o objeto que atingiu a Kombi da polícia foi um disco voador.”. - A reportagem ainda mencionava pessoas que teriam avistado estranhos seres á margem da represa á noite, mas estariam com medo de se pronunciarem. A foto mostrava a traseira da Kombi com uma luz incidindo no amassado á altura da lanterna traseira, onde se viam ranhuras.

- Traga a lanterna Josélio! – ordenou Mathias. Ao colocar um foco de luz oblíquo surgiram inscrições em baixo relevo impresso na lataria amassada: - Incrível! – exclamou Ivo.

Mathias estava perplexo, e perguntou: - O objeto que bateu aí; gravou isto?

- Sim, sem dúvida!

- A perícia encontrou vestígios do quê pode ter atingindo a patrulha? Marcas de pneus?

- Infelizmente não Mathias. Havia lama na estrada, e o guincho se encarregou de apagar qualquer vestígio. - então ouviram um burburinho de gente á entrada da garagem querendo ver a Kombi batida por um disco voador, e o grito do delegado numa janela: - Não deixem esta gente entrar; é uma ordem!

 

Depois de controlado o grupo de pessoas, o investigador Mathias sentou-se á cadeira no seu gabinete com a cabeça explodindo.

Josélio entrou: - Que barra pesada, héim? Tem até gente da universidade querendo conferir de perto a Kombi! O delegado Clóvis proibiu.

- Eu sei! – respondeu com as mãos na testa: - Ele queria por tropa de choque para dispersar as pessoas! Tive que rebolar para convencê-lo a não fazer isto. Ah, que tempo do cão nós vivemos com esse regime!

Josélio fechou a porta: - Queísso doutor! Fale baixo senão dá merda.

- Eu sei disto. – respondeu colocando o dedo indicador nos lábios, e prosseguiu: - Descobriram que a foto do amassado foi feita ainda na represa por um fotógrafo do jornal; e lá fui eu novamente convencer o delegado a não fazer nada contra o jornalista. E ainda levei uma bronca!

- Só se fala no disco voador que bateu na Kombi da polícia! – completou Josélio. – E a investigação sobre o contrabando?

Mathias deu de ombros: - Foi pra cucuia, né? Agora virou uma investigação sobre OVNIS! – suspirou: - Nem sei mais em que acreditar. – após uma pausa, ele falou: - Não é apenas Dirceu que está em dúvidas quanto as suas crenças.

- Como assim, doutor?

- Eu também estou! Sempre pautei minha conduta pelo pragmatismo. Nunca permiti que minhas crenças, ou descrenças, interferissem nos meus juízos; e isto não é fácil, devo dizer! Mas este caso me trouxe a tona algumas,... Lacunas, por assim dizer, que não consigo preencher da maneira pragmática que me imponho sempre.

Josélio puxou uma cadeira para ouvi-lo.

- Na minha cidade, São Tomé, havia uma pequena venda á beira da estradinha de terra. Era o botequim do Seu Zezinho: gente muito boa! – falava Mathias olhando adiante como se buscasse suas memórias: - Certa vez ele disse que havia aparecido uma mulher andando pela estrada, sozinha e bem arrumada que entrou no botequim, primeiro falando uma língua estranha que ele não entendeu, mas em seguida começou a falar em português e se apresentou. Disse que estava com sede e pediu água. Seu Zezinho a serviu, e em seguida a mulher começou a fazer perguntas sobre aquele lugar; como se chamava e se era bom viver ali. Ele respondeu desconfiado, e perguntou o que ela estava fazendo sozinha naquela estrada. Ela disse que estava passeado; agradeceu, levantou e seguiu de volta pela estrada. Seu Zezinho achou aquilo muito estranho, e como eram tempos da Segunda Grande Guerra, ele achou que fosse uma espiã alemã; ou como ele dizia: uma alemôa do Hitler! – abanou a cabeça. – Seu Zezinho até tentou avisar ao presidente Getúlio Vargas, enviando uma carta ao Palácio do Catete! Claro que ninguém deu bola. Só eu!

- Por que, doutor?

- Porque em 1954 saiu uma reportagem na Revista O Cruzeiro falando do encontro de discos voadores ocorrido naquele ano no Monte Palomar na Califórnia; esse mesmo que o Geninho não cansa de mencionar!  Na verdade eu havia comprado a revista por causa das eleições naquele ano, e nem dei atenção á reportagem porque para mim, conversa sobre discos voadores não passava de papo furado; mas de curiosidade dei uma espiada na matéria, e uma coisa me espantou. No encontro havia um cientista chamado George Adamsky dizendo ter conseguido contato com seres vindos do planeta Vênus, inclusive mostrando retratos em pintura de uma mulher que seria uma venusiana. Até aí tudo parecia maluquice para mim! Porém apareceram ao encontro dois rapazes e uma mulher muito exótica que se assemelhava ao retrato que Adamsky apresentou. – deu de ombros: - Estava na cara que ela serviu de modelo para fazer o retrato da venusiana, e apareceu por lá para dar crédito á história! Mas tinha um detalhe que me fez entrar em parafuso: o nome da estranha mulher da Califórnia era o mesmo da misteriosa mulher que pareceu na venda do Seu Zezinho: Dolores Barrios!

