sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O FILHO PRÓDIGO (UMA HISTÓRIA EM CINCO CAPÍTULOS).


Primeiro Capítulo: O Retrato na Parede.
Jonathan acordou num sobressalto.
Sentou-se no sofá, esfregou seus olhos e conferiu as horas: 13h35min. A sala estava banhada num reflexo de luz dourada do sol que vazava através da cortina e ele deu um bocejo ao contemplar aquele cenário de sempre: sofá e duas poltronas, mesa de centro com tampo de mármore e um console de madeira preso á parede com um vaso onde nunca faltavam flores, tendo acima um retrato retangular de seu falecido irmão Isaque.
Jornalista e ator, naquela tarde atuaria num curta-metragem chamado “Lendas Urbanas” que seria produzido na própria cidade de Juiz de Fora que narrava algumas historinhas de fantasmas. Ele apanhou o roteiro e novamente leu o resumo da história.
Sempre ás 15:25.
- Em 1978 um motorista de taxi que possuía um automóvel Volkswagen 1600 quatro portas, vermelho, seguia pela Avenida Getúlio Vargas e havia um tumulto próximo a Rua São João. Ele contornou e apanhou dois passageiros: uma mulher e um menino, e os levaria ao Cemitério Municipal. Quando se aproximou do destino ele perguntou sem olhar pra trás: - A senhora quer parar em frente ao portão principal ou próximo ás capelas? - Ninguém respondeu. Ele ia fazer a pergunta de novo olhando no retrovisor, mas não viu a mulher; então virou para olhar, e não estava nem a mulher e nem o menino! Ele parou o carro e não tinha ninguém no banco de trás. Como podia ser? - então resolveu voltar, e quando estava chegando à Avenida Getúlio Vargas, ainda estava o aglomerado de gente na esquina bloqueando o trânsito. Ele resolveu sair do carro e ver o que tinha acontecido. Era um atropelamento e o rabecão estava chegando para recolher os corpos. Quando chegou perto, conseguiu ver as vítimas do atropelamento: a mulher e o menino que tinham entrado no seu taxi e desaparecido minutos antes! Assustado ele voltou ao seu carro e aguardou a liberação do trânsito. No decorrer de todos esses anos, outros motoristas relataram o mesmo episódio: sempre ás 15:25.”
Jonathan faria o papel do motorista. Nada tão difícil para alguém que já havia interpretado até o Romeu da famosa história de Shakespeare, e a produção conseguiu emprestado um automóvel Volkswagen 1600 1971 vermelho, quatro portas, semelhante ao da narrativa, que se encontrava estacionado diante de sua casa.
 Então, Adélia, sua mãe, entrou na sala arrastando seus chinelos. Era uma senhorinha de oitenta e dois anos encurvada pela idade, com cabelos grisalhos presos com grampos. Sempre usava roupas pretas ou em tons escuros com estampados discretos. Um verdadeiro luto. Ela se aproximou do console e tocou as rosas amarelas com chuveirinhos, como que as acariciando. Olhou o retrato de Isaque e disse. - Hoje faz quarenta anos que seu irmão nos deixou. – falou abaixando a cabeça. – Eu mandei rezar missa na Igreja do Rosário em lembrança; vai ser ás seis horas da tarde.
- Eu sei mãe. Todo ano, neste mesmo dia, a senhora manda rezar a missa.
- E farei isto enquanto viver! Nunca vou esquecer aquele dia: eu e seu pai estávamos nesta mesma sala e o telefone tocou,... O mundo desmoronou para nós. Meu Deus, um menino tão alegre e cheio de vida, com apenas dez anos! Seu pai jamais se esqueceu disto até sua morte. - Jonathan não se conteve. - Eu nasci quatro anos depois que Isaque morreu. A senhora e o papai estavam ainda muito abalados, não é?
- Sim, é verdade. Nunca nos conformamos com isto.
- Se foi tão traumático, porque vocês quiseram mais um filho? - ela o olhou. – Que pergunta esquisita. Quisemos outro filho porque esta casa estava vazia demais. Um vazio tão insuportável que sequer sentíamos ser uma família.
- E eu preenchi o vazio que Isaque deixou? - Adélia abanou a cabeça e disse. – O vazio do seu irmão nunca foi e nem será preenchido!
- Puxa,... Eu fui tão decepcionante assim?
- Não seja leviano Joni! – era um apelido carinhoso. - Não é tão simples como preencher lacunas com um lápis de cor. O vazio de seu irmão pertence e sempre pertencerá á ele!
- O que eu preenchi então?
- Você é meu segundo filho, querido e amado! Este é o seu espaço. - ele hesitou, mas prosseguiu. – Eu sei que a senhora e o papai tinham problemas para conceber filhos, e que para Isaque e eu nascêssemos foi difícil. E também sei que por causa disto a senhora e papai desejavam apenas um filho único. Então, se Isaque não tivesse morrido, eu não existiria, não é? – ela fez um gesto com as mãos, como numa prece: - Você tem ideia da estupidez desta pergunta Joni? – ele disparou: - E a senhora tem ideia do quanto me incomoda todo este cerimonial nesta mesma data ano após ano, e o luto que impera nesta casa desde que eu me entendo por gente? Isto me faz entender que eu nunca preenchi nada. Nunca estive à altura das expectativas de ser um segundo Isaque.
- Nós não queríamos um segundo Isaque porque ele foi único, assim como você é único. Meu Deus, que conversa mais inútil que só consegue me magoar! É este o sentido deste interrogatório? - Jonathan olhou a mãe, levantou-se e a abraçou. – Claro que não! Desculpe mãe, eu não tenho o direito de fazer este tipo de pergunta, logo hoje! – ela saiu do abraço dizendo: - E nem nunca! Este dia e todo o luto que ele suscita me pertence, é só meu! Você não tem filhos e não entende o que significa perder um filho. A ordem da vida não é assim! – então reparou numa caixa de papelão em cima da mesa. - E o quê é isto aqui?
- Ah,... São figurinos e adereços que serão usados na filmagem de hoje á tarde! – ele aproximou e mostrou os itens. – Olhe a camisa que vou usar. É original da época! – era uma camisa marrom com desenhos lembrando “jogo da velha” em verde e com golas enormes. - ela abanou a cabeça. - Que horrível, e vai ficar pequena em você!
- Isto já foi moda mãe, é baby look! A gente pesquisou.
- Foi moda um dia e era horrível do mesmo jeito. Para quê esta marmota?
- Eu vou fazer o papel de um motorista de táxi dos anos setenta.
- Então é por isto que tem um carro velho parado aí na frente da casa?
- Sim mãe. É um Volks quatro portas 1971. - ela espiou de leve pela janela. – É! Mas depois que acabar a filmagem, livre-se dele; eu não gostei de ver este carro parado aí. Traz uma coisa ruim. Você volta á tempo de ir comigo á missa do seu irmão?
- Filmagem é uma coisa meio imprevisível; vou tentar.
- Se não conseguir ligue avisando para eu não ficar esperando á toa! Agora eu vou á cabeleireira para arrumar um pouco o cabelo. Não quero chegar á igreja com esses cabelos desgrenhados como uma bruxa. – falou saindo da sala, deixando-o sozinho. Então ele foi á cozinha tomar uma xícara de café, e depois apanhou a caixa e saiu. Do lado de fora, ele entrou no Volks e ligou seu motor, logo ouvindo o ruído característico dos motores a ar VW, e seguiu.

CONTINUA!