terça-feira, 26 de outubro de 2021

A HORA DA VOLÚPIA - Conto publicado inicalmente em 07 de maio de 2020.

 

A HORA DA VOLÚPIA

 

 

 

Margot estava contente com a aquisição de um carro, que mesmo não sendo de luxo e nem totalmente novo lhe proporcionaria mobilidade. Porém, após anos sem guiar ela buscou ajuda no amigo Arquimedes para treinar a direção, e como ele estava sem carro e precisava ir á sua casa próxima á “Represa dos Ingleses”, aproveitou a carona.

Seguiam pelo bairro São Pedro e ela perguntou: - E então, como estou me saindo?

- Muito bem Margot! Você sabe dirigir.

- Ainda estou insegura de pegar trânsito pesado. Hum, aquele refresco de abacaxi que tomei no quiosque estava tão bom; o que tinha nele?

- Hortelã e ervas aromáticas.

- Na volta eu vou querer repetir!

Ele sorriu e falou - Sim! – suspirou: - É ruim ficar sem carro, mal posso esperar para meu Golzinho sair da oficina!

- Eu não sabia que você possuía casa de campo Arquimedes.

- Não é exatamente uma casa de campo; é até bem modesta. Eu quis que você fosse comigo para dar umas dicas. Um toque feminino!

Ela riu: - Logo vi que não era á toa! – então deu um suspiro, sorriu e perguntou: - Mas,... É só para isto mesmo que você quer me levar lá?

- Sim,... – respondeu reticente.

- Ah... Por favor! – encostou o carro e passou o braço no pescoço de Arquimedes: - Olhe só; somos adultos e eu já percebi que você me quer.

Ele ficou surpreso: - O que é isto Margot,... Sim, eu gosto de você...

Cortando-o: - É só isto? – acariciou sua nuca de cabelo raspado: - Tem certeza que é apenas isto?

Arrepiado: - Bem,... Sim, é mais do que um gostar de amigo. Eu realmente gosto de você de uma maneira especial Margot.

- Agora estamos evoluindo!... – chegou perto sussurrando no seu ouvido: - Te quero muito! – buscou seu rosto e o beijou, e ele retribuiu abraçando-a: - Margot,... Você tem certeza?

- Muita certeza! – sussurrando e mordiscando o lóbulo de sua orelha: - Vamos logo para sua casa. Estou louca para dar um “toque feminino” nela,... E no dono dela! – então saiu do carro entrando pelo carona: - Chega prá lá, você dirige o resto do caminho. Amo ver homem dirigindo, isto me excita!

Arquimedes sentou na direção e seguiram até a casa. Margot recostou o banco e se esticou.

Era uma casa simples com varanda; janelas de madeira e telhado em forma de chalé. O carro parou ao lado e os dois saíram, excitados. A chave teimou na fechadura e Margot gargalhou do sem jeito de Arquimedes; mas foi só abrir a porta para se abraçarem. Ela o tocou no meio das pernas sentindo seu tesão e ele a agarrou, elevando-a do chão até o quarto a onde havia uma cama de casal sem lençol no colchão. Arquimedes abriu um armário em busca de roupa de cama, mas ela já tirava blusa e sutiã e perguntou com zombaria: - Para quê tá pegando lençol? – riso se deitando e tirando a calcinha. – Quero assim, no colchão nu! – Completamente excitado ele se despiu e jogou-se sobre ela, que o agarrou fortemente.

Fizeram sexo da forma mais intensa possível. Margot fazia-lhe carícias que ele nunca a imaginou capaz de fazer! Depois de gozarem ela se virou de lado ofegante e suspirou longamente. Arquimedes caiu ao lado exausto. Pôs sua mão na testa e falou: - Que loucura Margot!... Eu te curti desde a primeira vez,... – ao se virar, ela parecia adormecida, emitindo leves suspiros com a boca entreaberta. Ele riu e se aproximou. – Ficou cansadinha?

-... Deu um sono de repente,... - respondeu quase dormindo e se aninhou.

Ele abanou a cabeça e a cobriu com o lençol. Depois se levantou ainda surpreso com o ímpeto de Margot. – Meu deus, que doideira,... Que mulher surpreendente! – e saiu nu na direção da cozinha.

