domingo, 31 de maio de 2020

TERRIR - CARTUNS & CIA - ESPECIAL ANIVERSÁRIO DE JUIZ DE FORA.

FOI AQUI QUE TUDO COMEÇOU: A FAZENDA VELHA OU FAZENDA DO JUIZ DE FORA, PORQUE ABRIGAVA OS JUÍZES QUE VINHAM CUIDAR DAS QUESTÕES JURÍDICAS DOS HABITANTES EM TORNO. O CASARÃO DO SÉCULO XVIII FOI DEMOLIDO EM 1946. ANOS DEPOIS SE INSTALOU NO TERRENO A FAMOSA BOATE SAYONARA, QUE DISPENSA APRESENTAÇÕES. 
 AVENIDA GETÚLIO VARGAS, A MAIS POPULAR DA CIDADE EM ALGUM LUGAR DO PASSADO QUANDO O VOLKSWAGEN 1600 ERA SINÔNIMO DE TAXI TENDO AO FUNDO O EDIFÍCIO BRADESCO, TÃO OBLIQUO NA ESQUINA QUE PARECE UM LIVRO EM PÉ.
OS TRANSEUNTES DA GETÚLIO VARGAS SÃO UM CAPÍTULO À PARTE, MAS DESFILAM SEUS ESTILOS SEM MEDO DE SEREM FELIZES.
UMA ANTIGA CERVEJARIA DA CIDADE COM UMA GELADA QUE DEVIA SER DO OUTRO MUNDO! AO FUNDO, O CRUZAMENTO DA AVENIDA SURERUS COM RUA HENRIQUE VAZ, ANTIGA ZONA BOÊMIA (ZONA MESMO!!!!!)
CASARÕES DESCONHECIDOS AINDA RESISTEM, COMO ESTE QUE FAZ PARTE DO CONJUNTO DA ANTIGA TECELAGEM FERREIRA GUIMARÃES ( QUE JÁ SE CHAMOU INDUSTRIAL MINEIRA). TÃO ESCONDIDO QUANTO MISTERIOSO!
 PARQUE DO MUSEU MARIANO PROCÓPIO, INSPIRADOR, CUJA VEGETAÇÃO SE DEBRUÇA NAS MARGENS DO LAGO EM CENAS QUE PODEM TRANSBORDAR SENSUALIDADE.
O PARQUE DO MUSEU PODE REVELAR SURPRESAS. IMAGINE VER UMA DAMA ANTIGA CRUZANDO UMA DE SUAS PONTES? MAS NÃO SE ASSUSTE; DEVE SER MARIA PARDOS NUM PASSEIO.
AVENIDA RIO BRANCO NUMA OUTRA ÉPOCA. O CASARÃO AMARELO À ESQUERDA FOI MORADIA DO POETA BELMIRO BRAGA. HOJE É ESQUINA DA AVENIDA COM A RUA MISTER MOORE. 
O PLANETÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, COM SUAS CÚPULAS OVOIDES LEMBRA UM ESPREMEDOR DE LARANJA. AÍ A PIADA TÁ PRONTA!!!!! 
PRÉDIO DA ANTIGA REITORIA DA UFJF QUE HOJE ABRIGA O MUSEU DE ARTE MODERNA MURILO MENDES COM UM ACERVO QUE TEM ATÉ PICASSO! COISA POUCA NÃO; O POETA TINHA BOM GOSTO!
AQUI A POESIA PODE SER ÁSPERA, CÔMICA OU SUAVE. ESTAMOS NA FEIRA DA AVENIDA BRASIL E SEU MERCADO DE PULGAS (É CAPAZ ATÉ DE TER PULGAS MESMO!) AO FUNDO UM BLOCO DE APARTAMENTOS NO BAIRRO SÃO BERNARDO APELIDADO DE "TELEFONE" PORQUE LEMBRA AQUELE ANTIGO APARELHO RETILÍNEO DE TECLAS.
 A PRAÇA MAIS DEMOCRÁTICA DA CIDADE: A PRAÇA DA ESTAÇÃO COM SEUS PEQUENOS CONFLITOS COTIDIANOS - CUSTAVA A GAROTA LEVAR UM SAQUINHO PRA CATAR O COCÔ DO TOTÓ?
ENFIM, EU TAMBÉM FAÇO PARTE DA HISTÓRIA DESTA CIDADE CHAMADA JUIZ DE FORA, E ESPERO CONTRIBUIR UM POUCO, NEM QUE SEJA NUMA VÍRGULA, NESTA TRAJETÓRIA.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

O JUIZ QUE VEIO DE FORA.


CONTINUA – FINAL.


