Existiram lendas sobre o misterioso juiz
que deu nome ao município de Juiz de Fora - MG. Chegou-se a supor que tal
magistrado nunca teria existido porque nos tempos coloniais, juízes que vinham
cuidar de litígios e demais questões jurídicas eram designados pela Coroa
Portuguesa e tinham obrigatoriamente que vir de fora. Portanto, eram todos
“juízes de fora”.
Contudo, haveria alguns relatos do Padre
André João Antonil, um viajante historiador que percorreu a Zona da Mata
mineira entre 1705 e 1708, que falam de um magistrado que possuiria presença
tal que toda a região que hoje abrange a parte central da cidade, do sopé do
Morro do Imperador ao antigo “Caminho Novo” (estrada aberta para escoar o ouro
de Minas Gerais até o Rio de Janeiro em 1700) ficou conhecida como “Fazenda do
Juiz de Fora”.
Haveria um texto apócrifo datado de
1706, que relata a chegada de uma carruagem trazendo um magistrado á uma
fazenda ás margens do Caminho Novo apenas de passagem, pois seu objetivo seria
chegar á Vila Rica, então capital da “Capitania das Minas Geraes” onde
exerceria um cargo importantíssimo. O referido magistrado seria oriundo de
terras no Leste da Europa e se chamava Hantau Kelkaj Jeroj. Relatos o descrevem
como um homem com alto poder de persuasão; fascinante e arrebatador que chegou
á nobreza portuguesa através do casamento com Dona Catarina Maria da Gama
Mendonça e Silva Costa, mesmo a contragosto do seu pai, Duque da Beira
Alta. Em certo ponto o relato fala:
(...) ”Alguns acreditavam ser aquele
homem um discípulo do maligno, uma vez que todos os seus inimigos tombam
doentes ou se jogam em abismos e rios” (...) “e quantas mulheres não se
entregam á ele para depois caírem num estado de loucura tal que são deixava ás
famílias outra saída senão trancafiá-las em conventos ou sanatórios.” (...)
A saber: seu sogro cometeu suicídio saltando da torre de uma igreja, e sua
esposa foi mandada á um convento na Serra da Estrela após correr nua pelas ruas
de Lisboa proferindo blasfêmias. Na verdade o convento era um sanatório para
nobres dementes onde Dona Catarina também cometeu suicídio se atirando á um
poço! Prossegue o relato: (...) “Diante
disto a Corte decidiu enviá-lo á colônia, no Além Mar, num degredo disfarçado.”.
Porém, ele foi impedido de chegar á Vila
Rica (Ouro Preto) por “forças misteriosas”;
uma espécie de “cinturão de fé”
formado por diversas igrejas administradas por irmandades religiosas o teriam
impedido de chegar á Vila Rica. Há um trecho onde se lê: “A carruagem não pode prosseguir, pois os cavalos se recusaram a andar,
e por mais que tentasse seguir á pé, o próprio magistrado era impedido, caindo
de joelhos sem forças e sem ar. Os escravos que o acompanhavam então decidiram
retornar á fazenda ás margens do rio Paraibuna”.
Nos dias, semanas e meses que se
seguiram, o magistrado teria tentado chegar á Vila Rica diversas vezes,
buscando rotas alternativas. Consta que na última tentativa, passando por um
logradouro de nome Santa Rosa, a carruagem rolou um precipício matando os
escravos que a acompanhavam. Eis o trecho da narrativa: “foi um episódio medonho. Ao galgar a estradinha em aclive, os cavalos
pareciam ter enlouquecido e empinaram sobre as patas traseiras para depois se
projetarem ao abismo levando a carruagem juntamente com outros cavalos
carregados com alforjes. Da comitiva de sete escravos, salvou-se apenas um e o
magistrado. Este escravo o amparou até uma roça, para depois cair morto aos pés
de um cruzeiro. O magistrado retornou á fazenda ás margens do Paraibuna onde se
recuperou dos ferimentos. Quanto aos escravos e animais mortos, foram
enterrados todos juntos em vala coletiva á beira da estrada”. Dizem que o
local é assombrado até hoje!
A notícia deste episódio teria chegado
ao Rio de Janeiro e á Lisboa causando apreensão, pois o magistrado não pôde
assumir seu cargo, e nem o governador geral da colônia e tampouco o rei de
Portugal pareciam dispostos á tê-lo novamente na Corte. Então se decidiu que: (...)
“dada ás peculiaridades desta situação, o
Conselho da Corte deliberou que o magistrado deverá permanecer na roçaria denominada Santo Antonio do Paraibuna
exercendo a função de juiz de fora, porém em caráter permanente”. Assim o logradouro passou a ostentar uma
condição única na Capitania das Minas Geraes, pois possuía um “juiz de fora”
permanente. Isto teria sido encarado pela população das cercanias como uma
distinção e a fazenda passou a ser reconhecida como “Fazenda do Juiz de Fora”.
