VIGÁRIO LINEU
Assim estampava a manchete no jornal O Diário da Tarde:
... A polícia vai encerrar o inquérito do assassinato do Agiota Jacob Stein ocorrido á noite de 24 de agosto ultimo. As investigações não deixam dúvidas que o autor do crime foi seu segurança Charles de Sousa Santos cujo corpo foi encontrado enforcado no banheiro de sua moradia á Avenida Getúlio Vargas com evidências de suicídio pelos detetives Agamêmnon Mathias e Josélio Adriani Silva. No local foram encontrado dinheiro e joias totalizando NCr$72.310,00 cruzeiros novos, além da arma utilizada no homicídio, um revólver calibre 32 que exames de balística comprovaram ser a arma do crime. Encontraram também vestígios de pólvora na mão direita de Charles, além de whisky e amitriptilina, um medicamento que misturado ao álcool, pode levar ao suicídio”.
- Viu a notícia no jornal da tarde? – perguntou o delegado Clóvis.
Mathias respondeu: - Sim. As evidências apontam Charles como o autor do crime.
- Então porque esta cara de bunda desde decidi encerrar o inquérito? Eu te conheço a tempo demais para perceber que não está satisfeito! – Clóvis largou o jornal na mesa e perguntou: - Você acha que não foi ele?
- Absolutamente! Eu não tenho dúvidas que Charles apertou o gatilho. Sua mão tinha resquícios de pólvora; a arma pertencia á ele, que também tinha acesso ao escritório do senhor Jacob, podendo assim atirar pelas costas! Charles também tinha acesso á chave do cofre e aos lugares onde haveria valores guardados. Foi fácil roubá-lo e se evadir do local àquela hora da noite, quando a Avenida Sete de Setembro estaria vazia sem testemunhas, foi perfeito!
Ocorreu pequena pausa, e Clóvis inquiriu: - Vamos, desembuche o resto!
- Só que parece mais lógico que Charles entrasse no seu Fusca zero quilômetro e saísse rápido da cidade e até do estado. Quando encontrassem o corpo, ele já estaria bem longe! Mas em vez disto o rapaz foi para o quartinho naquela espelunca, espalhou o dinheiro, as joias e a arma na cama, amarrou uma corda na janela do banheiro e se matou! – deu de ombros. – Simples assim?
- Arre! Tá legal; já sei aonde quer chegar Mathias: Haveria um mandante para o crime, que depois induziu Charles á se enforcar. É isto?
- Sim, é isto que eu penso! Este suicídio foi na verdade uma queima de arquivo!
- Pelo amor de deus! Você viu o exame no corpo de Charles mostrando que ele fez uso de cloridrato de amitriptilina e uísque!
Querer entender a cuca desses aloprados é querer entender o que não tem lógica!
- Sei disto Clóvis; mas mesmo no meio do caos, tem haver algum sentido para as ações das pessoas!
- Ih, lá vem o detetive filósofo! – abanou a cabeça: - Charles possuía o motivo: o carro que ganhou de presente do patrão, que queria tomá-lo de volta. Aí você soma isto ao fato dele misturar comprimido com bebida para ficar doidão que tudo passa á fazer sentido! Concorda comigo? – aproximou-se de Mathias. – Agora, imagine a quantidade de gente nesta cidade que devia dinheiro ao agiota? Não deve faltar gente pulando de alegria por ter se livrado da enrascada ao ver o judeu rumo ao país dos pés juntos; e se fôssemos prender todos os suspeitos, acho que nem a plateia do Cinema Excelsior daria conta da multidão!
- O doutor então está me mandando largar isto pra lá e me juntar ao coro dos contentes?
- Não, doutor Mathias; estou dizendo para me trazer alguma coisa consistente e cheinha de lógica, que a gente continua as investigações. Caso contrário, enfie a viola no saco! – abriu os braços: - Você sabe que é assim que funciona.
Mathias concordou sem convicção, e saiu da sala do delegado.
