domingo, 31 de outubro de 2021

SEMPRE ÁS 15:25 - CONTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 07 DE JANEIRO DE 2020.

 

 “Certos espíritos podem ser atraídos por coisas materiais; podem sê-lo por certos lugares, que podem escolher como domicílio até que cessem as razões que o levaram a isto.”

                                                                                  Allan Kardek

 

Em 1978 um motorista de taxi chamado Messias possuía um automóvel Volkswagen Passat quatro portas que usava na praça. Era um homem de meia idade e muito desconfiado principalmente de histórias de fantasmas.

Sempre que ouvia casos de aparições sobrenaturais ou relatos de coisas se movendo sozinhas, ele dizia: - É tudo ilusão da mente ou da cachola cheia de birita!

Seu amigo Ramón retrucava: - Não é não! Você nunca ouviu o ditado que diz que há mais coisas entre o céu e a terra do que crê nossa vã sabedoria? Ele riu: - O que tem entre o céu e a terra são as prestações deste carango para pagar, meu chapa! Me deixa ir trabalhar que o dia é longo e a grana curta!

Naquele começo de tarde ele chegou ao ponto de táxis da Rua São João Nepomuceno com Avenida Presidente Getúlio Vargas, no Centro de Juiz de Fora, e ficou olhando uma aglomeração em frente ao bar que existia logo na esquina, na avenida. Ele abanou a cabeça pensando: “Mais uma briga no boteco. Tem gente que não sabe beber!”. Já ia até lá saber o que estava acontecendo quando alguém abriu a porta traseira do seu carro: era uma senhora elegante com um garoto.

- Boa tarde senhora! – já foi acionando o taxímetro. – Para onde vamos? – ela respondeu: - Vamos para a Praça das Caveiras! Sabe aonde é?

 - Sim senhora! – e saiu com o carro. – o menino fez careta e falou: - A praça não chama Praça das Caveiras. Chama Praça da República! - ela o olhou e se dirigiu á Messias: - Ei motorista; eu por acaso perguntei á esse fedelho qual era o nome da bendita praça?

- Eu não ouvi perguntar,...

- E por acaso quando eu disse “Praça das Caveiras” você não sabia á que praça eu estava me referindo?

- Sim senhora,... Eu entendi.

- Viu? Ele entendeu. – falou olhando o menino, que retrucou: - Mas o nome é Praça da República!

- Cala a boca e vê se não me cansa seu pirralho! – concluiu.

Messias achou graça daquele diálogo e seguiu rumo á praça, conhecida popularmente como “praça das caveiras” por que na década de 1950, quando fizeram obras de remodelação, encontraram várias ossadas enterradas em valas coletivas. Depois descobriram se tratar de pessoas que morreram vítimas da gripe espanhola de 1918, e foram enterradas naquele lugar porque não houve tempo de sepultá-las no Cemitério Municipal logo em frente da praça. Diziam que o lugar era assombrado por isto. Messias dizia que aquilo era pura lenda e que o perigo da praça não eram os mortos, mas os vivos!

Logo chegava á Rua Espírito Santo que dá acesso á praça, e adiante viu seu amigo Ramón do outro lado que lhe gritou: - Pare, preciso falar com você! – ele respondeu: - To com passageiro! – mostrando o banco traseiro com o polegar, e seguiu. Mas teve que parar mais á frente no início da Rua Osório de Almeida por causa de um caminhão manobrando. Irritado e sem olhar para trás ele reclamou. – Veja só senhora, esses motoristas de caminhão pensam que são donos da rua,... Sai daí meu irmão! – o caminhão saiu e ele pôde seguir. Mais adiante passou pelo portão do Cemitério Municipal e contornou a praça perguntando: - Qual o número senhora? – não houve resposta e Messias olhou pelo retrovisor interno do carro. Não viu ninguém e parou o carro; se virou e o banco traseiro e estava vazio. – Mas o quê...? – ele percebeu que a porta traseira direita do carro não estava fechada direito. – Olhe só! Aproveitaram que eu tive que parar por causa da merda do caminhão, e deram no pé. Pô, não dá mais pra confiar em ninguém? – contrariado, ele fechou a porta, entrou no carro e retornou ao Centro da cidade.

Novamente Messias estacionou o Passat no ponto da Rua São João, e saiu do carro. A aglomeração continuava na esquina e ele resolveu conferir o que era. Ramón veio ao seu encontro: - Hei cara; precisava falar com você, por que não parou?

Ele andava na direção da esquina, próximo á aglomeração e viu um Ford Maverick preto com o capô amassado, e pensou: “Ih, foi uma batida!”.

Ramón insistiu: - Era um freguês querendo corrida para o Rio!

Ele se aproximou do acidente respondendo: - Eu estava com passageiros, você não viu? - ao olhar o asfalto, Messias viu que tinha sido um atropelamento. Ramón respondeu: - Não! Eu só vi você no carro!

No chão estavam estendidos os corpos daquela senhora elegante e do garoto que a acompanhava, mortos no atropelamento.

Espantado, ele ficou mudo e voltou ao seu carro no ponto; e no decorrer de todos esses anos, outros motoristas relataram o mesmo episódio: sempre ás 15:25.

Fim.

 

Esta é uma história fictícia a partir de relatos sobre passageiros fantasmas em táxis, bondes e ônibus que povoam o imaginário das cidades. Mas as estradas também têm suas lendas e histórias reais de pessoas que relataram experiências reais com a paranormalidade.

