BETA
Final da tarde na Praça da estação. Três figuram cruzavam a calçada: duas moças e um rapaz. Na mesa de um botequim dois homens de meia idade, um careca e um ruivo, observaram o trio. – Olha aquelas figurinhas! – o careca olhou. – Xiiii! É tudo viado!
- Você acha?
- Tá na cara! – e deu um assobio. O rapaz olhou, mas seguiram. - Se fosse meu filho, dava uma coça de manhã, uma de tarde e uma de noite até virar homem!
- Olha ali, olha ali aquele! – o ruivo apontou um garoto bem gordinho que passava comendo pipoca com a barriga empurrando o cós da bermuda pra baixo mostrando o umbigo: - E aí brother? Tá de quantos meses?
Ele respondeu: - Vai tomar no cu seu babaca!
- Abusado héim? – os dois riram e esvaziaram mais uma garrafa de cerveja, que se juntou ás outras seis vazias na mesa ao lado da travessa com restos de torresmo. – Traz mais uma aí, e outro tira gosto desses!
O careca olhava o trio de longe quando notou uma garota magrinha com um cachorrinho: - Olha aquela ali! – riso: - Se ficar de frente parece que tá de lado, e se ficar de lado parece que foi embora!
O ruivo completou: - Ih, o cachorro vai cagar! – o bichinho defecou e foi embora junto com a garota. Vinha um senhor de terno e distraído com seu celular: - O cara vai pisar,... Ei!...
- Avisa não! Avisa não, deixa pisar! – o homem pisou nas fezes e parou olhando a sujeira na sola do sapato recém engraxado. Abanou a cabeça e retornou. – Ei amigo; esquenta não! Dizem que dá sorte! – ele olhou de lado e seguiu seu rumo.
O careca seu uma gargalhada antes de mais um generoso gole de cerveja, e falou: - Ei Pierre. Como você recebeu hoje, a conta é tua héim?
- Pô Dejair, alivia aí! Tu é que é o funcionário estadual agora véio!
Ele riu: - A coisa ficou boa pro meu lado. Só maré mansa!
- Hora que tiver outro concurso, me avisa?
- Claro! Estando lá dentro, te dou as coordenadas! – e brindaram. Então o trio voltou a passar na calçada. – Olha a turminha de esquisitos de volta!
- Eu acho que é duas garotas e um rapaz!
- Tu é cego Pierre? Três bibas!
Então o rapaz veio na direção do bar: vestia calça e jaqueta de couro, justos, camisa listrada e tênis vermelho “All Star”, cabelo curto com gel mais óculos escuros em formato triangular. Chegou ao balcão e pediu cigarros: - Por favor, tem Hollywood? – a voz era em falsete.
– Num falei? – piscou Dejair e quando o rapaz ia saindo, ele esticou as pernas, fazendo-o parar.
– O senhor poderia dar licença, por favor?
- Claro querido! – Ele encolheu as pernas e o rapaz passou: - Obrigado! – seguindo ao grupo.
- Esse é homem. – comentou Pierre: - Tem gogó.
- É bicha! – respondeu Dejair pegando a tulipa para mais um gole.
Então uma das moças do trio veio se aproximando com um cigarro apagado nos dedos e parou próxima á mesa. – Oi! Por acaso vocês tem fogo? – era loira de cabelo comprido usando maquiagem carregada, top de malha branca bordada com lantejoulas e calça jeans com strass. Dejair observou-a: difícil definir seu gênero, mas parecia muito jovem. Então provocou: - Você tem idade pra fumar, amorzinho?
- Que caretice! Fumo desde os onze anos.
Pierre perguntou: - É? Quantos aninhos você tem?
- Dezesseis!
- Uau!- exclamou: - Nessa idade minha filha colecionava bonecas!
Ela o encarou: - Eu brinco de bonecas,... Mas prefiro bonecos! E o fogo, vocês tem ou não tem?
Dejair apanhou o isqueiro e falou ao acender seu cigarro: - Temos muito!... E não negamos fogo.
- É mesmo? – deu uma tragada e ao expelir a fumaça desafiou: - Quero pagar pra ver! – os dois se olharam e ela continuou: - Se quiserem brincar de casinha; estamos precisando de bonecos para brincar com nossas bonecas!
Pierre debruçou na mesa e disse: - Espere um pouco: você é o quê? Menino ou menina?
Ela aproximou soprando fumaça no seu rosto: - Ah; sua mãe não te ensinou a diferença?
Dejair aproveitou com sorriso sob o bigode: - Mamãe ensinou; mas estamos querendo conferir a lição antes de ir para a prova! É possível?
Ela riu: - Claro, meu bem. – olhou para o prédio da antiga RFFSA: - Sabe a galeria que tem ali, que dá passagem à prefeitura? Nós iremos na frente e esperamos vocês perto da pequena locomotiva em exposição. Aí mostramos as nossas bonecas pra vocês. E então?