Tudo parecia ter se resolvido da maneira
satisfatória não fosse á repetição dos episódios ocorridos em Lisboa, com
desafetos do magistrado falecendo subitamente com doenças misteriosas e
suicídios. Escravas e mulheres livres se entregavam á ele: (...) “de uma maneira voluntariosa e indecente”
(...) Como frisa uma carta, para depois enlouquecerem e saltarem nas águas do Rio
Paraibuna. Um trecho dos “Autos de Devassa” do século XVIII fala de um homem
atormentado e recluso na fazenda, aparentemente ocupando o cargo de juiz apenas
pró-forma, porque há relatos de juízes de fora atuando na região. Outro relato
ainda mais inquietante afirma que em 1707, o magistrado teria se evadido, indo
viver numa choupana num lugar conhecido por “Morro da Boiada” há cerca de vinte
léguas da fazenda: um pequeno aglomerado de casas com uma capela onde
permanecia também recluso. Alguns anos depois, possivelmente 1710, o magistrado
retornou á fazenda onde se enclausurou novamente. Nunca mais se ouviu falar no
Morro da Boiada, que se situaria próximo á um marco de sesmaria ao largo do
Caminho Novo, mas não foram encontrados quaisquer vestígios deste marco e nem
da real existência daquele povoado. O que existe é um relato vago nos “Autos”
datado de 1711 sobre uma espécie de suicídio coletivo nas cercanias da “Fazenda
do Juiz de Fora”, mas tudo extremamente impreciso.
Contudo, aquele ano de 1711 marcaria a
chegada de outro magistrado ao logradouro de Santo Antônio do Paraibuna,
enviado pela Coroa portuguesa para atuar no cargo de “juiz de fora”. Ele se
chamava Luiz de Souza Fortes Bustamante e Sá, e se alojou á então “Fazenda do
Juiz de Fora”. Á princípio, nada além de mais um juiz a desempenhar o cargo de
uma maneira, digamos, interina, uma vez que Hantau Kelkaj Jeroj apenas o
ocupava formalmente.
Contudo, Bustamante não chegou ao
logradouro de Santo Antônio do Paraibuna apenas para exercer o cargo, mas para
uma missão especial: resolver de uma vez por todas a questão do juiz recluso,
pois as notícias de suicídios e mortes violentas sem explicação na região do
“juiz de fora” estaria causando embaraços tanto á Corte como ao governo da
capitania.
Haveria uma carta, guardada nos
“Arquivos Ultramarinos” em Lisboa, insinuando que Bustamante seria um estudioso
do ocultismo que chegou a ser acusado de práticas de bruxaria em Portugal pela
Inquisição. Um pequeno anexo rascunhado á lápis num dos documentos dos “Autos
da Devassa”, do mesmo ano de 1711, vai mais longe e o define como (...) “um Mago da Confraria de Paris” (...) sem
especificar o que isto significaria.
É importante frisar que todos estes
relatos não são reconhecidos como testemunho histórico confiável, e sua
autenticidade são totalmente questionados.
Ele chegou á “Fazenda do Juiz de Fora” e
foi imediatamente á procura por Hantau, indo encontrá-lo vivendo em um barracão
de sapê e palha á uma légua da fazenda, guardado por dois cães ferozes.
Bustamante passou pelos animais, que fugiram para a mata ao vê-lo. Era uma
choupana imunda e fétida com restos de comida, dejetos e ratos, e ao ouvir
barulho de gente entrando, Hantau perguntou: - Quem se atreve á entrar?
Bustamante entrou no cubículo sem
janelas que servia de quarto e respondeu ao homem vestido de trapos e tendo
longos cabelos e barba: - Meu nome é Luiz Bustamante e Sá.
- Ah sim, fui informado da vinda de mais
um juizinho de fora! Não te falaram que não gosto que me importunem porque sou
o demônio?
- Sim, falaram-me isto. Mas não temo o
demônio dos livros santos, e sim aquele que habita nossa própria existência.
Hantau ficou surpreso: - O que tu queres
dizer com isto?
- Que vim aqui para ajudá-lo a se livrar
do que o atormenta.
Ele riu mostrando seus dentes estragados
por trás da barba ensebada ao responder: - Com os diabos, que espécie de louco
é este que a Coroa enviou agora?... Saia! Vá cuidar das pendengas jurídicas
desses infelizes que vivem aqui e me deixe em paz!
Bustamante chegou perto e o encarou: -
Eu o deixarei em paz assim que terminar minha missão. Não sou apenas um
magistrado enviado á este lugar para cuidar de assuntos jurídicos. – se
aproximou mais, fitando-o com seus olhos castanhos, quase vermelhos: - Sou
discípulo da “Confraria de Paris”. Sabes o que é isto?
Assustado, Hantau se levantou e
respondeu acuado num canto: - Então é isto? – riso: - Mandaram um bruxo para me
matar? – abriu a camisa mostrando o peito: - Então o faça logo, ou desapareça
da minha frente!
- Tu bem sabes que não é desta forma que
te livrarás da maldição que atormenta a tua vida, senhor Hantau.
- Tu é que não tens ideia do tipo de
maldição que estarás enfrentando! Pensas que nunca tentei me livrar deste
fardo, ou mesmo que nunca atentei contra minha vida para assim obter a paz?...
Por favor, meritíssimo juiz Bustamante: pense bem antes de vir oferecer-me
aquilo que não tens!
Ele se afastou e respondeu: - Só saberei
se possuo ou não os atributos para ajudá-lo se me contares a tua história! –
Hantau olhou-o desconfiado quando concluiu: - Vamos; conte-me como isto
começou?
- Então te prepara porque a história é longa!...
CONTINUA
Gostei. Sem temer então o demônio vamos aguardar o resultado.
ResponderExcluirGostei. Sem temer então o demônio vamos aguardar o resultado.
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