Vejamos alguns casos:

Estradas assombradas (CASOS REAIS!). texto publicado originalmente em 28 de novembro de 2019. Aqui resumido.

 

(Os nomes são fictícios)

Em agosto de 1950, na cidade de Dores do Indaiá (MG) um homem de nome Arnaldo possuía uma fazenda na zona rural e costumava fazer o percurso ida e vinda da cidade numa motocicleta. Uma noite acabou demorando-se nos afazeres da fazenda até á meia noite; era inverno e fazia frio, mas apesar do avançado das horas Arnaldo colocou seu agasalho e decidiu voltar á cidade. A estrada passava diante do portão do cemitério e depois seguia por uma longa subida, assim era preciso acelerar a motocicleta para ganhar velocidade. Então subitamente ao galgar a ladeira ele sentiu alguma coisa fria enlaçando sua barriga no mesmo instante que ocorreu um súbito peso na garupa, como se alguém tivesse montado fazendo a velocidade cair de 50 para 40 quilômetros. Junto ao peso extra e a sensação de que alguém o abraçava, ele sentiu um hálito gelado na nuca como se fosse uma respiração, e Isto o apavorou á tal ponto que sequer teve coragem de olhar para trás, acelerando mais a motocicleta para vencer a subida o mais rápido possível. Ao chegar ao alto, seu “passageiro” abandonou a garupa tão rápido que, como o acelerador estava no máximo, a motocicleta lhe escapou por entre as pernas derrubando-o, indo depois tombar na valeta. Arnaldo desmaiou e ao voltar a si correu á motocicleta que mesmo avariada funcionou e ele pode seguir. Apesar do susto, ele passou por aquele local diversas vezes no decorrer dos anos á meia noite, porém nada mais aconteceu.

 

Em 18 de setembro de 1960 cinco pessoas faziam uma viagem noturna, numa Rural Willys, de Luisiânia (GO) rumo á Brasília; a então recém-inaugurada Capital Federal brasileira. Até a meia noite tudo transcorreu normalmente quando o marcador de temperatura do motor demonstrou aquecimento. O motorista parou e junto com um dos passageiros foi verificar o que ocorreu, já imaginando o rompimento da correia do ventilador do radiador; porém, ela estava intacta e não conseguiram descobrir a razão daquele súbito aquecimento. Já iam entrando de volta no carro quando o passageiro foi atingido por uma pedra na testa, seguida de uma saraivada de pequenos pedregulhos que vinham dos arbustos marginais á rodovia. Uma passageira que estava á janela quase foi atingida por uma pedra, que, estranhamente, pousou mansamente sobre suas pernas. O motorista olhou em torno e pareceu-lhe ter visto vultos escondidos atrás dos arbustos enquanto outro passageiro sacava uma arma de fogo desferindo disparos para espantar o que imaginou serem bandidos tentando um assalto, mas o apedrejamento continuou, obrigando-os a entrar no carro e saírem rápido.

Havia um posto policial adiante e decidiram informar ás autoridades sobre o incidente. Um soldado armado pediu que o levassem ao local do apedrejamento e em pouco tempo chegaram ao lugar. Contudo, mal saíram da Rural para serem novamente alvejados com uma chuva de pedras e o motorista manobrou para que os faróis iluminassem os arbustos de onde vinham as pedras enquanto o soldado saia pelo mato com lanterna e arma nas mãos, mas não encontraram ninguém escondido. No posto policial foi feita a ocorrência e decidiram seguir viagem á Brasília.

Mas após alguns minutos na estrada, recomeçou o apedrejamento e a porta do carona começou a se abrir. Conseguiram fechá-la, mas foi só largar a maçaneta para a porta se abrir novamente sendo preciso segurá-la com toda força para mantê-la fechada. Então iniciou um chuvisco de areia sobre a cabeça dos ocupantes que parecia vir do teto do carro ao mesmo tempo em que lhes pareceu ver um vulto correndo ao lado do carro, á mesma velocidade, e isto seria impossível! Apavorado, o motorista acelerou mais ainda o carro com os passageiros cobrindo os olhos para não serem feridos pela areia.

Ao chegarem á Brasília, ás duas horas da madrugada e exaustos, seguiram ao hotel sem relatarem o acontecido a ninguém. Na manhã seguinte o motorista foi examinar a Rural imaginando que as pedradas deviam ter arranhado a pintura e devia haver areia no interior. Mas não havia um arranhão e não tinha um grão de areia sequer nos bancos ou no assoalho do carro, e nem nas suas roupas. As únicas provas do episódio era o corte na testa do passageiro e um arranhão no braço do que segurou a porta, evitando que se abrisse.  

 

Estas narrativas poderiam compor um imaginário que poderíamos definir como “estradas assombradas”. No folclore brasileiro há inúmeras lendas de assombrações que vagam pelas estradas assustando viajantes, como o “Pilão de Fogo” ou “Mão de Pilão”: um demônio com o corpo em labaredas que persegue e queima quem cruza seu caminho; o “Galo Depenado”: um enorme galo totalmente sem penas que se apodera dos pertences dos viajantes depois de matá-los a bicadas e esporadas. O “Maty-Taperê” ou “Matita-Pereira”: um índio que vive nas aldeias abandonadas e se transforma numa enorme ave que com seu guincho faz os viajantes se perderam nos caminhos; o “Cavalo das Almas”: um cavalo preto que aparece nas estradas ás noites para recolher os mortos recentes, levando suas almas à garupa para o inferno; e ainda a “Porca-dos-Sete-Leitões” que dizem ter sido uma bela mulher que tinha sete filhos, que, muito arrogante, teria expulsado um feiticeiro de suas terras. Por vingança ele a transformou numa porca e seus filhos em leitõezinhos que soltam fogo pelos olhos narizes e bocas, que vagam pelas estradas assustando viajantes com seus urros nas encruzilhadas (percebem-se semelhanças com o mito de Niobe da tradição Greco-romana).