Olhou seus poucos móveis e abriu a geladeira. Tinha cerveja e uma garrafa de espumante. – Acho que ela vai curtir; está geladinho! – havia queijo, e ele o picou em cubinhos, arrumou numa travessa e abriu o espumante. Copos: só os tinha de plástico, mas até seria divertido.

Ele entrou no quarto com a bandeja nas mãos e sentou-se na cama, ainda nu. Ela se mexeu como num despertar preguiçoso e Arquimedes falou: - Trouxe uma coisa pra gente petiscar!

Margot esfregou os olhos, deu um leve sorriso e olhou em volta com expressão assustada. Levantou o lençol e ao ver que estava nua, deu um grito que fez Arquimedes cair da cama no susto, esparramando o queijo, os copos e a garrafa de espumante pelo chão.

- O que é isto? – perguntou Margot com semblante de pânico.

- Eu,... Eu só estava trazendo um lanche pra gente,...

Ela levantou da cama agarrada ao lençol olhando em volta e ele se aproximou: - O que aconteceu meu amor?

- A,... Aconteceu?... Não acredito que você fez isto!

- O que houve,... Você não gosta de espumante? – perguntou Arquimedes muito confuso e tentando chegar perto de Margot, que apanhou um abajur na mesinha de cabeceira, atirando-o nele e mais alguns objetos que encontrou. – Não chega perto de mim seu,... Porco!

Ele tentava desviar da chuva de coisas com as mãos: - O que houve,... Ai! – um cinzeiro de metal lhe atingiu. Margot pegou sua roupa e se trancou no banheiro.

Arquimedes chegou perto da porta e bateu. – Margot?

- Sai prá seu,... Indecente!

- Mas,... Foi você que quis!

- Eu não quis nada!... Ah, não acredito que você foi capaz de me dar um “boa noite cinderela” só pra me levar pra cama!

- O quê?

- Aquele suco de abacaxi estava com um gosto estranho!

-... Eram as ervas e a hortelã!

- Uma ova!... Aproveitou que eu fui lavar as mãos pra colocar alguma coisa no suco!

... Que absurdo você pensar isto de mim!

- Absurdo é eu acordar nua numa cama estranha com um homem pelado do meu lado!... – abriu a porta e saiu: - Que decepção! – foi seguindo na direção da porta e se virou á Arquimedes. – Eu devia te denunciar,... Seu animal! – foi saindo á entrada da casa e abrindo a porta do carro. Ligou-o e arranhou ao engatar a marcha ré para depois acelerar e ir embora numa nuvem de pó.

Arquimedes ficou á porta enrolado no lençol sem compreender nada: - Mas,... Foi ela que quis...

 

Dois dias depois...

Arquimedes falava á Egberto, seu colega de polícia, sobre o ocorrido: - Cara, ela fez isto?

- Fez! Levantou da cama e atirou-me tudo que viu pela frente. Olhe! – mostrou um pequeno ferimento na testa. – Depois entrou no carro e saiu a toda. Eu fiquei preocupado porque ela está sem treino de volante! – abanou a cabeça. – Tentei ligar, mandei mensagens, mas ela me excluiu e bloqueou totalmente.

- Margot é aquela sua amiga meio doidinha?

- Ela não é doida!... Só um pouco, diferente. – ele nunca revelava á ninguém que ela fosse médium que até o ajudou em algumas investigações. – Me acusou de tê-la dopado para fazer sexo comigo!

- E,... Você não fez isto, né?

- Porra Egberto, até você?

- Calma; eu sei que você não faria isto! E agora?

- Agora? – deu de ombros: - Não sei. Mas se quer saber: eu fiquei muito sentido por Margot achar que eu utilizaria um recurso tão sujo para transar com ela.

- Você gosta dela?

Após breve pausa: - Sim,... Eu gosto muito; e é por isto que estou magoado e triste.

Egberto pôs a mão no ombro do amigo e disse: - Dá tempo ao tempo!

Ele abanou a cabeça: - Acho que acabou o tempo: “game over”!

 

No seu apartamento Margot trazia um pote de sorvete nas mãos, comendo-o em generosas colheradas. De vez em quando soluçava, limpava os olhos com as costas das mãos e tornava a meter a colher no sorvete.

Então ouviu uma voz. – Olá Margot!

-... Olá Silvia. – era seu guia de cabeça ao qual apenas ouvia a voz.