Dejair olhou-a: - Ok, amorzinho! Podem ir; é só o tempo de pagarmos a conta.
Ela fez beicinho de beijo e se juntou ao trio, que atravessou a Avenida Francisco Bernardino, seguindo à passagem.
- Ih Dejair; será que não é roubada?
– Deixa de ser besta Pierre: se for alguma cilada, a gente arrebenta eles na porrada! – respondeu socando sua mão direita na palma da esquerda, mostrando o braço grosso e tatuado.
Os dois atravessaram a avenida e entraram na galeria grafitada e escura a aquela hora.
Quando chegaram ao outro lado, ouviram um “clic” de revólver e uma voz grossa: - Mãos pra cima! – a loura e a outra moça, morena e parecendo clone da cantora Amy Winehouse, os empurraram: - Mão na parede; anda! – tinham mais força física do que parecia: - Abram as pernas! – e começaram a fazer uma revista.
- O que é isto? – falou Dejair espantado: - Tire a mão do meu bolso!
-... Minha carteira! – reclamou Pierre.
- Cala a boca ô vagabundo! – falou “Amy” passando as carteiras ao rapaz da roupa de couro. Nisso, a “loura” tirou a peruca, mostrando seus cabelos curtos e castanhos: - Puta que pariu, isso tá acabando com a minha cabeça! É a ultima vez que uso essa merda.
- O que tá acontecendo?
- Sei lá Pierre!
Colocaram-lhes algemas, e o rapaz da voz grossa ordenou: - Podem se virar, e sem gracinhas!
Os dois se viraram e o trio parecia bem diferente; o da calça de couro estava armado e trazia a jaqueta amarrada na cintura mostrando seu corpo em forma sob a camisa listrada.
– Quem são vocês? – perguntou Pierre.
Ele mostrou uma carteira da polícia: - Sou o detetive Peçanha; esses são os investigadores Escobar. – a “loura”. – e Paulo! – “Amy”. - Somos da Delegacia de Proteção ao Menor, e fazemos parte da Operação “BETA”, de investigação de pedofilia na Praça da Estação e seu em torno. Trabalhamos disfarçados!
- O quê? – falaram os dois em uníssono enquanto Peçanha continuava: - Há vários meses estamos a procura dos agenciadores dos menores que atuam na área, e vocês dois se encaixam no perfil: meia idade; um careca e outro ruivo, que ficam espiando as crianças e jovens para depois aliciá-los.
- Não! – protestou Pierre: - Isso é um engano!
- S... Somos pessoas de bem! – argumentou Dejair.
- Vamos verificar seus nomes no cadastro: - Robespierre de Almeida e Dejair Maria,... Como é? Hasenclever?
- Sim,... É... É alemão!
- Olhaí, Alemão! – Falou Escobar. – Até o apelido bate! São eles, Peçanha!
- Não tenho dúvidas! Vagabundos, sem nenhum respeito. Vimos vocês mexendo com o garoto gordinho: estavam chamando-o para fazer portfólio ou um programa?
- Não!... Só achei engraçada a camisa arrebitada mostrando a barriga!
Paulo abanou a cabeça: - Puta merda; é cada tara pior que a outra!
Escobar falou: - Não conseguimos rede por aqui para checar seus nomes. O delegado ordenou que os dois fossem conduzidos à delegacia! Estou chamando a viatura.
Pierre e Dejair estavam assustados e Peçanha falou: - Se vocês tem curso superior ficarão na carceragem especial.
- Nós... Não... Temos! – falou Dejair tremendo.
- Então vão para o xadrez comum. – falou Peçanha abanando a cabeça: - Os detentos não devem saber que estão lá por pedofilia; senão!...
Paulo mostrou cédulas: - Coloque no B.O. que o senhor Robespierre de Almeida porta a quantia de três mil, duzentos e oitenta Reais em cédulas novas. Dinheiro usado para atrair suas vítimas.
- Não, Não!... É o dinheiro do meu pagamento!
- Hum,... Não estamos vendo carteira de trabalho e nem contra cheque aqui!
- Olhe; doutor Peçanha! – falou Dejair: - Vamos,... Vamos chegar num acordo! Eu tenho mais quinhentos Reais no bolso. Vamos negociar,...
Paulo se aproximou, agarrando-o pelo colarinho: - Eu to ouvindo direito? Esse pilantra safado tá nos propondo propina?
- Não, não! – respondeu Dejair chorando e já se ajoelhando: - Pelo amor de Deus! Não somos bandidos; a gente tava só tomando umas geladas no boteco, aproveitando o happy hour,...
Escobar interrompeu: - Estavam mexendo com as pessoas; nós vimos!
- Sim! – falou Pierre: - A gente tava zoando,... Isso é crime?
- É crime sim! É injúria. – respondeu Peçanha.