Há também uma larga gama de histórias de assombrações em forma de mulheres de branco que vagam pelas estradas e rodovias, sempre ás noites. Nos canais do YouTube existem inúmeros vídeos com aparições de fantasmas de mulheres vestidas de branco que surgem vagando errantes no meio da pista ou no acostamento sem nenhuma razão para estarem ali á aquela hora, apavorando os motoristas (mas a maioria são vídeos de autenticidade duvidosa). Entre motoristas de caminhão existiria uma variação em que a mulher pode aparecer vestida de noiva e pede carona em estradas e postos de gasolina, sempre á noite. Quando o motorista para, não há ninguém, ou quando a “assombração” aceita e entra na boleia, transforma-se num demônio com cabeça de caveira e mata o motorista. Em algumas estradas norte-americanas haveria lendas de uma loira nua que surge nas madrugadas guiando um conversível branco, e ao ultrapassar um carro ou caminhão, enfeitiça o motorista que passa á persegui-la até chegar á uma curva fechada, quando ela desaparece e o motorista despenca no abismo. Dizem que é o fantasma de uma jovem estuprada e assassinada. São variações do mesmo mito em regiões e países distintos.

A parapsicóloga Elsie Dubugras (São Paulo, 1904 – 2006) afirmou que histórias de assombrações, aparições, barulhos e outros fenômenos merecem estudo especial, pois se realmente ocorreram, é preciso descobrir por que e como foram provocados e pode haver uma explicação normal.

 A narrativa do carona fantasma na motocicleta requer considerações sobre seu roteiro. Arnaldo teria ficado até meia noite cuidando de afazeres na sua fazenda que independente da sua natureza, devia deixá-lo cansado e talvez sem condições ideais para pilotar uma motocicleta á noite (não sabemos a distância entre sua fazenda e a cidade). Ao galgar uma ladeira o motor do veículo poderia perder potência e velocidade num repuxo para trás dando a sensação de que alguém teria montado na sua garupa. Fazia frio, e as sensações frígidas de toques e sopros poderiam ser correntes de ar circundando-o ao vento. E ao passar pelo cemitério da cidade á meia noite com as sensações citadas, o imaginário se encarregaria de criar o passageiro fantasma.

 

No caso da Rural que apresentou súbito aquecimento de motor sem explicação, há um detalhe técnico nos motores “Hurricane” que equipavam veículos da marca Willys Overland: eles funcionavam á temperaturas mais elevadas que o convencional e isto poderia ser confundido com alguma anomalia. E quanto aos pedregulhos, devemos lembrar que a estrada que levava á Brasília em 1960, embora fosse asfaltada, poderia ter cascalho solto sobre o pavimento que arremessado ás caixas das rodas da Rural produziriam barulho. Mas a areia no interior do veículo (aporte) e a porta se abrindo não encontrariam explicações naturais. 

O parapsicólogo holandês George Zarab considerava que tanto em casos de assombrações como nos de poltergeist, era imprescindível a presença de pessoas, ou médiuns, que forneceriam a energia necessária ao acontecimento de fenômenos paranormais, ou sobrenaturais. Ainda sobre o caso da Rural Willys seguindo rumo a Brasília, cumpre citar o pesquisador Roger Laffororest (Paris, 1905 – 1998) quando fala de fenômenos poltergeist, aportes e movimentações de objetos sem intervenção física, como frequências vibratórias atuando em vórtices de energia, ou caixas de ressonâncias de energias telúricas, que em tese, cortariam a terra á semelhança dos paralelos e meridianos. É dito que o Planalto Central do Brasil é repleto de energias capazes de criar esses vórtices, que poderiam se manifestar como poltergeist na presença de agentes, ou médiuns, que produziriam os fenômenos de deslocamento de objetos, como apedrejamentos e aportes. Quanto aos vultos nos arbustos e correndo ao lado da Rural em velocidade, poderia ser uma projeção criada como explicação para aqueles fenômenos. O cineasta e ator brasileiro José Mojica Marins (São Paulo, 1936 - 2020), o famoso Zé do Caixão, que também é pesquisador de fenômenos parapsicológicos afirmou que haveria uma necessidade de crer no sobrenatural como explicação para aquilo que não se explica naturalmente, daí a visualização de vultos como fantasmas. Se poderia ainda perguntar: quantos seriam os médiuns entre os passageiros da Rural? Portanto, citando novamente Elsie Dubugras, as respostas para fatos paranormais não são tão simples, agradáveis ou fáceis de aceitar. Assim, não estaria descartada a hipótese de realmente serem intervenções de espíritos de desencarnados, ou almas penadas, que também se manifestariam á presença de médiuns!   

 

FIM

 

 

Referências bibliográficas:

ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 98 – 105,  outubro de 1972.

DO RIO e de São Paulo até Brasília, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 02, p. 73, setembro de 1960.

DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,  dezembro de 1984.

DUBUGRAS, Elsie, Chuva de pedras (verdadeiras) em Goiás, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 44 - 45,  dezembro de 1984.

DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09,  dezembro de 1984.

DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15,  dezembro de 1984.

LAFFOREST, Roger, Casas que Matam, citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,  fevereiro de 1979.

MARINS, José Mojica, citado por ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 105, outubro de 1972.

 

terça-feira, 26 de outubro de 2021

TEXTOS E ILUSTRAÇÕES: RAMÓN BRANDÃO.


 

"AO PASSAR PELO PORTAL DO MISTÉRIO E DO SOBRENATURAL, DEIXE A LUZ ACENDIDA." FOI ASSIM QUE EM 07 DE OUTUBRO DE 2019 EU PUBLIQUEI O PRIMEIRO CONTO NESTE BLOGUE. COMO DIZ O FAMOSO BORDÃO: COMO O TEMPO PASSA QUANDO ESTAMOS NOS DIVERTINDO! REALMENTE FORAM DOIS ANOS DE PUBLICAÇÕES SEMANAIS, INICIALMENTE DE TEOR SOBRENATURAL E DE TERROR, PARA AOS POUCOS TORNAR-SE MAIS ECLÉTICO, COM "CASOS REAIS" E ATÉ MESMO TIRINHAS DE HUMOR. ENTÃO, UM POUCO POR CONTA DO HALLOWEEN, EU DECIDI PUBLICAR OS TRÊS CONTOS DE SOBRENATURAL COM MAIORES VISUALIZAÇÕES NESTES DOIS ANOS. O TERCEIRO LUGAR  NESTE VALE A PENA LER DE NOVO ESTÁ "A HORA DA VOLÚPIA". 

 


 

A HORA DA VOLÚPIA - Conto publicado inicalmente em 07 de maio de 2020.

 

A HORA DA VOLÚPIA

 

 

 

Margot estava contente com a aquisição de um carro, que mesmo não sendo de luxo e nem totalmente novo lhe proporcionaria mobilidade. Porém, após anos sem guiar ela buscou ajuda no amigo Arquimedes para treinar a direção, e como ele estava sem carro e precisava ir á sua casa próxima á “Represa dos Ingleses”, aproveitou a carona.

Seguiam pelo bairro São Pedro e ela perguntou: - E então, como estou me saindo?

- Muito bem Margot! Você sabe dirigir.

- Ainda estou insegura de pegar trânsito pesado. Hum, aquele refresco de abacaxi que tomei no quiosque estava tão bom; o que tinha nele?

- Hortelã e ervas aromáticas.

- Na volta eu vou querer repetir!

Ele sorriu e falou - Sim! – suspirou: - É ruim ficar sem carro, mal posso esperar para meu Golzinho sair da oficina!

- Eu não sabia que você possuía casa de campo Arquimedes.

- Não é exatamente uma casa de campo; é até bem modesta. Eu quis que você fosse comigo para dar umas dicas. Um toque feminino!

Ela riu: - Logo vi que não era á toa! – então deu um suspiro, sorriu e perguntou: - Mas,... É só para isto mesmo que você quer me levar lá?

- Sim,... – respondeu reticente.

- Ah... Por favor! – encostou o carro e passou o braço no pescoço de Arquimedes: - Olhe só; somos adultos e eu já percebi que você me quer.

Ele ficou surpreso: - O que é isto Margot,... Sim, eu gosto de você...

Cortando-o: - É só isto? – acariciou sua nuca de cabelo raspado: - Tem certeza que é apenas isto?

Arrepiado: - Bem,... Sim, é mais do que um gostar de amigo. Eu realmente gosto de você de uma maneira especial Margot.

- Agora estamos evoluindo!... – chegou perto sussurrando no seu ouvido: - Te quero muito! – buscou seu rosto e o beijou, e ele retribuiu abraçando-a: - Margot,... Você tem certeza?

- Muita certeza! – sussurrando e mordiscando o lóbulo de sua orelha: - Vamos logo para sua casa. Estou louca para dar um “toque feminino” nela,... E no dono dela! – então saiu do carro entrando pelo carona: - Chega prá lá, você dirige o resto do caminho. Amo ver homem dirigindo, isto me excita!

Arquimedes sentou na direção e seguiram até a casa. Margot recostou o banco e se esticou.

Era uma casa simples com varanda; janelas de madeira e telhado em forma de chalé. O carro parou ao lado e os dois saíram, excitados. A chave teimou na fechadura e Margot gargalhou do sem jeito de Arquimedes; mas foi só abrir a porta para se abraçarem. Ela o tocou no meio das pernas sentindo seu tesão e ele a agarrou, elevando-a do chão até o quarto a onde havia uma cama de casal sem lençol no colchão. Arquimedes abriu um armário em busca de roupa de cama, mas ela já tirava blusa e sutiã e perguntou com zombaria: - Para quê tá pegando lençol? – riso se deitando e tirando a calcinha. – Quero assim, no colchão nu! – Completamente excitado ele se despiu e jogou-se sobre ela, que o agarrou fortemente.

Fizeram sexo da forma mais intensa possível. Margot fazia-lhe carícias que ele nunca a imaginou capaz de fazer! Depois de gozarem ela se virou de lado ofegante e suspirou longamente. Arquimedes caiu ao lado exausto. Pôs sua mão na testa e falou: - Que loucura Margot!... Eu te curti desde a primeira vez,... – ao se virar, ela parecia adormecida, emitindo leves suspiros com a boca entreaberta. Ele riu e se aproximou. – Ficou cansadinha?