Hantau se sentou num jirau de bambu, fitou o infinito com seus olhos esverdeados e começou a falar sobre um tempo muito antigo, séculos atrás quando a família Kelkaj Jaroj vivia na região do Ródope, na Bulgária, sendo vassalos de senhores feudais ávidos por impostos para manterem seu esplendor. Ele riu ao fazer um á parte.
- Exatamente como ocorre á estes pobres diabos que hoje vivem na gloriosa Capitania das Minas Geraes á sustentar um falso fausto!
Tossiu um pouco entre risadas e prosseguiu lembrando que era a época das Cruzadas quando cristãos partiram á Terra Santa, no Oriente, em busca das relíquias sagradas relatadas na Bíblia, e os Kelkaj Jaroj seguiram naquele intento. Ocorre que muitos não iam à procura do Santo Graal ou da Arca da Aliança, e sim atrás de qualquer coisa valiosa que pudessem pilhar. Os antepassados de Hantau tiveram informação de que haveria artefatos em ouro e pedrarias numa mesquita nas colinas de Golan num um lugar escondido entre escarpas e guardada por um sheik idoso e alguns discípulos que não tiveram força para defendê-la, sendo todos dizimados. Mesmo ferido, o sheik tentava proteger uma estreita porta de madeira, implorando numa língua que os Kelkaj não compreendiam. Foi inútil, pois eles o mataram e invadiram o recinto! Havia uma espécie de urna tampada e coberta por inúmeros pergaminhos e pedras com inscrições gravadas. Foi tudo atirado ao chão e a tampa da urna prontamente removida para revelar joias, moedas de ouro e uma garrafa de alabastro lacrada. Foi tudo roubado.
No caminho de volta os Kelkaj também foram pilhados, e retornaram á sua terra trazendo apenas moedas que conseguiram esconder e a garrafa de alabastro. Foi inútil porque o ouro foi tomado pelos senhores feudais, permanecendo apenas a garrafa lacrada, mas vazia, como lembrança daquela aventura.
Séculos depois os Kelkaj continuavam vassalos de senhores cada vez mais tiranos. Depois vieram os turcos que dominaram o país e como retaliação pela família ter participado das Cruzadas séculos antes, os Kelkaj foram mortos e o Jovem Hantau, de apenas dezesseis anos, se refugiou no porão da casa, encolhendo-se atrás de uma prateleira balançante que desabou. A garrafa caiu ao chão e rolou aos seus pés enquanto ele rogava pragas e prometia vingança aos senhores feudais e aos turcos com todo ódio do seu coração.
Então aconteceu algo inusitado: o lacre da garrafa se rompeu liberando um perfume forte numa nevoa azulada enquanto ecoou uma voz num dialeto estranho ao qual ele compreendia! - “Ouvi tua súplica por justiça, e estou aqui á tua disposição meu amo e senhor! Teu coração agora serás meu guia, e apenas deverás dizer: aos meus inimigos, á morte, e terás o mundo aos teus pés!”.
Sem qualquer hesitação Hantau respondeu com olhos molhados em lágrimas amargas: - Aos meus inimigos, á morte!
Após aquele dia os acontecimentos se desdobraram com uma celeridade espantosa. O jovem se tornou senhor quase da noite para o dia, passando a ser temido até pelos turcos! Quatro anos depois, casou-se com uma nobre de nome Elena Balgiev mesmo a contragosto do pai, que no ano seguinte, morreu de uma doença misteriosa. Outros membros da corte, seus inimigos, também faleceram doentes ou em suicídios. Hantau estava com trinta e dois anos quando foi denunciado á Inquisição por prática de bruxaria. Contudo, seus acusadores também tiveram morte misteriosa, aparentemente dizimando-se uns aos outros numa discussão. Ele descobriu que quem o denunciou foi sua própria esposa, enciumada pelas muitas amantes que Hantau colecionava. Ela acabou enlouquecendo e se enforcou na capela do castelo.
Neste momento Hantau fitou Bustamante com lágrimas tão amargas como naquele dia, mas carregadas de arrependimento ao dizer: - Nas tradições árabes mais antigas, gênios da garrafa não são nossos vassalos, mas maldições! Concedem-nos o mundo, mas se alimentam do nosso ódio e ambição!... Acabamos tornando-nos escravos de nós mesmos,... Nossos próprios demônios! – todos o temiam, é bem verdade, mas isto se converteu num infortúnio sufocante.
Então Hantau decidiu retornar á Terra Santa em busca de respostas, e após muito procurar por dois longos anos, encontrou um sábio que o ouviu e disse-lhe que para livrá-lo da maldição, teria que persuadir o gênio á voltar á garrafa, prometendo-o á um novo senhor ainda bebê porque a inocência infantil poderia ser ainda mais perversa e livre de escrúpulos do que qualquer mente adulta.  Contudo, isto seria apenas um ardil, porque no ato da promessa ao gênio, o progenitor desta criança deveria apenas simular todo ódio, ambição e desejo de vingança, porém, mantendo dissimulada a nobreza da sua verdadeira intenção.  Hantau poderia ser o progenitor daquela criança, mas conseguiria dissimular com tanta perspicácia?
Assim ele retornou ao Ródope e iniciou a busca por uma mulher que pudesse conceber esta criança. Então descobriu mais uma faceta da sua maldição, pois as mulheres se entregavam a ele sedentas por sexo cada vez mais, e aos primeiros sinais de concepção elas enlouqueciam, adoeciam ou cometiam suicídio. Sua vida naquele lugar se tornava insustentável ano após ano até aparecer uma nobre portuguesa em busca de casamento: Dona Catarina Maria da Gama. Ele imaginou que uma dama da alta nobreza da Península Ibérica, longe do Ródope, poderia ser a solução e partiu para Lisboa onde o desfile de tapetes vermelhos aos seus pés se repetiu. Porém, repetiram-se também os episódios de loucura, mortes e suicídios, inclusive de sua esposa.
Hantau abaixou a cabeça e falou. – O resto, o nobre magistrado já conhece: vim parar na colônia brasileira em busca de abrigo num sítio ainda mais distante do Ródope. Tentei chegar á Vila Rica esperando com isto escapar ao gênio protegido pelo cinturão de fé que a circunda,... – riu irônico ao fitá-lo. – Ingenuidade!... Os santos, anjos, ou que diabo seja que a circundam, certamente enxergaram o demônio que sou! Atentei contra minha vida não sei quantas vezes; mas adagas não penetram meu corpo; venenos apenas me entorpecem; fogo não me queima; ferimentos me atordoam e enfraquecem por algum tempo, mas logo me curo. E então, ó discípulo dos bruxos de Paris: podes me ajudar, ou a pendenga é grande demais para teus poderes de prestidigitador?
Bustamante respondeu: - Veremos! Vou voltar á fazenda. – olhou em volta apertando o nariz: - Limpe isto aqui,... Até porcos vivem com mais asseio! – e saiu.