No seu gabinete, Josélio o aguardava com o jornal nas mãos, e disse: - Viu a reportagem? Elogiaram a rapidez que resolvemos o caso e até citam nossos nomes!
Ele sentou na sua cadeira e respondeu: - Elogiaram o quê? – deu de ombros: - Não fizemos nada! Só achamos o corpo daquele infeliz cercado de evidências da sua autoria no crime.
Josélio piscou o olho ao responder: - Tá na cara que teve um mandante, né?
Mathias riu irônico: - Sim; talvez centenas de mandantes! Mas nem tenho por onde investigar; a história fecha redondinha! – abanou a cabeça: - Só não dançam em cima do cadáver do agiota porque ele está mofando no necrotério há quase uma semana; e sem parentes, ainda será sepultado como indigente!
- Não vai não, doutor Mathias! – respondeu Josélio: - O sepultamento será esta tarde; veja a nota de falecimento no jornal: - “A empresa funerária Candelária comunica o sepultamento de Jacob Stein ás dezesseis horas no Cemitério Municipal de Juiz de Fora”. – Meio lacônico, né?
- Uai? Quem providenciou?
- Isto eu posso descobrir doutor!
- Faça isto Josélio! – levantou da cadeira e seguiu á porta: - Vou ver esse enterro de perto! Quem sabe o defunto me conta alguma novidade?
Josélio fez sinal da cruz: - Deus me livre! – e riu.
Ao chegar ao cemitério, Mathias não demorou a encontrar o pequeno cortejo composto por dois homens, uma mulher e Miss Michael. Nada demais encontrá-lo numa ultima homenagem ao seu amigo, mas quem seriam os homens trajando roupas escuras e a mulher usando chapéu?
Mathias se colocou atrás de uma arvore e observou a melancolia daquele féretro tão escasso de pessoas. Miss Michael estava de óculos escuros e vestido negro. Logo pararam diante um túmulo recém-construído. Os coveiros desceram o caixão, o cobriram de cal e taparam com uma laje. Miss Michael depositou uma ramada de rosas sobre o túmulo enquanto os homens e a mulher permaneciam impassíveis. Depois o quarteto se retirou. Mathias os olhava de longe enquanto entravam num Ford Corcel, tendo Miss Michael ao volante. Então Mathias correu até seu Aero-Willys para tentar segui-los. Sua intuição dizia que descobria algo!
O Ford seguiu pela Rua Espírito Santo, atravessou a ponte Carlos Otto até a Avenida Sete de Setembro, indo estacionar diante á casa da Senhora Hebe. De longe Mathias observava Miss Michael, os homens e a mulher de chapéu saindo do carro: despediram-se, Michael tornou á entrar no Ford e partiu enquanto os homens e a mulher entraram no casarão da senhora Hebe. Depois não houve mais movimentação.
– Quem serão estas pessoas? – se perguntava Mathias. – Eles estarão hospedados no casarão da senhora Hebe? Humm,... Já sei a onde eu posso conferir isto! – e seguiu á Rua Henrique Vaz na zona boêmia á margem esquerda do Rio Paraibuna, aonde chegou devagar com seu carro á procura de uma mulher, que o viu aproximar e colocou as mãos na cintura ao dizer: - Ora, quem é vivo sempre aparece. Eu estou limpa, pode me revistar detetive!
Mathias saiu do carro e falou: - Eu vim apenas saber umas coisas; aquele dia em que prenderam você por vadiagem, disse que tinha residência fixa na pensão da dona Hebe na Avenida Sete de Setembro. – ela assentiu com um gesto de cabeça: - Eu gostaria de saber se você teve contato ou viu dois homens e uma mulher que estariam hospedados na pensão agora.
Cortando-o: - Ih, não vou poder ajudar! A velhota botou todo mundo pra fora faz uns quinze dias!
- É verdade? Por que ela fez isto?
- Sei lá! Então ela tem inquilinos novos, né? Mas quando ela estava na miséria a gente servia!
- Por que, “estava na miséria”? Ela não está mais?