-... Deu um sono de repente,... - respondeu quase dormindo e se aninhou.

Ele abanou a cabeça e a cobriu com o lençol. Depois se levantou ainda surpreso com o ímpeto de Margot. – Meu deus, que doideira,... Que mulher surpreendente! – e saiu nu na direção da cozinha.

Olhou seus poucos móveis e abriu a geladeira. Tinha cerveja e uma garrafa de espumante. – Acho que ela vai curtir; está geladinho! – havia queijo, e ele o picou em cubinhos, arrumou numa travessa e abriu o espumante. Copos: só os tinha de plástico, mas até seria divertido.

Ele entrou no quarto com a bandeja nas mãos e sentou-se na cama, ainda nu. Ela se mexeu como num despertar preguiçoso e Arquimedes falou: - Trouxe uma coisa pra gente petiscar!

Margot esfregou os olhos, deu um leve sorriso e olhou em volta com expressão assustada. Levantou o lençol e ao ver que estava nua, deu um grito que fez Arquimedes cair da cama no susto, esparramando o queijo, os copos e a garrafa de espumante pelo chão.

- O que é isto? – perguntou Margot com semblante de pânico.

- Eu,... Eu só estava trazendo um lanche pra gente,...

Ela levantou da cama agarrada ao lençol olhando em volta e ele se aproximou: - O que aconteceu meu amor?

- A,... Aconteceu?... Não acredito que você fez isto!

- O que houve,... Você não gosta de espumante? – perguntou Arquimedes muito confuso e tentando chegar perto de Margot, que apanhou um abajur na mesinha de cabeceira, atirando-o nele e mais alguns objetos que encontrou. – Não chega perto de mim seu,... Porco!

Ele tentava desviar da chuva de coisas com as mãos: - O que houve,... Ai! – um cinzeiro de metal lhe atingiu. Margot pegou sua roupa e se trancou no banheiro.

Arquimedes chegou perto da porta e bateu. – Margot?

- Sai prá seu,... Indecente!

- Mas,... Foi você que quis!

- Eu não quis nada!... Ah, não acredito que você foi capaz de me dar um “boa noite cinderela” só pra me levar pra cama!

- O quê?

- Aquele suco de abacaxi estava com um gosto estranho!

-... Eram as ervas e a hortelã!

- Uma ova!... Aproveitou que eu fui lavar as mãos pra colocar alguma coisa no suco!

... Que absurdo você pensar isto de mim!

- Absurdo é eu acordar nua numa cama estranha com um homem pelado do meu lado!... – abriu a porta e saiu: - Que decepção! – foi seguindo na direção da porta e se virou á Arquimedes. – Eu devia te denunciar,... Seu animal! – foi saindo á entrada da casa e abrindo a porta do carro. Ligou-o e arranhou ao engatar a marcha ré para depois acelerar e ir embora numa nuvem de pó.

Arquimedes ficou á porta enrolado no lençol sem compreender nada: - Mas,... Foi ela que quis...

 

Dois dias depois...

Arquimedes falava á Egberto, seu colega de polícia, sobre o ocorrido: - Cara, ela fez isto?

- Fez! Levantou da cama e atirou-me tudo que viu pela frente. Olhe! – mostrou um pequeno ferimento na testa. – Depois entrou no carro e saiu a toda. Eu fiquei preocupado porque ela está sem treino de volante! – abanou a cabeça. – Tentei ligar, mandei mensagens, mas ela me excluiu e bloqueou totalmente.

- Margot é aquela sua amiga meio doidinha?

- Ela não é doida!... Só um pouco, diferente. – ele nunca revelava á ninguém que ela fosse médium que até o ajudou em algumas investigações. – Me acusou de tê-la dopado para fazer sexo comigo!

- E,... Você não fez isto, né?

- Porra Egberto, até você?

- Calma; eu sei que você não faria isto! E agora?

- Agora? – deu de ombros: - Não sei. Mas se quer saber: eu fiquei muito sentido por Margot achar que eu utilizaria um recurso tão sujo para transar com ela.

- Você gosta dela?

Após breve pausa: - Sim,... Eu gosto muito; e é por isto que estou magoado e triste.

Egberto pôs a mão no ombro do amigo e disse: - Dá tempo ao tempo!

Ele abanou a cabeça: - Acho que acabou o tempo: “game over”!

 

No seu apartamento Margot trazia um pote de sorvete nas mãos, comendo-o em generosas colheradas. De vez em quando soluçava, limpava os olhos com as costas das mãos e tornava a meter a colher no sorvete.

Então ouviu uma voz. – Olá Margot!

-... Olá Silvia. – era seu guia de cabeça ao qual apenas ouvia a voz.

- O que houve? Venho tentando falar com você sem conseguir. Por acaso me bloqueou com a mente?

- Eu bloqueei tudo! – falou entre colheradas do sorvete. – Você nem imagina o que aconteceu. Arquimedes abusou de mim!

- O quê?... Aquele homem lindo abusou de você, como assim?

- Fez sexo comigo sem meu consentimento; foi isto que aquele homem lindo fez! – soltou o ar no desabafo: - O pilantra inventou uma ida á casa dele perto da Represa, disse que estava sem carro. No caminho, paramos num quiosque e ele pediu suco de abacaxi. Então aproveitou que eu fui lavar as mãos para colocar algum calmante, ou sei lá o quê no suco!... Eu apaguei, e quando acordei estava nua numa cama,... E ele pelado ao meu lado!