Passaram-se alguns meses com ele exercendo a função de “juiz de fora” na mais absoluta normalidade e ouvindo os lamentos de Hantau, até que numa tarde chegou uma carruagem á fazenda trazendo uma mulher desacompanhada, o que causou alvoroço entre os habitantes. Bustamante foi recebê-la: era francesa e se chamava Eva Marie Sainte-Pezenne.
Ele lhe falou: - Para todos os efeitos, tu és minha esposa.
- De certa forma, eu serei!  Pelo que disseste na carta, não há como o búlgaro conceber esta criança por conta da maldição que enlouquece as mulheres. Pobre infeliz!  – falou com sotaque francês: - Tu já tens um plano?
 – Sim. Não será fácil! Informaram-me que tu és versada nas artes do ocultismo.
- Digas a palavra certa: sou uma bruxa!
Seguiram á sede da fazenda e naquela mesma noite fizeram sexo com objetivo de conceber. Eva Marie tinha desejo de ser mãe e ficaria com a criança depois, mas ambos tinham consciência do perigo de serem persuadidos pelo gênio e acabarem gerando exatamente o que ele queria: uma criança com mente absolutamente aberta á maldade e ao egoísmo.
Mais três meses até Eva Marie ter a confirmação da gravidez. Era o momento de iniciar o plano!
Hantau deveria evocar o gênio com a oferta da pureza inocente da mente infantil, contudo, concebida por outro homem tão ambicioso e sedento de vingança como ele. Os três partiram para um local no lado oposto do Rio Paraibuna, perto de uma montanha, e encontram uma clareira ideal para o ritual que deveria ser noturno. Hantau e Bustamante e acenderam tochas, e ele perguntou: - É preciso que tu tenhas certeza, porque quando o gênio te abandonar, tu perderás teu fascínio e voltarás a ser um homem comum!
– Eu joguei fora toda a minha vida trás desta quimera maldita. Quero viver o restante dela com alguma dignidade!
Tudo pronto e os três se colocaram em circulo. Hantau fechou os olhos e iniciou uma espécie de oração num dialeto que remetia ao longínquo Oriente Médio. Bustamante buscava por todos os ressentimentos que agregou na vida; insultos, violências, frustrações e rejeições. Mas seria preciso extrema força de caráter para não ceder àqueles sentimentos. Eva Marie faria o mesmo.
Logo um perfume forte tomou conta do ambiente junto a uma névoa azulada. Ouviu-se uma voz naquele dialeto misterioso, porém, compreendido por todos: - “Ouvi tua súplica por justiça, e estou aqui á tua disposição meu amo e senhor! Teu coração agora serás meu guia, e apenas deverás dizer: aos inimigos deste inocente, á morte, e ele terá o mundo aos teus pés!”.
Bustamante e Marie responderam: - Aos inimigos deste inocente, á morte!
Passaram-se alguns momentos angustiantes até Hantau falar. – O gênio quer confirmar se o que dizes é verdadeiro, preparem-te!
Então á névoa surgiu á conformação de uma máscara flutuante que se colocou face á face com Bustamante, que sentiu sua mente sendo vasculhada como uma gaveta. Ele evocou tudo que um dia lhe causou raiva, vergonha e ódio, e subitamente lembrou-se de um episódio esquecido na infância, ainda no colégio interno, quando foi abusado por colegas. – Isto não! – o ódio pareceu tomar conta de seu ser de forma autêntica, e se não o refreasse com as armas da dissimulação, estaria tudo perdido.
O suor lhe escorria quando finalmente tomou o comando da sua própria mente. O olhar perscrutador daqueles olhos invisíveis se foi; o plano deu certo.
Pegue a garrafa Eva Marie! – falou Hantau. Ela o fez e a névoa começou e entrar vagarosamente pelo gargalo da garrafa á luz flamejante das tochas. Era fascinante e assustador!
Ela a tapou e misteriosamente um lacre a selou. Bustamante pôs a mão na testa e falou: - Graças á Deus!... Por um instante, eu pensei que não conseguiríamos.
Emocionado, Hantau disse: – Mal posso crer que estou livre!... Agora sabes o que deves fazer: tu deves colocar esta maldita garrafa numa urna enterrada no solo mais profundo que tu conseguires escavar junto ás moedas de ouro e joias que te dei. Depois cubra tudo com muitos livros, pois apenas a sabedoria ou a justiça têm poder para mantê-lo preso!
Bustamante ergueu as mãos buscando a garrafa, mas Eva Marie se esquivou. – Não!... Fui acusada de bruxaria e prostituição até ser expulsa da minha aldeia, e agora que tenho a chance de fazê-los pagar por esta humilhação á troco de quê devo desistir?
Hantau respondeu: - Olhes para mim!... Trarei para sempre o remorso pelas vidas que ceifei, e são tantas que mal posso contá-las!...  Não amei e nem fui amado. Não tive um só minuto de paz e agora sou só um homem acabado e amargurado. É tarde demais para o amor e a felicidade, e toda a fortuna que amealhei servirá apenas para construir-me um mausoléu digno de um marajá!... Se for isto que tu queres para teu rebento; calo-me agora!
Eva Marie olhou-o, hesitou uns instantes e entregou a garrafa á Bustamante, dizendo: - Toma!... Eu quero ir embora deste fim de mundo o quanto antes!

