Agamêmnon – PARTE FINAL.
A tarde caía em Juiz de Fora e o roubo na estação ferroviária era notícia nas rádios e no Diário da Tarde, disputado nas bancas de jornal quase no tapa.
Mathias examinava o relatório preliminar da necropsia do cadáver de Orestes: “causa da morte – disparo de arma de fogo calibre 22 á altura da escápula direita, ou seja, tiro pelas costas que perfurou pulmão e fígado existindo também ferimento na cabeça causado por cacos de vidro. Como o cadáver apresentava rigor mortis, a hora da morte foi estimada entre 20hs de domingo e 02hs da madrugada de segunda feira”. – Então não teria como ele estar na estação na hora do roubo!... Ora vejam, o senhor Jorge e a senhorita Cleide mentiram na cara de pau! – olhou seus depoimentos e se deteve no sobrenome do chefe da estação: - Jorge Peerz. Isto é nome alemão. Peerz? Espere!... Será que...?
Então Josélio entrou no gabinete: - Doutor; fui ao bairro São Pedro e descobri quem é o primo do senhor Orestes. O doutor não vai acreditar!
- Por acaso é o senhor Jorge Peerz, chefe da estação?
- Sim?... Como adivinhou?
- Não adivinhei; apenas prestei atenção ao seu sobrenome que poderia facilmente virar Pepê! Descobriu algo mais?
- Sim, coisa quente; a família Peerz brigou na justiça com o senhor Orestes por causa da posse de imóveis que não era só aquela casinha mixuruca do bairro Borboleta, mas também uma fazenda pros lados da cidade de São João Nepomuceno que pertencia á um tio solteirão dos irmãos Peerz, que se achavam herdeiros de tudo depois que o tio rico abotoou o paletó. Mas então apareceu o primo pobre Orestes, ex-presidiário, se dizendo filho do falecido, inclusive reconhecido em cartório! – Josélio mostrava cópias de processos e certidões. - É claro que os Peerz não aceitaram e partiram para a contestação na justiça, mas perderam até no recurso!
- Ora vejam! Então o senhor Orestes era rico?
- Que nada doutor; perdeu tudo e só salvou a casinha! – riso: - O pessoal do São Pedro contou que os irmãos Peerz juraram vingança!
- Será que cumpriram? – questionou o investigador.
- Talvez; eles têm fama de serem meio esquentadinhos. Eu examinei no departamento de trânsito, e o senhor Jorge possui um automóvel marca Simca Chambord 1964, verde e branco. É um carro grande do jeito que a senhorita Eva viu parado na frente da casa de Orestes!
– O senhor Pepê e a dona Cleide afirmaram em depoimento que viram Orestes na estação hoje de manhã! – levantou-se da cadeira: - Chame uma patrulha: vamos conferir até que ponto foi essa jura de vingança!
Chegaram á Praça da Estação e Mathias ordenou que os policiais da patrulha ficassem atentos enquanto entravam na gare. Havia um trem de passageiros aguardando embarque e desembarque; mas os funcionários pareciam um tanto desorientados porque Jorge e Cleide sumiram assim que souberam do encontro do corpo de Orestes. Um funcionário falou: - Os dois saíram correndo quando ouviram a noticia! – apontou ao escritório: - A dona Cleide até esqueceu a bolsa dela na cadeira!
- Quando eles saíram?
- Faz uns vinte minutos! – respondeu outro funcionário. – Entraram no carro do senhor Jorge a saíram á toda!
Mathias correu ao seu carro e pelo rádio ordenou que ficassem atentos ao auto Simca Chambord verde placa de Juiz de Fora 63-79-28; se o encontrassem deviam detê-lo imediatamente. – e depois de acionar outra patrulha para as casas de Jorge e seus irmãos, ele falou: - Era mesmo de se estranhar a desatenção do senhor Jorge á segurança do malote num cofre velho com apenas um guarda! – o trem na gare apitou indicando a saída enquanto Mathias apanhou a bolsa de Cleide, que continha estojo de pó de arroz, batom, escova de cabelo, chaves, carteira de identidade e o boletim escolar de um menino chamado Antonio. – É seu filho! – e mandou Josélio telefonar ao colégio enquanto mexia mais na bolsa sentindo cheiro de rapé no seu interior. – A safada plantou aquela bocetinha de rapé na porta para parecer que Orestes a tinha perdido na fuga. Está na cara que estava tudo planejado!