- Uau, que babado!... Você transaram?

- Você não me entendeu Silvia? Ele praticamente me estuprou enquanto eu estava desacordada!... Que espécie de perversão é esta?

- Você não lembra de nada?

- Não!... – soluçou: - Nunca imaginei que,...

- Que o quê?

-... Nada! Nunca imaginei que ele fosse capaz de fazer isto comigo!

- Hum,... Você gosta dele, não é?

Margot engoliu a ultima colherada no sorvete e respondeu nervosa: - Eu não gosto!... Quer saber do que mais? Encerrou o assunto. – levantou do sofá com o pote vazio na mão. – Acabou o sorvete,... Eu vou comprar mais! – andou até a porta do quarto; largou o pote vazio e a colher no chão e foi se arrumar para sair.

 

Era noite quando Arquimedes terminava seu plantão na delegacia e seguia no seu carro recém-saído da oficina. Olhou-o e falou: - É isso aí Golzinho; vê se dá um tempo nos enguiços, tá?

Como de costume, ligou o rádio na FM de sempre. Adorava flashbacks e ia cantarolando “Dancing Queen” do grupo Abba quando o radio começou a falhar até emitir apenas chiados. – Ah,... Já vai começar? – reclamou enquanto buscava um local para encostar o carro e arrumar o rádio quando escutou uma voz: -... Não a deixe sozinha!

Ele estranhou, achando que fosse uma voz na rua. Mas se repetiu: - Pergunte... Onde você está?... – vinha do autofalante do rádio e parou assim que o som da FM voltou.

Arquimedes ficou cismado porque parecia uma voz rouca de mulher misturada ao chiado da estática. Porém, imaginou que fosse alguma interferência de ondas curtas ou algo assim, e seguiu.

Minutos depois seu telefone tocou: era Egberto. – Alô Arquimedes; vou ser rápido, sua amiga Margot está aqui na parte baixa da Rua Marechal Deodoro, quase na Praça da Estação,...

- O quê, a Margot? O que ela está fazendo aí á esta hora?

- Cara; ela está no meio das prostitutas que fazem ponto por aqui,...

Cortando-o: - Como é que é?... Você deve estar enganado, não pode ser ela!

- É ela sim, eu a conheço, pô! Olha; ela chegou muito doidona e trocou de roupa com uma das meninas, no meio da rua!...

- Não acredito!

- Pois então vem cá e veja com seus olhos! Mas vem rápido porque já tem uns camaradas rodeando.

- Não deixa ninguém encostar nela!

- Como vou fazer isto?

- Finge que é freguês; estou indo para aí agora! – desligou o telefone, deu um “cavalo de pau” na rua e voltou á toda ao Centro da cidade.

 

Margot se encostou á Egberto, dizendo. – Você é bem interessante,... Quer um programinha básico ou o pacote completo?

- O que é pacote completo? – perguntou tentando não se excitar.

- De tudo um pouco: fio terra, boquete,... Quer ver a tabela? – começou a abrir o zíper da blusinha de couro quando Arquimedes parou ao lado cantando pneus: - É ela mesma! – e saiu do carro rapidamente indo ao seu encontro. Ela olhou e falou: - Ora vejam quem está aqui? – riso. – É bom saber que estamos fidelizando!

- Margot,... Que roupa é esta?

- Eu troquei com a minha amiga ali! – acenou á moça, que riu junto a outras mulheres. – Ela disse que adorou meu vestido; aí troquei com ela! Essa beca aqui é muito mais fashion! – além da blusinha brilhante e curta, havia um bustiê muito justo e minissaia com estampa de oncinha. – Mas que pena; o amigo aqui chegou primeiro! – abraçou Egberto, que se esquivou dizendo: - Não Margot; cliente antigo tem prioridade!

- Isso parece nome de tia velha, daquelas bem encruadas. – virou-se á Arquimedes: - Chame-me de Volúpia!

As moças irromperam numa gargalhada e ela as enfrentou: - Estão rindo de quê?

- Deixe para lá,... Volúpia! Vamos embora daqui. – falou Arquimedes.

Ela o enlaçou no pescoço e disse: - Adoro homens de atitude; vamos!

Já no carro, ela começou a lhe tocar no meio das pernas: - Vamos conferir a atitude!...

- Pare com isto Margot!... O que deu em você?

- Já disse que sou Volúpia!

- Não, você é Margot, minha amiga!

- Homem que tem amiga mulher, é gay, sabia? – e riu, tentando abrir a porta do carro em movimento. Arquimedes a segurou e ela tentou unhá-lo. Chegaram a lutar, quase fazendo perder a direção e obrigando-o á parar; ela aproveitou para fugir, mas ele a alcançou: - Me larga,... Seu viado!...

- Pare com isto!... – ele tentava dominá-la quando teve um insight e perguntou: - Onde você está?

Ela parou de lutar, cambaleou de leve e Arquimedes a amparou.

Em instantes ela voltou a si, o olhou e falou imprecisa: - O quê,... O que está...? – se olhou: - Estas roupas,... O que é isto?

- Por favor, se acalme. – Estavam próximos ao Instituto Estadual de Educação no instante que alunos do turno da noite saíam e a olharam, alguns rindo da cena.

Envergonhada, ela fechou a gola da blusinha e pediu: -... Tire-me daqui Arquimedes!

Ele a conduziu ao carro e saíram dali. Em instantes ela bocejou e adormeceu no banco do carona.