- Tá brincando: Era a mesma mulher? – perguntou Josélio espantado.

- Não sei! Eu pensei em mostrar a revista ao Seu Zezinho; mas achei melhor não fazê-lo. Só ia deixá-lo confuso, era melhor que continuasse pensando ser uma alemôa do Hitler! Porém, eu já estava na polícia, e isto me levou a pensar mais friamente no caso: por que uma venusiana iria naquele fim de mundo; passear?

- O que o doutor acha?

- Se fosse mesmo uma venusiana, talvez estivesse estudando os habitantes da terra; e poderia ter considerado o Seu Zezinho um tipo de terráqueo interessante! – riso. – Mas a que apareceu em Palomar, era pura farsa, certo? – fez um gesto de dúvida com as mãos: - Contudo, ela se identificou com um homônimo á que conversou com Seu Zezinho. Coincidência?

- Perguntas difíceis, porque parecem contraditórias.

- Exatamente Josélio! – apontou: - É nesta contradição que fazemos o exercício das hipóteses! A possibilidade de haver habitantes em Vênus, ou outro planeta qualquer pode ser verídico. Não devemos fechar os olhos á esta possibilidade.  Agora vamos ao nosso caso: Se é possível existirem seres de outro planeta rondando a represa, estariam procurando o quê por lá?

- Estudar as pessoas?

- Sim, é uma hipótese; então encontram um veículo terrestre, nossa Kombi da polícia com dois policiais dentro, e simplesmente colidem com seu disco voador e a jogam no lago? – deu de ombros: - Por quê?

- Talvez estivesse atrapalhando o que eles estavam fazendo!

- Certo. Mas se eles têm uma civilização tão mais avançada que a nossa a ponto de fazerem naves espaciais, não teria sido mais fácil desintegrar a viatura, ou sequestrá-la? Certamente teriam algum aparelho que fizesse isto!

- Ás vezes eles queriam apenas assustá-los!

Mathias sorriu e disparou: - Olhe a maneira que você está me respondendo; como se acreditasse que o incidente foi provocado realmente por seres extraterrestres. Você agora acredita nisto, não é?

- Ah doutor,... Acho que sim!

- Entende agora a minha dúvida quanto ás minhas crenças e descrenças? Há lacunas que não respondemos com o que sabemos; então preenchemos com nosso imaginário, repleto de conceitos e histórias sobre tudo o quanto há; neste caso, de discos voadores! – mostrou o jornal: - Há pessoas acreditando que essas inscrições gravadas são avisos de uma invasão alienígena, ou do fim do mundo! – Abanou a cabeça e jogou o jornal longe: - E nós aqui tentando achar explicações plausíveis para algo que parece escapar ao plausível! – suspirou: - Desculpe-me Josélio; estou falando asneiras demais; é o cansaço. O que temos é um belo ananás ruim de descascar nas mãos! – endireito-se na cadeira e falou: - Vamos largar isto pra lá por enquanto, e trabalhar. É para isto que somos pagos!

Josélio meneou a cabeça, sem muita certeza de nada.

 

Mais tarde, depois de tentar equacionar outros casos, Mathias entrou no gabinete e fechou a porta, pois ansiava por uns instantes de descanso. Assim, reclinou um pouco a cadeira para um breve repouso.

 

- Mathias?

- Héim?

- Está acordado?

- Oh,... Dolores? Como entrou aqui?

- Foi fácil, mas não se preocupe. Depois saio de fininho!

- Como fez em Palomar?

- Sim.

- Então me diga o que vocês querem?

- Não vim dar respostas, apenas dizer que só você conseguirá decifrar o que está escrito!

- Como vou fazer isto?

- Olhe bem, com atenção. E tudo se esclarecerá!

 

Um barulho o despertou. Ele olhou para os lados, e estava só. – Puta merda, foi um sonho. Acho que estou enlouquecendo! – Apoiou os cotovelos na mesa segurando a cabeça. Depois olhou á frente, á porta fechada. Então se levantou rápido; pouco importava se fosse loucura.

Passou rápido pela sala e Josélio concluía um atendimento, mas acompanhou-o com o olhar.

Mathias foi á garagem onde a Kombi preta e branca estava estacionada. Ele aproximou, e se agachou com olhar fixo naquele amassado semelhante ao fundo de uma valeta aberta. – Ah,... O que estou procurando? – seus olhos fixaram nas ranhuras: - O que isto quer dizer? – Olhou mais de perto por longos minutos, e algo chamou sua atenção. Ele esticou o braço e passou os dedos nas ranhuras que realmente delineavam inscrições.

Nisto, Josélio chegou, e se aproximou. – O que foi doutor?