Josélio retornou: - A direção do colégio disse que dona Cleide apanhou o filho antes do fim da aula há dez minutos, e estava muito nervosa!
- Estão em fuga, e uma criança no meio desta confusão complica as coisas. – correram ao carro de Mathias, passando a recomendação de evitar armas de fogo porque poderia haver um menino no carro. Depois recostou no bando do Aero Willys divagando: - Jorge e Cleide simularam a presença de Orestes na estação para acobertar a real autoria do roubo do malote: eles mesmos! Ah,... Aquele discurso em defesa do patrimônio da Central do Brasil era mais falso do que nota de três cruzeiros!
- A senhorita Eva afirmou que viu o carro do senhor Jorge á porta da casa de Orestes ás 19hs, e quando retornou ás 22hs o carro não estava mais lá, e nem o Fusca do falecido. – observou Josélio.
- Hum,... O legista supõe que o homicídio tenha ocorrido entre 20hs e 02hs da madrugada. Então os Peerz podem ter retornado á casa de Orestes após as 22hs e o mataram depois da meia noite. – colocou a mão no queixo: - Teriam ido a onde neste entremeio?
- E se o senhor Jorge veio á estação apanhar o malote na madrugada de segunda feira quando não tivesse ninguém por aqui?
- Bem; é evidente que O senhor Jorge teria acesso ao cofre, e poderia facilmente retirar o malote á qualquer hora da noite para depois retornar á casa de Orestes e eliminá-lo. E ainda plantariam pistas falsas, como o Fusca abandonado á saída da cidade para assim terem um culpado! ... Não sei; mas há algo que não fecha!
- Está achando meio mirabolante doutor?
- Sim! Veja bem: eles foram á casa de Orestes ás 19hs, quando o próprio mandou á senhorita Eva embora. Depois ela retornou ás 22hs e não encontrou ninguém. Ele pode ter sido morto por volta da meia noite; então, supondo que os Peerz voltaram apenas para eliminá-lo, qual a razão deste vai e volta? Por que não o mataram de uma vez antes? - abanou a cabeça: - Há muitos pedaços desta história que ainda não conhecemos!
Então o rádio chamou informando um acidente no cruzamento da ferrovia com a Estrada União Indústria próximo á Usina de Marmelos, e era o Simca Chambord do senhor Jorge. Havia uma vítima fatal.
- Estamos indo pra lá! – desligou o radio e falou: - Vamos começar a encontrar os pedaços que faltam!
Em pouco mais de quinze minutos Mathias e Josélio chegavam ao cruzamento da ferrovia com a Estrada União Indústria, e havia uma fila de veículos impedidos de seguir viagem. O trem estava parado com passageiros espiando pelas janelas, e o investigador o reconheceu como sendo aquele que viu antes na gare da estação de Juiz de Fora. Eles saíram do carro e já havia uma patrulha com guardas tentando isolar o local onde a locomotiva colheu o automóvel que tentou passar o sinal fechado e foi arrastado pelos trilhos por mais de cem metros até conseguir parar. Os policiais disseram que receberam a informação do carro fugitivo no mesmo instante que o avistaram em alta velocidade passando pelo posto policial do bairro Vila Ideal, próximo ao curtume Krambeck, e saíram em perseguição. Então o motorista do Simca acelerou mais ainda e tentou cruzar os trilhos, arrebentando a cancela, mas o trem os pegou em cheio, e agora o automóvel era um destroço quase partido ao meio com um corpo ensanguentado preso ás ferragens e dois feridos que foram atirados para fora do carro: um deles jazia desacordado sobre o saibro á margem dos trilhos enquanto que Jorge caiu sobre arbustos, que amorteceram a queda.