 

Estava amanhecendo e Margot ainda vestia a blusinha e minissaia, com uma capa de chuva de Arquimedes nas costas. Estava no seu apartamento; acordou assustada, mas lembrava-se de quase tudo e explicava: -... Eu ia sair para comprar sorvete e senti uma sensação estranha, como num desmaio. Quando voltei, estava encostada ao muro dos Correios, perto da Escola Normal com os garotos me olhando com esta roupa. Que vergonha!

- Você não se lembra de nada?

- Não,... Apenas flashes como lampejos de um sonho. – Arquimedes ia perguntar se tinha lembrança do ato sexual, mas ela prosseguiu. – Não é a primeira vez que aconteceu.

- Teve outra vez? Quando?

- Eu tinha dezessete anos e fazia faculdade. Um dia, no campus da Universidade Federal em Belo Horizonte, estava indo para a aula na companhia de colegas, quando comecei a sentir uma angústia terrível como num sufocamento, e desfaleci. Quando voltei á consciência, estava rodeada de pessoas. Disseram que eu chorava como uma criança. Eu nunca mais passei por ali. – abanou a cabeça: - Mas aconteceu outras vezes. Diziam que eu fazia voz de criança e falava coisas incompressíveis, e isto ocorreu tantas vezes que meus pais levaram-me á um psiquiatra que me diagnosticou como esquizofrênica!... Fui tratada assim, até decidir parar o tratamento por mim mesma por que me deixava abobada! Aí as vozes deram um tempo. – olhou Arquimedes: - Entende agora porque eu tenho medo dessas coisas?

- Mas, você não é esquizofrênica, Margot!

- Eu sei disso! Só que isto que tenho, eu nem sei se é pior ou melhor que a esquizofrenia! Veja bem: eu fiz sexo com você, e nem me lembro!... Acha isto bom?

- Não,... Quero dizer,...

Ela o cortou: - Nem precisa prosseguir; dá para ver o seu constrangimento! Não tem como eu fugir. Esta mulher chamada Volúpia vai me atormentar e não é uma criança chorona, mas uma prostituta que se tomar conta de mim, você sabe o que acontecerá, não é?

- Não vai acontecer!... Mas, como faremos?

Margot respirou fundo, e respondeu: - Você vai chamar por Volúpia, com muita vontade, e, se dermos sorte, ela vai me incorporar. Então você deverá perguntar como fez na rua: “Onde você está?”.

- E o que vai acontecer depois?

Deu de ombros: - Não sei, mas é o único jeito! – ela despiu a capa de chuva e ordenou: - Vamos Arquimedes; faça isto logo!... Ande!

Ele tomou coragem e a chamou: - Ei, Volúpia! Venha!... Volúpia?

Olharam em torno, e ele repetiu: - Venha Volúpia. Estou muito a fim!... Volúpia, vem me encontrar!

Margot inclinou a cabeça num suspiro, quase num desmaio. Sorriu, abriu os olhos e disse: - Hum,... Então o moço bravo do carro me quer?

- Sim, eu te quero muito, Volúpia!

Ela encolheu os ombros num novo suspiro, e se aproximou: - Eu estava até me sentido rejeitada, você é mau! – chegou mais perto lhe acariciando o rosto: - Mas é muito bonito, sabia?... Só que pensa que não é! – colocou a mão no meio de suas pernas, buscando seu pênis sob a calça. Isto o excitou, mas teve que se conter: -... Onde você está?

- Ora bolas?... Eu estou aqui!

- Aqui, onde?

- Que pergunta cretina,... Já disse que estou aqui!

- Mas este “aqui”, não é “aqui”!... Onde você está?

Ela se afastou com expressão iniciando pânico: - Estou aqui!... Aqui! – gritou e olhou em volta: - Não é aqui, não é aqui - Eu,... Eu preciso voltar lá!

- Você quer voltar ao lugar que está, e á onde é? Me fala?

-... Na represa!... – passou a mão no pescoço: - Preciso voltar na represa!

Arquimedes pensou um pouco e perguntou: - É na Represa dos Ingleses que você está?

Margot levantou ofegante: - Eu preciso voltar lá!... Eu preciso! – corria de um lado a outro socando as paredes.

- Está bem, Volúpia!... Eu vou levar você lá! – Arquimedes abriu a porta do apartamento e foi necessário correr atrás de Margot para não perdê-la.

 

Ele seguia pela Avenida Costa e Silva preocupado com Margot, que parecia estar com falta de ar, passando as mãos no peito e falando sempre “preciso voltar!”.

- E se isto for realmente sintoma de algum distúrbio neurológico? – pensava: - Não!... Ela consegue falar com mortos, ou como dizem os espíritas: desencarnados!

 Ela estava aflita e com olhar vidrado, como se não estivesse ali, mas em outro lugar, que também era ali. Arquimedes temia pelo final daquela aventura porque quanto mais se aproximava da represa, mais ela se afligia, chegando a se debater no banco do carro: - O que estou fazendo?... Meu Deus, não permita que nada de mal aconteça com ela!

Passaram pelo quiosque de lanches e ela começou a ficar ainda mais desesperada, e gritava; - Não!... Eu vou, eu vou!

- Por favor, se acalme Margot!... Isto é um erro, não tinha que ter obedecido...!