- O que houve? Venho tentando falar com você sem conseguir. Por acaso me bloqueou com a mente?

- Eu bloqueei tudo! – falou entre colheradas do sorvete. – Você nem imagina o que aconteceu. Arquimedes abusou de mim!

- O quê?... Aquele homem lindo abusou de você, como assim?

- Fez sexo comigo sem meu consentimento; foi isto que aquele homem lindo fez! – soltou o ar no desabafo: - O pilantra inventou uma ida á casa dele perto da Represa, disse que estava sem carro. No caminho, paramos num quiosque e ele pediu suco de abacaxi. Então aproveitou que eu fui lavar as mãos para colocar algum calmante, ou sei lá o quê no suco!... Eu apaguei, e quando acordei estava nua numa cama,... E ele pelado ao meu lado!

- Uau, que babado!... Você transaram?

- Você não me entendeu Silvia? Ele praticamente me estuprou enquanto eu estava desacordada!... Que espécie de perversão é esta?

- Você não lembra de nada?

- Não!... – soluçou: - Nunca imaginei que,...

- Que o quê?

-... Nada! Nunca imaginei que ele fosse capaz de fazer isto comigo!

- Hum,... Você gosta dele, não é?

Margot engoliu a ultima colherada no sorvete e respondeu nervosa: - Eu não gosto!... Quer saber do que mais? Encerrou o assunto. – levantou do sofá com o pote vazio na mão. – Acabou o sorvete,... Eu vou comprar mais! – andou até a porta do quarto; largou o pote vazio e a colher no chão e foi se arrumar para sair.

 

Era noite quando Arquimedes terminava seu plantão na delegacia e seguia no seu carro recém-saído da oficina. Olhou-o e falou: - É isso aí Golzinho; vê se dá um tempo nos enguiços, tá?

Como de costume, ligou o rádio na FM de sempre. Adorava flashbacks e ia cantarolando “Dancing Queen” do grupo Abba quando o radio começou a falhar até emitir apenas chiados. – Ah,... Já vai começar? – reclamou enquanto buscava um local para encostar o carro e arrumar o rádio quando escutou uma voz: -... Não a deixe sozinha!

Ele estranhou, achando que fosse uma voz na rua. Mas se repetiu: - Pergunte... Onde você está?... – vinha do autofalante do rádio e parou assim que o som da FM voltou.

Arquimedes ficou cismado porque parecia uma voz rouca de mulher misturada ao chiado da estática. Porém, imaginou que fosse alguma interferência de ondas curtas ou algo assim, e seguiu.

Minutos depois seu telefone tocou: era Egberto. – Alô Arquimedes; vou ser rápido, sua amiga Margot está aqui na parte baixa da Rua Marechal Deodoro, quase na Praça da Estação,...

- O quê, a Margot? O que ela está fazendo aí á esta hora?

- Cara; ela está no meio das prostitutas que fazem ponto por aqui,...

Cortando-o: - Como é que é?... Você deve estar enganado, não pode ser ela!

- É ela sim, eu a conheço, pô! Olha; ela chegou muito doidona e trocou de roupa com uma das meninas, no meio da rua!...

- Não acredito!

- Pois então vem cá e veja com seus olhos! Mas vem rápido porque já tem uns camaradas rodeando.

- Não deixa ninguém encostar nela!

- Como vou fazer isto?

- Finge que é freguês; estou indo para aí agora! – desligou o telefone, deu um “cavalo de pau” na rua e voltou á toda ao Centro da cidade.

 

Margot se encostou á Egberto, dizendo. – Você é bem interessante,... Quer um programinha básico ou o pacote completo?

- O que é pacote completo? – perguntou tentando não se excitar.

- De tudo um pouco: fio terra, boquete,... Quer ver a tabela? – começou a abrir o zíper da blusinha de couro quando Arquimedes parou ao lado cantando pneus: - É ela mesma! – e saiu do carro rapidamente indo ao seu encontro. Ela olhou e falou: - Ora vejam quem está aqui? – riso. – É bom saber que estamos fidelizando!

- Margot,... Que roupa é esta?