- Havia mais alguém no carro, uma criança e uma mulher?
- Não doutor! – respondeu o policial: - Apenas esses três.
- Encontraram o dinheiro roubado? – perguntou Josélio.
- Negativo! Nós verificamos se algo poderia ter sido atirado para fora do veículo no choque, mas não havia nada e o porta-malas continha apenas o estepe e ferramentas.
- Chamaram a ambulância?
- Sim doutor, e também os bombeiros para retirarem o morto dos destroços.
Mathias assentiu enquanto observava Jorge, desacordado.
Era noite e o investigador aguardava liberação médica para poder conversar com Jorge. Seu irmão que guiava o carro e morreu no acidente se chamava Augusto, enquanto que Lucas, o outro irmão, estava em coma. Cleide foi detida na rodoviária de Juiz de Fora enquanto tentava entrar num ônibus. Seu filho de nove anos ficou aos cuidados da avó.
Josélio chegou e se sentou ao lado de Mathias. – E aí doutor; como está o homem? Muito quebrado?
Dando de ombros: - Até que não. Ele deu muita sorte porque o carro virou molambo! – suspiro: - Estavam fugindo porque descobrimos o corpo de Orestes, com certeza.
- Onde estará o dinheiro do roubo, doutor?
- É exatamente isto que estou aqui esperando para saber! Esse senhor Jorge tem muito á explicar. – riso: - A esposa dele chama Adelaide e esteve aqui mais cedo. Rapaz; tive que dar uma carteirada nela para que não esbofeteasse o marido na cama do hospital, e por pouco ela não voou em mim!
- Descobrir o tamanho do chifre nas páginas do Diário da Noite é meio pesado né doutor? Deu pena ver o menino vendo a mãe sendo presa.
Jorge fez uma expressão de dúvida: - Até onde eu consegui descobrir, o senhor Jorge e a senhorita Cleide tiveram um casinho no passado, e nasceu um filho. – abanou a cabeça: - Coitado desse garoto!
Então veio o médico que liberou a visita, contanto que fosse breve.
Mathias assentiu e entraram no quarto. Jorge tinha hematomas e um curativo na face esquerda. Tinha gesso imobilizando ombro e braço direito, e outro na perna, e como era um homem pequeno, quase sumia na cama enquanto crivava o olhar no investigador e seu assistente.
- Boa noite, senhor Jorge. Como está? – perguntou Mathias.
- Estou bem. – respondeu com voz rouca.
- Esta conversa não é um depoimento oficial e o senhor tem direito de se recusar a responder sem a presença do seu advogado.
- Eu sei,... Ele esteve aqui e me pôs á par. – tomou fôlego: - Doutor; por tudo que há de mais sagrado: eu e meus irmãos não matamos Orestes!
- Bem; já que o senhor parece bem informado das notícias, devo comunicar que há uma testemunha afirmando que viu o seu carro á entrada da casa do senhor Orestes ás 19hs de domingo; e segundo o legista, sua morte ocorreu entre 20hs e 02hs da madrugada! O senhor nega que estiveram na casa dele neste período?
- Sim, eu nego! Ah meu deus,... Eu perdi tudo que conquistei na urgência de tentar resolver as coisas da maneira mais fácil! – fez uma pausa como que tomando fôlego: - Sabe doutor; eu trabalhei honestamente a vida toda; dediquei minha vida á ferrovia e tinha orgulho em saber que fazia parte de algo importante! – abanou a cabeça de leve: - Quer saber o que ganharei com isto? Uma aposentadoria de merda! Esse governo de déspotas que manda no Brasil agora vai acabar com as ferrovias, porque querem abrir estradas; o automóvel agora é o senhor de tudo!... – tossiu de leve.
- Se o senhor não puder falar agora, não precisa se esforçar.
- Não doutor! A verdade é tudo que resta da dignidade que eu mesmo destruí; não me tire isto! – apertou os lábios ao dizer: - Eu repito que não matamos o nosso primo e nem estivemos na casa dele na noite de domingo!