- Ah, ela começou a dizer que ia mudar de vida e era pra gente ir procurando outro lugar para morar! - deu de ombros: - Quer saber; foi até bom sair de lá antes de apagarem o judeu. Como somos putas, ia sobrar pra gente, isto sim!
– Hum,... Realmente, isto poderia deixar testemunhas. – refletiu Mathias. Então Daisy enlaçou seu pescoço e disse: - Que tal um programinha agora, héim doutor?
Ele abanou de leve a cabeça e respondeu: - Outro dia Daisy. Hoje não estou legal! – ela deu de ombros sorrindo enquanto via-o entrar no seu carro.
Era noite quando Mathias chegou á delegacia. Josélio o ouvia concluir o relato sobre os acontecimentos: - Foi isto que descobri. – abanou a cabeça: - Parece uma sequência de ações normais, porém revestidas de uma estranheza que ainda me escapa. Faltam-lhes elos com o crime!
Josélio respondeu: - Quem sabe eu não encontrei alguns desses elos? – começou a contar que ao sair para um lanche, e acabou perto da entrada do cortiço onde Charles morava no momento que um policial tentava apartar a briga entre Amália, a síndica, e uma jovem por causa de um aparelho de televisão. A jovem dizia que pertencia ao irmão recentemente falecido e Amália não queria devolver. Porém, quando viu que Josélio iria intervir, a mulher afirmou que estava apenas guardando o aparelho. - É só ver a polícia que aquela lá se borra! Depois a Jovem saiu carregando o aparelho de TV com dificuldade pela rua e eu vi a oportunidade de saber mais, e fui ajudá-la. Seu nome é Ana, era faxineira do senhor Jacob e irmã de Charles!
- Ora, ora, então os dois irmãos trabalhavam para o agiota! Agora me lembro; ela prestou depoimento dizendo que não sabia de nada porque o irmão não vivia com a família. Eram meio brigados!
- Sim doutor, isto é verdade. Mas ela sabia que o corpo do irmão tinha sido achado por nós, e, talvez no desespero de um desabafo, se abriu para mim dizendo que o irmão não prestava; fazia michê era ladrão e traiçoeiro, tanto que tinha encontros com outros homens sem o patrão saber, no cortiço!
- Hum,... O agiota descobriu algum caso dele?
- Não! O senhor Jacob confiava nele. Mas ela contou que uma noite conversava com o irmão na entrada do cortiço quando chegou um homem que chamou Charles e seguiram ao quarto. O rapaz colocou a irmã para fora quase no arranco e falou que “ele era de quem pagava mais!”. – riso irônico. – Traiçoeiro é pouco, héim doutor?
Mathias esfregava a mãos de ansiedade quando perguntou: - O que mais Ana contou?
- Ela disse que o homem falava igual português! Então, doutor Mathias; sabia que o dono do cortiço é português?
- Sim, é o senhor José Cintra, que também foi agiota no passado, e parou quando Jacob monopolizou o negócio da agiotagem na cidade. Inclusive, Jacob e Cintra são os donos daquele cortiço. Então um crime por desavenças nos negócios ou vingança faz todo sentido!
- Será que já daria para continuar as investigações? Com um pouco de jeito, podemos convencer Ana a depor!
- Não. Eu conheço o Clóvis; ele vai achar pouco o depoimento de uma faxineira que tem passagens na polícia por roubos nas casas que trabalhou. – pôs a mão no queixo. – Precisamos de mais! – olhou a porta: - Acho que dona Amália deve saber de alguma coisa. Vamos ao cortiço dar uma dura na síndica!
Ao chegarem, conseguiram encontrar Amália que tentou se esquivar das perguntas: - Não sei de nada! Aqui é tanto entra e sai de gente que não dá para vigiar todo mundo!
Mathias a encarou: - Nesta espelunca não cai uma gota d’água no chão sem a senhora saber! Será que o português que foi ao quarto do Charles era o senhor Cintra, dono disto aqui?