- Eu troquei com a minha amiga ali! – acenou á moça, que riu junto a outras mulheres. – Ela disse que adorou meu vestido; aí troquei com ela! Essa beca aqui é muito mais fashion! – além da blusinha brilhante e curta, havia um bustiê muito justo e minissaia com estampa de oncinha. – Mas que pena; o amigo aqui chegou primeiro! – abraçou Egberto, que se esquivou dizendo: - Não Margot; cliente antigo tem prioridade!

- Isso parece nome de tia velha, daquelas bem encruadas. – virou-se á Arquimedes: - Chame-me de Volúpia!

As moças irromperam numa gargalhada e ela as enfrentou: - Estão rindo de quê?

- Deixe para lá,... Volúpia! Vamos embora daqui. – falou Arquimedes.

Ela o enlaçou no pescoço e disse: - Adoro homens de atitude; vamos!

Já no carro, ela começou a lhe tocar no meio das pernas: - Vamos conferir a atitude!...

- Pare com isto Margot!... O que deu em você?

- Já disse que sou Volúpia!

- Não, você é Margot, minha amiga!

- Homem que tem amiga mulher, é gay, sabia? – e riu, tentando abrir a porta do carro em movimento. Arquimedes a segurou e ela tentou unhá-lo. Chegaram a lutar, quase fazendo perder a direção e obrigando-o á parar; ela aproveitou para fugir, mas ele a alcançou: - Me larga,... Seu viado!...

- Pare com isto!... – ele tentava dominá-la quando teve um insight e perguntou: - Onde você está?

Ela parou de lutar, cambaleou de leve e Arquimedes a amparou.

Em instantes ela voltou a si, o olhou e falou imprecisa: - O quê,... O que está...? – se olhou: - Estas roupas,... O que é isto?

- Por favor, se acalme. – Estavam próximos ao Instituto Estadual de Educação no instante que alunos do turno da noite saíam e a olharam, alguns rindo da cena.

Envergonhada, ela fechou a gola da blusinha e pediu: -... Tire-me daqui Arquimedes!

Ele a conduziu ao carro e saíram dali. Em instantes ela bocejou e adormeceu no banco do carona.

 

Estava amanhecendo e Margot ainda vestia a blusinha e minissaia, com uma capa de chuva de Arquimedes nas costas. Estava no seu apartamento; acordou assustada, mas lembrava-se de quase tudo e explicava: -... Eu ia sair para comprar sorvete e senti uma sensação estranha, como num desmaio. Quando voltei, estava encostada ao muro dos Correios, perto da Escola Normal com os garotos me olhando com esta roupa. Que vergonha!

- Você não se lembra de nada?

- Não,... Apenas flashes como lampejos de um sonho. – Arquimedes ia perguntar se tinha lembrança do ato sexual, mas ela prosseguiu. – Não é a primeira vez que aconteceu.

- Teve outra vez? Quando?

- Eu tinha dezessete anos e fazia faculdade. Um dia, no campus da Universidade Federal em Belo Horizonte, estava indo para a aula na companhia de colegas, quando comecei a sentir uma angústia terrível como num sufocamento, e desfaleci. Quando voltei á consciência, estava rodeada de pessoas. Disseram que eu chorava como uma criança. Eu nunca mais passei por ali. – abanou a cabeça: - Mas aconteceu outras vezes. Diziam que eu fazia voz de criança e falava coisas incompressíveis, e isto ocorreu tantas vezes que meus pais levaram-me á um psiquiatra que me diagnosticou como esquizofrênica!... Fui tratada assim, até decidir parar o tratamento por mim mesma por que me deixava abobada! Aí as vozes deram um tempo. – olhou Arquimedes: - Entende agora porque eu tenho medo dessas coisas?

- Mas, você não é esquizofrênica, Margot!

- Eu sei disso! Só que isto que tenho, eu nem sei se é pior ou melhor que a esquizofrenia! Veja bem: eu fiz sexo com você, e nem me lembro!... Acha isto bom?

- Não,... Quero dizer,...

Ela o cortou: - Nem precisa prosseguir; dá para ver o seu constrangimento! Não tem como eu fugir. Esta mulher chamada Volúpia vai me atormentar e não é uma criança chorona, mas uma prostituta que se tomar conta de mim, você sabe o que acontecerá, não é?

- Não vai acontecer!... Mas, como faremos?

Margot respirou fundo, e respondeu: - Você vai chamar por Volúpia, com muita vontade, e, se dermos sorte, ela vai me incorporar. Então você deverá perguntar como fez na rua: “Onde você está?”.