- Mas há uma testemunha que afirmou ter visto seu carro á entrada da casa naquele horário!
- Não pode ter visto porque eu não estava lá! Quem é esta testemunha?
- Não podemos revelar nomes, mas se identificou como noiva dele.
- Noiva... Rhum! Aquele traste só andava com putas!... Seja quem for, está mentindo ou se confundiu. Meu carro não era tão especial; há muitos iguais por aí!
Josélio e Mathias trocaram olhares, e o investigador prosseguiu: -
- Como o senhor Orestes entrou nisto?
- Orestes era ladrão por vocação. Aprendeu cedo a arrombar gavetas e armários, e era bom nisso! Foi trabalhar na cervejaria José Weiss e não demorou muito para roubá-los. – riso entremeado de tosse: - Puxou cinco anos de cadeia e quando saiu conseguiu que nosso tio fazendeiro o reconhecesse como filho legítimo porque no passado ele teve um caso com a cunhada. O safado passou a perna na gente, o doutor já deve saber disso!
- Sim, tivemos conhecimento do processo. Isto seria motivo para uma vingança, não acha?
- Mas não fizemos nada!... Queríamos distância daquele ordinário burro que perdeu tudo na jogatina! Só sobrou aquela casa velha caindo de podre.
- Como ele foi trabalhar ao seu lado na estação?
- Como disse, foi através de um programa da Rede, de reabilitação de ex-presidiários. Orestes era relojoeiro, e precisavam de um para cuidar do relógio da torre!
- O senhor não se opôs?
- Evidente que sim doutor. Então ele ameaçou contar para Adelaide que o Antoninho era meu filho com Cleide!... Minha mulher nunca me perdoaria; então aceitei a chantagem. Ah,... Antes eu tivesse revelado o fato á minha família, porque minha vida no trabalho virou um inferno! Orestes chegava tarde, ás vezes de ressaca, e eu tinha que fazer o serviço de dar corda no maldito relógio e ainda remendar seus mal feitos; sem falar na fedentina de rapé!
- Isto corrobora a suspeita do homicídio. Não concorda senhor Jorge?
Riso. – Pode Corroborar muita coisa doutor, por que na semana passada eu recebi uma notificação que os trens de passageiros seriam extintos nos próximos meses, e eu seria aposentado antes do tempo. O doutor sabe o que isto significa?
- Que o senhor receberia um valor menor na aposentadoria do que seu salário atual. É isto?
- Exatamente doutor Mathias!... Viu o que ganhei de prêmio por ser honesto e dedicado? Então comecei a elaborar um plano para dar o troco nessa maldita RFFSA, mas sem sujar meu nome. Orestes seria o autor do roubo dos malotes! Era ex-presidiário mesmo; todo mundo ia acreditar.
- Mas espere um pouco senhor Jorge. Se ele assumisse a autoria do roubo, poderia ser preso e condenado, ou viver como foragido!
Riso: - E quem disse que ele teria o mínimo conhecimento disto?
- Como assim?
- Ora doutor; porque iríamos apenas usá-lo! Eu sabia que hoje seria depositada uma grande quantia em dinheiro no Banco do Brasil. Então planejei tudo: atrasar o trem para provocar o tumulto; fazer Orestes entrar no escritório e trancar a porta; e depois que a confusão se dissipasse,... – fez uma pausa longa.
Mathias insistiu: - O que aconteceria senhor Jorge?
- Eu,... Eu o levaria até um dos armazéns onde há uma câmara frigorífica, e o mataria.
Mathias e Josélio se surpreenderam. – E o senhor faria isto sozinho? – perguntou o investigador. – Vamos lá; restaure sua dignidade com a verdade; ou isto é balela?
Seus olhos marejaram: - Lucas estaria lá esperando; ele daria o tiro e depois fecharíamos a câmera. Só eu possuo a chave, e voltaríamos esta noite para nos livrarmos do corpo. - abaixou a cabeça.
Mathias se segurou; era preciso calma: - E o que aconteceu de fato esta manhã na estação?
