sexta-feira, 26 de junho de 2020

... DEBAIXO DA CAMA!


Era uma noite fria de inverno em Juiz de Fora naquela temperatura baixa que dá saudade na memória, mas só até o momento que acontece!
O casal Fernando e Natalie se encolhia na cama, enroscando seus pés gelados sob o edredom buscando se aquecerem quando escutaram a porta do quarto sendo aberta, e uma voz infantil rompeu o silêncio: - Tia!...
Natalie levanta a cabeça e acende o abajur: - Bruno?... O que foi meu bem?
- O bicho papão tá debaixo da cama!
- O quê ele disse? – perguntou Fernando.
Bruno repetiu: - O bicho papão tá debaixo da cama!
Natalie respondeu: - Não tem não, meu bem. Foi só um sonho ruim.
- Mas o bicho papão tá debaixo da cama, tia!
Ela levantou, calçou os chinelos gelados e o conduziu de volta ao quarto dizendo: - Querido; não tem bicho papão nenhum! Vamos deitar que está fazendo muito frio e amanhã cedo tem aula.
Em minutos ela voltou á e se meteu novamente debaixo do edredom: - Foi sonho! – falou antes de se aconchegar ao marido.

Na noite seguinte o frio aumentou e ao edredom acrescentaram uma manta. O casal dormia fazendo conchinha quando a porta do quarto se abriu: - Tia!... O bicho papão tá debaixo da cama!
Natalie acendeu o abajur, esfregou os olhos e falou: - Querido,... Sonhou de novo?
- Não tia,... O bicho papão tá debaixo da cama!
Fernando grunhiu aborrecido enquanto Natalie se levantou, com um pé calçado de meia e o outro com ela já perdida no meio do cobertor, e conduziu Bruno ao quarto com palavras carinhosas: - Então vamos pôr este bicho papão pra correr já, já!
Em minutos voltou para cama e falou ao marido: - Vamos ter paciência, amor!
- Hunhum... – grunhiu novamente.

Na terceira noite o frio conseguia ser ainda mais intenso, aumentando a carga de mantas e cobertores na cama do casal.
No meio da noite, naquele instante que a cama é mais gostosa, a porta do quarto se abriu. – Tia,... O bicho papão tá debaixo da cama!
Ela acendeu o abajur respondeu: - Ah,... Não tá não, querido! A gente não expulsou ele ontem?
- Não tia,... O bicho papão tá debaixo da cama!
Fernando até virou de lado, nervoso por ter descoberto o pé, enquanto Natália se levantava para conduzi-lo novamente ao quarto com seus pés descalços porque não encontrou seus chinelos: - Ah Bruninho!... Que bicho papão insistente héim? Vamos deitar debaixo das cobertas quentinhas que ele vai embora!
Ela voltou ao quarto e se enfiou debaixo dos cobertores, colocando os pés gelados nas canelas de Fernando, que reclamou: - Ai,... Que gelo!
- Desculpe amor!
Ele sentou na cama e falou: - A gente sabe que tem que ajudar,... Mas esse seu sobrinho é um saco, heim?... Que dia ele vai embora?
- Vamos ter paciência meu xuxú; daqui uns dias a mãe dele volta!
- Sua irmã e seu cunhado são uma gracinha!... Viajam pra Europa e largam esse pentelho aqui! – se levantou para ir ao banheiro, coçando a barriga, e voltou logo carangando de frio. – Ele fica lendo bobagens de assombração e depois não dorme e nem deixa os outros dormirem! – se enfiou nos cobertores e Natalie falou: - É só mais uns dias! – beijou-o.
- Tá bem amorzinho! – retribuiu o beijo e virou de lado.

Na quarta noite o frio conseguiu ficar pior, e o casal já apelava para as colchas “madrigal” do enxoval do casamento, quando a porta do quarto se abriu: - Tia!
Ela nem acendeu o abajur e grunhiu: - Ahnnn,... O que foi querido?
 - O bicho papão tá debaixo da cama!
Fernando se irritou e levantou: - Não tem nenhum bicho papão, isso não existe!
- Tem sim, tio!
- Não tem não!... Vamos voltar pra cama! – e conduziu o garoto ao quarto ao lado. Acendeu a luz e levantou o cobertor: - Olhe Bruno! Tem algum bicho papão aí?
Ele respondeu: - Não,... Mas...
- Se abaixe e olhe direito!
Ele abaixou e olhou debaixo da cama.
- E então? Você está vendo algum bicho papão aí em baixo?
-... Não! Mas tem...!
Fernando se abaixou e disse: - Olhe Bruninho: isto é impressão sua! Você está numa casa diferente; numa cama que não é sua, e isto dá um pouquinho de medo. É normal! Mas pode acreditar no tio: não tem bicho papão nenhum! Entendeu?
O garoto concordou com um aceno de cabeça e Fernando falou: - Agora volte para a cama que o frio está de rachar!
Ele obedeceu. Fernando apagou a luz e retornou ao seu quarto encolhendo os braços de frio e resmungando: - Ah,... Se agora ele não der sossego, amanhã vai direto pra casa da avó!
Entrou no quarto e não viu Natalie: - Amor,... Você está no banheiro?
Então ouviu o grito da mulher, e uma mão peluda ensebada o agarrou pelo tornozelo, derrubando-o e arrastando-o para debaixo da cama do casal. Fernando ainda se debateu e gritou, mas foi inútil e seus gritos se juntaram aos de Natalie, seguido de ruídos de dentes triturando ossos, mastigando carne e engolindo. Ao final, apenas um arroto e o silêncio.
No quarto ao lado, Bruno deu de ombros e disse:
- Eu não falei que o bicho papão tava debaixo da cama?
Aconchegou-se aos cobertores, e dormiu.

Fim.