- E o que vai acontecer depois?

Deu de ombros: - Não sei, mas é o único jeito! – ela despiu a capa de chuva e ordenou: - Vamos Arquimedes; faça isto logo!... Ande!

Ele tomou coragem e a chamou: - Ei, Volúpia! Venha!... Volúpia?

Olharam em torno, e ele repetiu: - Venha Volúpia. Estou muito a fim!... Volúpia, vem me encontrar!

Margot inclinou a cabeça num suspiro, quase num desmaio. Sorriu, abriu os olhos e disse: - Hum,... Então o moço bravo do carro me quer?

- Sim, eu te quero muito, Volúpia!

Ela encolheu os ombros num novo suspiro, e se aproximou: - Eu estava até me sentido rejeitada, você é mau! – chegou mais perto lhe acariciando o rosto: - Mas é muito bonito, sabia?... Só que pensa que não é! – colocou a mão no meio de suas pernas, buscando seu pênis sob a calça. Isto o excitou, mas teve que se conter: -... Onde você está?

- Ora bolas?... Eu estou aqui!

- Aqui, onde?

- Que pergunta cretina,... Já disse que estou aqui!

- Mas este “aqui”, não é “aqui”!... Onde você está?

Ela se afastou com expressão iniciando pânico: - Estou aqui!... Aqui! – gritou e olhou em volta: - Não é aqui, não é aqui - Eu,... Eu preciso voltar lá!

- Você quer voltar ao lugar que está, e á onde é? Me fala?

-... Na represa!... – passou a mão no pescoço: - Preciso voltar na represa!

Arquimedes pensou um pouco e perguntou: - É na Represa dos Ingleses que você está?

Margot levantou ofegante: - Eu preciso voltar lá!... Eu preciso! – corria de um lado a outro socando as paredes.

- Está bem, Volúpia!... Eu vou levar você lá! – Arquimedes abriu a porta do apartamento e foi necessário correr atrás de Margot para não perdê-la.

 

Ele seguia pela Avenida Costa e Silva preocupado com Margot, que parecia estar com falta de ar, passando as mãos no peito e falando sempre “preciso voltar!”.

- E se isto for realmente sintoma de algum distúrbio neurológico? – pensava: - Não!... Ela consegue falar com mortos, ou como dizem os espíritas: desencarnados!

 Ela estava aflita e com olhar vidrado, como se não estivesse ali, mas em outro lugar, que também era ali. Arquimedes temia pelo final daquela aventura porque quanto mais se aproximava da represa, mais ela se afligia, chegando a se debater no banco do carro: - O que estou fazendo?... Meu Deus, não permita que nada de mal aconteça com ela!

Passaram pelo quiosque de lanches e ela começou a ficar ainda mais desesperada, e gritava; - Não!... Eu vou, eu vou!

- Por favor, se acalme Margot!... Isto é um erro, não tinha que ter obedecido...!

Perto da represa, num impulso ela abriu a porta do carro em movimento com tanta força que arrebentou o cinto de segurança. Arquimedes segurou-a pelos braços no momento que pisava no freio do carro, fazendo-o sair da estrada e cair na valeta, parando-o abruptamente. Nisto ela se soltou e correu para a margem da represa. Arquimedes ficou uns instantes atordoado, mas se recuperou a tempo de vê-la mergulhando no lago.

- Margot!... Não! – ele correu ao seu encalço e também mergulhou nas águas geladas da represa, que eram turvas, impedindo que se visse muita coisa. Foram momentos de extremo pânico até conseguir enxergar um objeto branco atolado no fundo das águas: era um carro. Depois viu Margot boiando sem se mexer. Ele nadou ao seu encontro, agarrou-a e subiu á superfície e a margem da represa, deitando-a na relva, desacordada. – Não!... Isto não!... - ele começou a tentar reanimá-la com massagens e finalmente com respiração artificial. Numa golfada ela expeliu água enquanto tossia. Aliviado, Arquimedes respirou. – Graças a Deus!

Margot abriu os olhos e falou: - Ela estava lá!... Eu vi,... Agora não está mais! – e adormeceu enquanto ele tentava chamar socorro com seu celular, torcendo que ainda funcionasse.