- Oh, mas que absurdo. Seu José é um homem digno, e é do interesse dele saber o que aconteceu!
- Ah é, por quê? – perguntou Josélio.
- Porque seu José comprou a parte do prédio que pertencia ao seu Jacob tem mais de quinze dias! - os detetives se entreolharam e ela prosseguiu: - E foi o próprio Jacob que ofereceu o negócio, que já está feito! Se os senhores têm dúvidas, podem procurar o seu José no escritório dele e perguntem direto. – apontou á uma porta ao fim do corredor. - Ele ainda deve estar lá!
- Faremos isto! – respondeu Mathias.
Foi inútil. A história contada por Amália era verdadeira. Realmente Jacob tinha vendido sua parte no cortiço ao José Cintra, que se colocou á disposição para qualquer esclarecimento com um sorriso por trás do bigode.
Ao saírem Josélio comentou: – O agiota vendeu até o apartamento onde morava, e estava vivendo no Hotel São Luis! Parecia mesmo disposto á voltar para Londres, como o farmacêutico havia dito!
– Sim, eles confirmaram isto no hotel. Ah! - suspirou Mathias desanimado: - Quando parece que encontramos uma pista quente, é só fiasco! - olhou o relógio: - Mas não vou desistir! Vamos passar na delegacia e pegar o endereço de Ana na Vila Ideal! Essa garota deve saber mais do que nos contou!
- Vamos agora, doutor?
- Sim, é tudo que temos! Amanhã eu não quero chegar ao delegado Clóvis de mãos vazias!
Porém, a manhã seguinte na delegacia encontrou Mathias constrangido se explicando ao delegado Clóvis, que apenas o ouvia:
-... Então, foi isto que aconteceu. Ao chegarmos ontem á casa onde Ana vivia com a mãe na Vila Ideal, ambas haviam se evadido. Os vizinhos não souberam informar para onde foram.
Josélio completou: - Elas podem ter recebido ameaças, ou ficaram com receio da policia, já que Ana é fichada!
Mathias prosseguiu: - Olhe Clóvis; Nunca fui de desistir de uma investigação quando sinto que há coisas que não fecham, só que neste caso, talvez eu esteja confundindo determinação com teimosia.
- Não doutor! – interrompeu Josélio. – Tem muita coisa mal explicada...!
- Por favor, deixe-me terminar! – respirou como que recobrando o fôlego: - Realmente esta investigação deixou lacunas sem respostas, mas,... – deu de ombros. – Mas não há duvidas que o autor do crime fosse Charles; um assassino covarde que não deu chance á qualquer reação do seu benfeitor, matando-o pelas costas! Assim, não tenho argumentos para justificar a continuidade dessa investigação. Só encontro becos sem saída que, a bem da verdade, devem ser apenas isto: pontas cegas de um labirinto!
Josélio olhava-o com certa perplexidade enquanto Clóvis falou:
- Olhe: Eu não disse aquilo para desanimá-lo, longe de mim, e também acho que esse Charles não agiu sozinho. Certamente teve algum mandante. Mas, porra; quanta gente não ia querer ver o agiota que tá te cobrando plantado no cemitério? Deixa eu te falar uma coisa: ontem á noite, o advogado do português dono do cortiço me ligou porque tu foi importunar o cliente dele! – riso: - Disse que o portuga não queria “nódoas que maculassem seu caráter, pois era um cidadão honrado!”, desse jeito! – aproximou-se. – Estão entendendo com o quê estamos lidando? Máfias que se acobertam e são maiores do que a gente na atual conjuntura! – deu de ombros: - Daqui a pouco tem a Copa do Mundo no México com o Pelé jogando, e o foco da atenção muda!
- Isto é um absurdo! – reagiu Josélio.
- Mas é assim que funciona, gostemos ou não! – afirmou Mathias: - Já deu para ver que não teremos chance de descobrir nada. Eles se protegem e podem até prejudicarem gente simples como a faxineira, sua família e quem mais abrir o bico!