- Na tarde de domingo eu falei a Orestes que chegasse cedo para arrumar os relógios da gare, que estavam atrasando demais, e ele afirmou que chegaria mais cedo. – abanou a cabeça: - Mas ele não chegou! Já eram cinco horas e quinze da manhã, e ele não vinha; então mandei Augusto á casa dele no meu carro para trazê-lo! Arh,... Augusto voltou rápido falando que socou a porta, gritou e ninguém abriu. Meu relógio marcava quinze para seis; então resolvemos levar o plano adiante. Lucas foi ao entroncamento e acionou o mecanismo de desvio do fluxo para parecer que haveria impedimento na linha fazendo o trem de passageiros se atrasar! Eu arranjei um rádio e o coloquei na torre a todo voluma para pensarem que Orestes estava lá.
- Espere! A senhorita Cleide afirmou que ele passou pelo saguão. Ela até falou com ele! – lembrou Josélio.
- Eu pedi a ela que dissesse isto para não prejudicá-lo! Disse que estava de porre na torre. Por favor, tirem ela disso!
- Foi o senhor que a colocou nesta sujeira! – falou Mathias ríspido. – E o que aconteceu depois?
- Augusto entrou pela porta lateral; abriu o cofre com a chave que lhe dei, e correu com o malote embrulhado num pano na direção ao armazém frigorífico e o escondeu! Pretendíamos buscá-lo esta noite quando não houvesse mais ninguém aqui.
- Não se preocuparam com o sumiço de Orestes?
- Sim doutor!... Se ele viesse para cá, desmontaria nossa versão do roubo!
- Então vocês o mataram antes que viesse? Foi isto?
- Não doutor!... Eu já disse que não o matamos!
- Mas planejaram!
- Sim,... Mas não executamos porque não o encontramos!... Eu e Cleide fomos á delegacia prestar nossos depoimentos enquanto Augusto e Lucas foram procurar por Orestes e voltaram sem nenhuma informação até que ouvimos notícia de que encontraram seu corpo escondido num poço, na sua casa. Então nos apavoramos e resolvemos largar o malote em algum lugar nos trilhos para ser propositalmente encontrado,... Pensamos que assim a investigação não prosseguisse.
- E se encontrassem Orestes? O matariam?
- Não doutor,... Isto já não estava nos planos! Fomos buscar o malote e eu percebi que estava sem o lacre e completamente vazio!... Entramos em pânico sem saber o que tinha acontecido e decidimos fugir! – abanou a cabeça de olhos fechados. – Então, naquela maldita cancela baixou e o trem nos atropelou. O trem, doutor! Eu joguei no lixo minha família, minha reputação,... Tudo! Só me resta a verdade agora.
- Então o senhor afirma que não esteve na casa dele ás 19hs de ontem, e nem mais tarde?
- Sim doutor...
- Tem testemunhas?
- Minha mulher e meus filhos.
Josélio perguntou: - O senhor disse que Orestes só andava com putas. Ele não estava noivo?
- Não sei disso, mas tinha uma piranha que andava muito com ele. Não a conheci pessoalmente, sei apenas o nome: Eva.
- Ela era prostituta?
- Dessas de rua doutor! Orestes queria tirar ela da vida... Que palhaço!
- Mais alguma coisa á declarar?
- Não doutor,... Só um detalhe: havia três malotes no escritório; um é o que encontramos vazio e devia haver dois guardados. E havia apenas um.
- O senhor diz que um malote vazio desapareceu?
- Não sei doutor,... Mas não estava no lugar de sempre. – tossiu: - Cleide não sabia de nada. Por favor, não a envolvam nisso! Temos um filho, uma criança que vai sofrer muito se a mãe for presa.
Mathias suspirou e disse: - Senhor Jorge: ela já está envolvida até o pescoço. Plantou uma prova falsa no local do crime; mentiu em depoimento afirmando ter visto Orestes na estação e estava fugindo. Se ficar comprovada sua inocência, sairá livre. Caso contrário, é cana! Mas se me permite um comentário: como policial eu encontro canalhas todos os dias; canalhas de todo tipo e o senhor é o pior deles: o dissimulado com cara de bonzinho!... Tenha uma boa noite! – e saíram do quarto deixando-o com lágrimas nos olhos.