Perto da represa, num impulso ela abriu a porta do carro em movimento com tanta força que arrebentou o cinto de segurança. Arquimedes segurou-a pelos braços no momento que pisava no freio do carro, fazendo-o sair da estrada e cair na valeta, parando-o abruptamente. Nisto ela se soltou e correu para a margem da represa. Arquimedes ficou uns instantes atordoado, mas se recuperou a tempo de vê-la mergulhando no lago.

- Margot!... Não! – ele correu ao seu encalço e também mergulhou nas águas geladas da represa, que eram turvas, impedindo que se visse muita coisa. Foram momentos de extremo pânico até conseguir enxergar um objeto branco atolado no fundo das águas: era um carro. Depois viu Margot boiando sem se mexer. Ele nadou ao seu encontro, agarrou-a e subiu á superfície e a margem da represa, deitando-a na relva, desacordada. – Não!... Isto não!... - ele começou a tentar reanimá-la com massagens e finalmente com respiração artificial. Numa golfada ela expeliu água enquanto tossia. Aliviado, Arquimedes respirou. – Graças a Deus!

Margot abriu os olhos e falou: - Ela estava lá!... Eu vi,... Agora não está mais! – e adormeceu enquanto ele tentava chamar socorro com seu celular, torcendo que ainda funcionasse.

 

Dias depois Arquimedes explicava á Margot: - Volúpia era nome de guerra da garota de programa, Maria Valéria dos Santos. O homem que estava com ela se chamava Carlos Ramirez, era empresário em São Paulo. Ambos constavam na lista de desaparecidos da polícia, só que ninguém supôs que o doutor Ramirez estivesse junto com a Volúpia. Era casado e muito religioso!

Eles foram á beira do lago da Represa dos Ingleses; ainda se viam vestígios do Mercedes Benz branco resgatado das águas. Arquimedes perguntou: - Por que você quis voltar aqui Margot?

- Para ter certeza que Volúpia não estava mais presa á uma espécie de culpa!

- Por que “culpa”?

- Eu consegui ver o que aconteceu á aquela noite: eles seguiam por esta estrada, e ela começou a lhe fazer carícias,... Aquelas carícias! Ele ficou excitado e começou a acelerar até perder a direção naquela curva. – apontou: - O carro saiu da estrada, capotou e mergulhou no lago. Volúpia foi atirada para fora, na margem. Então, enquanto o carro afundava, Ramirez pediu socorro porque estava preso ao cinto,... Ela mergulhou no lago para socorrê-lo, mas o carro afundou tombando de lado e a arrastou para o fundo. Os dois morreram afogados! – abanou a cabeça. – Ele era um estranho e Volúpia tentou salvá-lo quando poderia simplesmente ter ido embora.

- E,... O espírito dele também estava preso aqui?

- Não! – deu de ombros: - Acho que uns percebem logo que morreram e se vão mais rápido!

Ficaram uns instantes olhando a placidez do lago quando Arquimedes falou: - Eu fiquei com tanto medo de,... De ter perder Margot.

Ela olhou-o: - Porque “perder”?

- Ora,... Porque você é minha amiga e,... E eu,...

- Fale?

- Eu gosto muito de você Margot!... De um jeito,... Intenso!

Ela ficou adiante: - Eu também gosto muito de você Arquimedes. Também de um jeito muito intenso!

Foram aproximando os rostos, tocando as pontas dos narizes, seus lábios, até chegarem ao longo beijo.

 

Horas depois estavam na cama, no quarto da casa de Arquimedes na represa. A cama estava de lençol estendido, mas amarrotado após o sexo pontuado preliminares, onde mãos dedos e línguas buscavam erotismos em cada dobra dos seus corpos, e em cada orifício. Foi mais que uma penetração. Foi uma fusão!

Agora, lado a lado abraçados e fatigados, mas contentes, eles se olhavam como se descobrissem noutra dimensão.

- E agora? – perguntou Arquimedes.

- Agora o quê? – perguntou Margot brincando com os pelos do seu peito.

- É que,... Temos algo novo aqui, não é?

- Sim! – ela acariciou seu rosto: - Viramos namorados?

- Acho que sim! – segurou seu rosto e se beijaram. Então ele falou: - Posso perguntar uma coisa sobre seu guia: a Silvia?

- Claro, pergunte!

- Você acha que ela poderia fazer contato no autofalante do rádio de um carro?

- Héim?...

 

Na semana seguinte, Arquimedes e Margot seguiam pelo Campus da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela olhava em torno certificando-se do local exato, que felizmente continuava como á vinte anos. – Foi aqui que aconteceu! – ela se virou á Arquimedes: - Não sei se vai acontecer de novo; mas se eu começar a chorar como uma criança perdida, você sabe o que deve fazer?

- Sim! Devo perguntar: “onde você está?”...

 

 

FIM

 

Nota do autor: A médium Margot e o detetive Arquimedes são personagens em outros contos de sobrenatural neste blogue: “Um pedido de Ajuda” foi o primeiro, que também saiu na antologia Halloween, um conto Fantástico pela editora Paratexto em 2019. Depois vieram, “Você Tem Uma Bola em Casa?”, quando aparece o personagem Arquimedes; “O Resgate de Papai Noel”, (continuação do conto “O Dia Que Papai Noel Caiu da Chaminé”, também no blogue Luz Acendida); “A Hora da Volúpia”; e “O Crime do Viaduto” que fez parte da coletânea Juiz de Fora Ao Luar pela Griphon Edições em 2021.

Margot, Arquimedes e o espírito Sílvia podem aparecer em outros contos. Aguardem!  

Ramón Brandão.