- Sim, é uma merda! – afirmou Clóvis: - Mas, para não deixar vocês dois sem nada, sabiam que o advogado do portuga é o mesmo do falecido, e querem saber o que ele me disse? Que os devedores do agiota se apressaram no foguetório, porque a lojinha que vende dinheiro á juros vai continuar na praça!
- Como assim Clóvis? – perguntou Mathias.
- O senhor Jacob Stein tem herdeiros que já chegaram a Juiz de Fora e foram direto no escritório do advogado atrás de abertura de inventário e permissão para continuarem os negócios do pai!
- Uai? Mas ele não era homossexual? – inquiriu Josélio.
- Podia ser! – respondeu Clóvis: - Mas teve filhos que agora são adultos: uma mulher chamada Rachel Stein e um homem de nome Ariel Stein, que são poloneses e trouxeram uma penca de documentação comprobatória da filiação!
- Mas o senhor Jacob foi morto há menos de uma semana e os dois já vieram da Europa, rápido assim?
- Na verdade Mathias, eles já estavam em trânsito á caminho do Brasil quando ocorreu o homicídio. Iriam encontrar o pai e depois seguiriam todos para Londres. Os infelizes já chegaram topando com essa notícia! O advogado disse que ficaram muito abalados, mas decidiram prosseguir nos negócios do pai. Depois que voltarem á Europa, deixarão um procurador pra continuar na agiotagem! – abanou a cabeça: - Essa noite já vai ter gente que nem vai dormir!
Josélio comentou: - Miss Michael não mencionou que Jacob tivesse filhos; só um namorado que morreu nos bombardeios em Londres!
- Ele omitiu muita coisa. – falou Mathias. – Vai ver que não sabia disto também!
Então Clóvis falou: - Bem, então vocês estão dispensados porque vou começar a preparar o inquérito para enviar ao ministério público. Nem vai ter á quem punir, porque o assassino se matou! – deu de ombros: - Me avisem qualquer novidade.
Os dois saíram do gabinete em silêncio até Mathias falar: - É angustiante não prosseguir uma investigação por falta de rumo!
- Quer um pouco de rumo doutor? – Josélio buscou uma caderneta no bolso do casaco e falou: - O perito Borges copiou estas anotações de um livro caixa que estava sobre a mesa do agiota na peleria e achou que podia ser útil! – abriu uma página marcada: - Refere á uma transferência bancária pelo Bank of London de oitenta e seis mil Libras em 1939, quando Jacob veio para o Brasil, e há outra transferência no valor de quarenta mil Libras em 1945, todas para uma conta em nome de Jacob Stein, além de conter outros apontamentos de despesas de viagens e compras bastante vultosas! Miss Michael não disse que ele veio quebrado da Europa?
Mathias abanou a cabeça ao responder: - Isto significa que ele fez de conta que era pobre quando veio para o Brasil, e a priori, isto não teria nenhuma relação com este crime. Certo? Mas, e quanto á estes filhos que apareceram mal o defunto esfriou?
- Eu chequei quem pagou o serviço funerário e o túmulo para o agiota: foi Michael Marazzi, ontem! – falou Josélio.
- Novamente eu digo que, a priori, isto quer dizer apenas que ele não queria que seu amigo fosse enterrado como indigente; mas porque o deixou na geladeira do necrotério por quase uma semana? – chegava a arfar: - Segure as pontas para mim. Vou ter uma conversinha com Miss Michael! – e saiu.
Josélio concordou e ao vê-lo sair pensou: - Este é o doutor Mathias que conheço!
Miss Michael possuía um salão de beleza numa galeria da cidade. O detetive parou á entrada e logo foi visto por ele, que deixou a cliente aos cuidados de um ajudante e se aproximou: - Oh, senhor Mathias, que surpresa!
- Vamos até o café na esquina? Quero trocar uma palavrinha com você.
- Não tem receio que o vejam ao meu lado?
- Vou arriscar!
- Hum, pode me aguardar já estou indo.