Enquanto seguiam, o investigador concluiu o desabafo: - O filho da puta planejou um roubo, um homicídio e sei lá mais o quê, e ainda vem pedir clemência para sua cúmplice e amante? Faça-me o favor!
- E então a senhorita Eva é prostituta?
- Não me pareceu Josélio,... Mas ela mentiu ao dizer que viu o carro do Jorge á porta da casa do primo, e agora me ocorreu algo: seu noivo morreu assassinado e ela não apareceu mais!
- Hum,... Doutor Mathias; tem uma coisa que antes não me pareceu importante, mas agora diante do que o senhor Jorge falou,...
- O que é Josélio?
- Vamos voltar á Praça da Estação! Mais cedo o gerente do Cine São Luis procurou a delegacia para relatar algo que viu na noite de domingo. Pode ser fundamental!
O gerente se chamava Marcelo e relatou: - Ontem quando terminou a sessão das dez horas, eu e o vigia ficamos um pouco na portaria conversando. Era meia noite e cinco mais ou menos quando vimos pessoas entrando no prédio da Estação. Consegui identificar o Orestes e a Chucrute!
- Quem?
- Chucrute é uma prostituta que fazia ponto na Rua Raul Soares. Isso é nome de guerra é porque ela é alemã! Muito bonita, e andava sempre com Orestes.
- O senhor saberia dizer o nome desta mulher?
- Sim; Eva!
Mathias colocou sua mão no queixo enquanto Josélio falou: - Marcelo, diga ao investigador o que vocês viram!
- Bem: Orestes abriu a porta e entraram. Eu e o vigia rimos pensando que iam fazer sexo no prédio da estação; e nem seria a primeira vez! Mas saíram logo carregando uma bolsa laranja; entraram no Fusca de Orestes e foram embora.
- Essa bolsa que carregavam, parecia cheia?
- Sim! Eles tentavam esconder, mas nós vimos!
Mathias apertou os olhos, pensativo e estalou os dedos ao dizer: - Chucrute?... Meu deus, como não percebi?... Oh não! Eu vacilei feio, Josélio!
Na manhã seguinte ouvia-se a chamada de um voo no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro: - Atenção senhores passageiros do voo 665 da Lufthansa rumo á Munique: queiram seguir aos seus lugares e tenham uma boa viagem!
Uma mulher elegante acompanhada de um cavalheiro com curativo na mão se levantaram e seguiram rumo ao Boeing 747 estacionado na pista, e em minutos ocupavam seus lugares no avião: - Eu estou maluca para pisar novamente em solo alemão! Brasil, nunca mais!
- Não seja ingrata com a terrinha! Você se deu bem aqui!
- Eu sei Sérgio, mas á que preço?
- Está arrependida?
- Evidente que não! – suspirou: - Só esperava que fosse de outro jeito! – e olhou a janelinha se lembrando...
... – Agora vamos nos preparar para dar no pé Orestes! – olhou Sérgio: - O carro está pronto?
- Prontíssimo! Vamos deixar o Fusquinha de Orestes na saída de BH com um malote vazio para confundir a policia, e depois fugiremos para o Rio de Janeiro no meu carro!
- E depois, Alemanha!... Nem acredito que vou voltar para casa por cima!
Orestes abanou a cabeça: - Não,... Isto não está certo!
- O quê meu amor?... Planejamos tudo sem deixar furo! Amanhã acharão o malote vazio somente quando encontrarem seu carro! Até descobrirem que você desapareceu e ligarem os fatos, estaremos longe!
- E nunca mais eu vou poder voltar, e ainda ficarei com fama de ladrão novamente!
- Qualé cara? – falou Sergio: - Eu também! Ou acha que ninguém vai se tocar que o guarda do cofre também sumiu?