Dejair implorou mais uma vez: - Pelo amor de Deus doutor!... – lágrimas lhe corriam a face: - Sou pai de família; estou no serviço público a menos de dois anos, e ainda na probatória!... Se eu for fichado na polícia, serei demitido!...
Pierre perguntou: - Uai? Você não me falou que já estava efetivado?
Ele prosseguiu: - Eu estudei tanto pra passar doutor,... Pelo amor de Deus!
Escobar riu: - Agora todo mundo é bonzinho,... Trabalhador!
Peçanha verificou seu celular: - Consegui rede, mas os nomes deles não apareceram ainda. Está demorando a carregar, mas,... Venham aqui rapazes; vamos conversar. – apontou aos dois: - Nem tentem fugir!
Dejair se levantou e ficou observando-os ao lado de Pierre, que soluçou: - Estamos fudidos!
Minutos depois os três voltaram e Peçanha falou: - Bem; embora se enquadrassem no biótipo dos criminosos procurados, seus nomes não constam nas fichas de bandidos da polícia, o que, em tese, não significa nada, pois podem ser documentos frios ou roubados.
- Não doutor,... Somos nós mesmos, eu juro...
- Ainda não terminei senhor Dejair Maria! Entretanto, o histórico dos bandidos Alemão e Ruivo dão conta de indivíduos violentos que andam armados até os dentes, e vocês não portam armas, além de serem apenas dois palhaços metidos a engraçadinhos! Até porque, os verdadeiros não estariam de calças molhadas agora. Escobar; tire-lhes as algemas. Paulo: devolva-lhes os documentos e carteiras.
Tiraram-lhes as algemas, e ao apanhar de volta suas carteiras, Pierre perguntou: - E o dinheiro?
- O senhor não apresentou qualquer recibo ou documento comprobatório de recebimento lícito; assim, dada a suspeição de ilicitude, deverá ser confiscado. É a lei.
- Mas,... Mas...
- Alguma dúvida ainda senhores?
Dejair respondeu: - Não doutor, nenhuma dúvida! Estamos livres, podemos ir?
- Sim! – respondeu Peçanha se aproximando: - Eu não estou plenamente convencido da inocência de vocês dois; portanto tratem de sumir daqui antes que eu me arrependa! Mas lembrem-se que estamos de olho!
- Claro!... Obrigado doutor! – e saiu empurrando Pierre que falava: - Mas é o dinheiro do meu salário,... Minha mulher vai me matar...
- Cala a boca e vaza!... Eu te arranjo outro
dinheiro! – saíram pela galeria quase tropeçando um no outro. Atravessaram a
Avenida Francisco Bernardino correndo e seguiram pela Rua Marechal Deodoro.
Na galeria: ... - Faz aquela voz grossa de novo Pê?
- Sou o detetive Peçanha; esses são os investigadores Escobar e Paulo! Somos da Delegacia de Proteção ao Menor!
Os três riram, e a “loura” perguntou: - A onde você arranjou esta voz grossa?
Vestindo a jaqueta de couro: - De vez em quando a gente precisa falar grosso! – novamente em falsete. – São dois bobocas que nem reconhecem um revolver de brinquedo!
- E essa carteira da polícia?
- Comprei no camelô, né?
- Mas que dois vacilões horrorosos e cagões! – falou “Amy”. – Tomara que tenham aprendido a lição!
A “loura” respondeu: - Talvez aprendam! – contando o dinheiro: - Um prejuízo no bolso pode ser um bom lembrete! – riso: - ainda bem que trouxe minhas algemas!
- Não gostei disto! – retrucou “Amy”: - Não somos ladrões; queríamos apenas dar-lhes um susto!
- Oh Deus, o pior é que você tem razão!
O que vamos fazer com esse dinheiro; devolver? - perguntou a "loura".
- Hum,... Não dá pra fazer isto. Mas, olhem: a nossa amiga Betânia tá na maior deprê depois que o marido foi embora. Amanhã é o níver dela; vamos lhe fazer uma festa surpresa com muitos presentes, que tal?
- Que ideia maravilhosa Pê! – falou colocando a peruca. – BETA,... Betânia! Arrasou!
- Posso te falar uma coisa? Sem a peruca você fica muito mais sexy!
- Você acha? – tirou-a. – Então faz a voz grossa de novo?
- Fazemos parte da Operação “BETA” na Praça da Estação e seu em torno. Trabalhamos disfarçados!
Depois os três saíram ás gargalhadas.
FIM
Que maldade com os dois rapazes
ResponderExcluirBem contada e engraçada. Parabéns!
ResponderExcluirNão importa onde,quem, quando ou porquê o respeito sempre é o melhor caminho. Ainda mais porque você pode ser surpreendido e porque não respeitar as diferenças. Como dizia o meu pai "respeito é bom e eu gosto".
ResponderExcluirUma lição e tanto. Muito bem!
ResponderExcluirObrigado
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