- Rápido!... Traga-me uma lanterna e um espelho!... Rápido, rápido!

Obedecendo, ele correu em busca dos objetos. – Aqui doutor!

Mathias pegou a lanterna e falou; - Segure o espelho ao lado das ranhuras! – Josélio assim o fez, e Mathias incidiu a luz da lanterna obliquamente nas inscrições, e falou: - Ora veja!

- O doutor conseguiu decifrar?

- Sim! Diz que somos uns tontos!

 

Numa madrugada seguinte, dois estranhos seres emergiam do lago. Seus trajes molhados brilhavam á uma luz. Um deles fez um sinal, e um ruído semelhante a um chiado ecoou. Das águas emergia uma espécie de rede com cápsulas metálicas, puxadas por um cabo.

Um dos seres retirou a máscara e falou: - Conseguimos!

- Por sorte a polícia não ás encontrou! – falou o outro também retirando sua máscara de mergulho.

- Quase perdemos tudo por culpa sua, que acelerou demais e bateu justamente num patrulha!

- Já falei que não tive culpa, porra! A camionete derrapou na curva cheia de lama!

Um homem saia do veículo: - parem com isto! – soltando o cabo de um pequeno guincho na frente da camionete. – Vamos apanhar tudo isto logo e dar o fora daqui!

- Vão embora logo agora que a coisa vai ficar interessante? – irrompeu uma voz, e luzes se acenderam.

O motorista da camionete puxou um revólver.

Vários policiais se aproximaram também armados. Mathias estava entre eles segurando um revólver, e ordenou: - Vocês estão cercados, largue sua arma; acabou, estão presos!

Os outros dois correram de volta ao lago tentando escapar, mas surgiu uma lancha com mais policiais armados. Os dois se renderam.

O homem largou a arma e levantou as mãos, sendo logo algemado, assim como os outros dois.

Mathias aproximou, olhou a frente da caminhonete cujo para choques estendido num formato semicircular portava um pequeno guincho, e falou ao olhar sua placa: - 52-21-03 é a placa do veiculo marca Ford que colidiu na Kombi da polícia com tanta força, que gravou os números invertidos! – aproximou do homem: - Foi só pesquisar no Departamento de Trânsito para descobrir o dono do veículo, e ficar na tocaia esperando que voltasse aqui para buscar a muamba! – riu. – E tem gente que não acredita que o criminoso sempre volta ao local do crime!

Josélio e Jasão abriram uma das cápsulas: - Doutor; está cheia de relógios, brinquedos e rádios transistores!

O homem falou: - Não tenho nada com isto! Só sou pago para vir buscar!

- Eu imagino. Mas é o seguinte: não queira ser herói trouxa amigo. Fale tudo que sabe, e assim tente melhorar um pouco sua situação! – olhou os policiais. – Podem levar pra delegacia, junto com aqueles dois!

- Josélio falou: - Tudo contrabando de Hong-Kong, doutor!

- É? – abanou a cabeça: - Que pena; eu pensei que fosse de Vênus!

 

“- A policia de Juiz de Fora desbaratou uma quadrilha de contrabandistas que atuava na região há anos. Eles levavam o material contrabandeado ao meio da represa com um barco, e o escondia sob as águas do lago. A descoberta deste plano se deu de uma maneira inusitada. Um caminhão Ford F-350 que faria o transporte da muamba colidiu na traseira de uma patrulha, deixando gravado o número da chapa na lataria amassada, porem invertido. O investigador Agamêmnon Mathias descobriu os números com auxilio de um espelho, e assim pode chegar ao proprietário do veículo. Então puderam armar uma emboscada para a quadrilha. Só se tem notícia de fato semelhante nos Estados Unidos, quando um veículo tentou se evadir da cena de um crime, e ao dar marcha ré, bateu num monte de neve, deixando o número da chapa impresso da mesma maneira. Sem duvida, um caso que ficará nos anais da polícia.”.

Josélio lia a manchete da reportagem numa revista e falou. – Caramba doutor! Tá famoso héim?

- Pois é! – riso: - Mas ainda tem gente dizendo que isto é uma mentira para esconder a história verdadeira dos discos voadores; vê se pode? Até o Geninho tem dúvidas!

- Como o doutor disse aquele dia: é o contraditório produzindo hipóteses!

- De fato! Ah! – abriu os braços: - Estou cansado, acho que vou relaxar um pouco, - pegou um embrulho e o abriu: - Vou começar a ler este livro que acabei de comprar!

Josélio chegou perto: - “Eram os Deuses Astronautas” de Eric von Däniken! É coisa de disco voador?

- Sim!

- Então o doutor acredita nisto!

- Sim! – e sorriu.

 

nota: Baseado num acidente real ocorrido em São Paulo na década de 1960, com exceção da narrativa dos discos voadores.

 

                        

       - SÓ VOCÊ PODERÁ DECIFRAR O QUE ESTÁ ESCRITO!

 

FIM

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