- Mas eu não quero isto!... Estava novamente sendo acolhido pela minha família,... Meu primo vai levar a culpa!
- E daí? Ele nem gosta de você!
- Eu sei Eva!... Mas eu não quero ficar fugindo feito um rato! Isso é um erro! – apanhou o malote. – Não vamos fazer isto Eva!... Vamos ficar juntos, não precisamos disso, ainda tenho a grana da cervejaria!
- Ora, aquela mixaria não dá nem para um chope na Alemanha! Arre, não tem nada mais patético do que bandido arrependido, não seja trouxa!
- Sou trouxa mesmo e estou cansado de ser o bandido da família!... Vou levar o malote de volta ao cofre; ninguém vai ver a esta hora! – e se virou á porta.
– Idiota, não vai não! – Sérgio tentou segurá-lo, mas foi violentamente esmurrado por Orestes, ficando atordoado enquanto ele aproveitava para correr á porta, Mas Eva sacou uma arma e o alvejou pelas costas. Ele se virou com olhar assustado, cambaleou e caiu batendo a cabeça na porta da cristaleira, quebrando o vidro e se ferindo no rosto...
... Eva abanou a cabeça para dissipar a lembrança e disse: – Eu gostava de Orestes, mas bandido com crise de consciência é mais do que eu consigo tolerar!
- Melhor é que a grana fica toda com a gente! Porque não fugimos ontem mesmo, você se arriscou indo á casa do trouxa!
- Só tinha voo para Munique hoje e eu queria tirar uma dúvida.
- Qual?
- Eu desconfiei que Jorge estivesse planejando alguma coisa também. Começou a tratar Orestes bem, mas o odiava! – riso: - A corja dos irmãos Peerz também ia roubar o malote da grana graúda e a culpa ia cair nas costas de Orestes; você acredita?
Sergio riu: - Eu te cantei essa pedra! Mas chegamos primeiro, é tudo nosso!
- Exatamente meu príncipe. – beijou-o. – Mas não se acostume no bem bom! Um pão como você vai fazer sucesso em Munique. – beijou-o. – Agora serei eu á viver ás suas custas, mein kleine schatz! - então viu o comissário de bordo: - Hei, por favor! Vocês têm uísque?
Ele se virou: era Mathias: - Não! Só temos café, chá e cadeia!
- Ah...! – exclamou surpresa.
- Vocês estão presos!
Sergio tentou sacar uma arma, mas Josélio e Ramón estavam nas poltronas á frente e atrás lhe apontando pistolas: - Não tente nada amigo! Mãos para alto aonde possamos ver! – ele obedeceu e gritou: - Foi ela que planejou tudo,... Eu não sei de nada!
Mathias falou: - Pilantra e traidor! – olhou Eva. – Então a senhorita Eva Schultz, conhecida na zona como Chucrute, estava em fuga?
Ela riu: - Ninguém conseguia pronunciar meu sobrenome!
- Meu deus; eu lhe prendi tantas vezes por vadiagem Chucrute; e não te reconheci na casa do falecido!
- Para o doutor ver a diferença que faz uma boa maquiagem e uma peruca!
- Certamente. Eu imagino que o dinheiro do roubo esteja na bagagem.
- Sim doutor Mathias; no meio da lingerie! É o fim da linha, já sei. Mas, posso fazer uma pergunta?
- Até duas Chucrute.
Ela riu e falou: - Eu vi que vocês encontraram o corpo do Orestes.
- Sim! Na cisterna cheia de água suja, ideal para mascarar o fedor do corpo em decomposição. Muito esperta!
- Então, como descobriram que estava lá?
Mathias sorriu: - Foi pelo rádio! Agora chega de conversa mole: vocês estão presos! Tem uma cela para cada um lá em Juiz de Fora. Vamos! – foram a algemados e o investigador concluiu: - A limusine do camburão está esperando.
FIM
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ResponderExcluirMuito bom, Ramon! Me surpreendeu com os culpados rsrsrs.
ResponderExcluirCulpados nem sempre são óbvios!!!!
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