 

Dias depois Arquimedes explicava á Margot: - Volúpia era nome de guerra da garota de programa, Maria Valéria dos Santos. O homem que estava com ela se chamava Carlos Ramirez, era empresário em São Paulo. Ambos constavam na lista de desaparecidos da polícia, só que ninguém supôs que o doutor Ramirez estivesse junto com a Volúpia. Era casado e muito religioso!

Eles foram á beira do lago da Represa dos Ingleses; ainda se viam vestígios do Mercedes Benz branco resgatado das águas. Arquimedes perguntou: - Por que você quis voltar aqui Margot?

- Para ter certeza que Volúpia não estava mais presa á uma espécie de culpa!

- Por que “culpa”?

- Eu consegui ver o que aconteceu á aquela noite: eles seguiam por esta estrada, e ela começou a lhe fazer carícias,... Aquelas carícias! Ele ficou excitado e começou a acelerar até perder a direção naquela curva. – apontou: - O carro saiu da estrada, capotou e mergulhou no lago. Volúpia foi atirada para fora, na margem. Então, enquanto o carro afundava, Ramirez pediu socorro porque estava preso ao cinto,... Ela mergulhou no lago para socorrê-lo, mas o carro afundou tombando de lado e a arrastou para o fundo. Os dois morreram afogados! – abanou a cabeça. – Ele era um estranho e Volúpia tentou salvá-lo quando poderia simplesmente ter ido embora.

- E,... O espírito dele também estava preso aqui?

- Não! – deu de ombros: - Acho que uns percebem logo que morreram e se vão mais rápido!

Ficaram uns instantes olhando a placidez do lago quando Arquimedes falou: - Eu fiquei com tanto medo de,... De ter perder Margot.

Ela olhou-o: - Porque “perder”?

- Ora,... Porque você é minha amiga e,... E eu,...

- Fale?

- Eu gosto muito de você Margot!... De um jeito,... Intenso!

Ela ficou adiante: - Eu também gosto muito de você Arquimedes. Também de um jeito muito intenso!

Foram aproximando os rostos, tocando as pontas dos narizes, seus lábios, até chegarem ao longo beijo.

 

Horas depois estavam na cama, no quarto da casa de Arquimedes na represa. A cama estava de lençol estendido, mas amarrotado após o sexo pontuado preliminares, onde mãos dedos e línguas buscavam erotismos em cada dobra dos seus corpos, e em cada orifício. Foi mais que uma penetração. Foi uma fusão!

Agora, lado a lado abraçados e fatigados, mas contentes, eles se olhavam como se descobrissem noutra dimensão.

- E agora? – perguntou Arquimedes.

- Agora o quê? – perguntou Margot brincando com os pelos do seu peito.

- É que,... Temos algo novo aqui, não é?

- Sim! – ela acariciou seu rosto: - Viramos namorados?

- Acho que sim! – segurou seu rosto e se beijaram. Então ele falou: - Posso perguntar uma coisa sobre seu guia: a Silvia?

- Claro, pergunte!

- Você acha que ela poderia fazer contato no autofalante do rádio de um carro?

- Héim?...

 

Na semana seguinte, Arquimedes e Margot seguiam pelo Campus da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela olhava em torno certificando-se do local exato, que felizmente continuava como á vinte anos. – Foi aqui que aconteceu! – ela se virou á Arquimedes: - Não sei se vai acontecer de novo; mas se eu começar a chorar como uma criança perdida, você sabe o que deve fazer?

- Sim! Devo perguntar: “onde você está?”...

 

 

FIM

 

Nota do autor: A médium Margot e o detetive Arquimedes são personagens em outros contos de sobrenatural neste blogue: “Um pedido de Ajuda” foi o primeiro, que também saiu na antologia Halloween, um conto Fantástico pela editora Paratexto em 2019. Depois vieram, “Você Tem Uma Bola em Casa?”, quando aparece o personagem Arquimedes; “O Resgate de Papai Noel”, (continuação do conto “O Dia Que Papai Noel Caiu da Chaminé”, também no blogue Luz Acendida); “A Hora da Volúpia”; e “O Crime do Viaduto” que fez parte da coletânea Juiz de Fora Ao Luar pela Griphon Edições em 2021.

Margot, Arquimedes e o espírito Sílvia podem aparecer em outros contos. Aguardem!  

Ramón Brandão.

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