Dias depois uma carruagem aguardava partida diante da fazenda do Juiz de Fora. Eva Marie já estava dentro
Hantau vinha limpo e de cabelos e barba cortados: - Tu estás vendo o que conquistei? Mesmo sabendo da minha partida, todos se trancaram em suas casas e devem estar a desejar que o diabo me carregue!
- O que tu pretendes fazer agora?
- Vou retornar á minha terra, no Ródope, e baterei ás portas do mosteiro mais austero que encontrar, rogando que me aceitem! Tenho uma fortuna para doar á santa e amada Igreja Católica, e creio ser uma boa chave capaz de abrir muitas portas! – antes de entrar, apertou as mãos de Bustamante: - Foi um prazer conhecê-lo, meritíssimo!... Muito obrigado! – e entrou na carruagem.
Eva Marie chegou á janela e perguntou: - O que fizeste com a garrafa?
Bustamante apenas sorriu ao falar: - Bon voyage, Eva Marie! – e fez um sinal ao cocheiro para que partisse. Depois seguiu ao interior da fazenda para uma audiência.

Luiz de Souza Fortes Bustamante e Sá faleceu em 1741, e acabou sendo reconhecido como o juiz que deu nome ao município mineiro de Juiz de Fora.
Toda referencia oficial á Hantau Kelkaj Jaroj desapareceu na poeira de arquivos roídos por traças e memórias imprecisas em velhos diários e cartas. É mesmo provável que nunca tenha existido de fato!
Quanto á garrafa do gênio, só se pode esperar e torcer que esteja bem enterrada sob o concreto nos alicerces de um arranha-céu, ou debaixo de camadas e camadas de asfalto em algum lugar da cidade.
... Vamos torcer que fique assim para sempre!

Fim

Lembrando que isto é uma licença poética sem qualquer fidelidade histórica!... Ou quase.