Mathias o esperava numa mesa mais afastada enquanto tomava um cafezinho, quando o viu entrar trajando calça comprida, camisa social e cabelos presos sob um boné. Estava sem maquiagem, se sentou dizendo: - achei melhor usar um figurino mais discreto.
O detetive meneou de leve a cabeça e falou: - Vou ser direto: hoje eu vi você e os filhos do senhor Jacob no Cemitério Municipal.
- Ah,... Como as notícias correm! Sim. Foi muito triste. Eu tive que dar a notícia da morte do seu pai. Foi horrível!
- Humm, é mesmo? Que engraçado: quando você foi á delegacia pedir pela sua tia Hebe, não me lembro de tê-lo ouvido falar nesses filhos do agiota!
- Bem,... Acontece que Jacob nunca tinha falado neles! Foi uma surpresa para mim quando chegaram á casa da minha tia Hebe.
- Então eles foram direto para lá? Por que não foram procurar o pai na sua casa, na peleria ou no hotel que estava vivendo?
- Foi o próprio Jacob que lhes deu o endereço da titia, e disse-lhes que se hospedassem lá, ao lado da peleria!
- Então a senhora Hebe sabia que receberia os filhos de Jacob como hóspedes?
- Não!... Foi uma surpresa para ela também!
- É? – perguntou Mathias encarando-o: - Então porque sua tia expulsou as prostitutas que alugavam seus quartos quinze dias atrás, ou seja, antes do homicídio? Não estaria esperando novos inquilinos que talvez não apreciassem conviver com meretrizes?
- Ela as expulsou porque estavam levando homens para seus quartos, e isto titia tinha deixado claro que não iria permitir! Ela queria reformar o casarão para transformá-lo numa hospedaria familiar. Bolas, que mal haveria nisto?
- Nenhum mal! – tomou um gole de café e prosseguiu: - Mas, o senhor Jacob não era homossexual? Da onde vieram esses filhos?
- Ah senhor; não é algo incomum tenhamos relacionamentos com mulheres em algum momento. Eu mesmo tive uma namorada quando era rapazinho! Jacob teve um caso com uma polonesa chamada Eva, e deste relacionamento nasceram Ariel e Rachel Stein. Jacob reconheceu os filhos legalmente!
- Porque ele nunca revelou isto á você, Miss Michael?
- Eu não sei responder isto! Há coisas na vida que as pessoas mantêm em sigilo por alguma razão que só elas sabem.
- E a mãe deles, por que não veio?
- Ela morreu na guerra, pouco depois do nascimento de Rachel.
- Entendo. Mas porque seus filhos vieram ao Brasil no momento que Jacob pretendia retornar á Londres?
- Porque Jacob pretendia retornar com eles como uma verdadeira família. Disseram que o relacionamento entre eles não era bom, e tentavam se reconciliar.
- Faz sentido! E quanto ao homem que vi os acompanhando no sepultamento? É parente também?
- Oh não; é apenas um interprete que contrataram para a viagem ao Brasil. Ariel e Rachel não falam português.
- Como ele se chama?
- senhor Miranda!
- Ele é polonês também?
- Não!
- Por acaso, ele é português?
- Não sei,... Pode ser.
- Este senhor Miranda, veio junto com os filhos de Jacob?
- Claro que sim!... Porque esta pergunta?
- Porque tivemos notícias que um português andou visitando Charles no cortiço antes do crime, e possivelmente o tenha influenciado ao latrocínio!
- Oh, mas que absurdo!... – se exaltou: - O fato de ele ser português não quer dizer nada! Esta cidade está cheia de portugueses!
- Não precisa ficar nervoso! É uma pergunta de praxe.
Michel se levantou: - Estou farto dessas insinuações!... Desde que Jacob morreu que estou vivendo á poder de calmantes para não cair na depressão!
- Você usa antidepressivos, como cloridrato de amitriptilina?
- Chega! Já não têm o criminoso; um vagabundo pilantra e explorador que não valia nada? Então nos deixe em paz e tenha um bom dia! – e ia saindo quando Mathias falou: - Bom dia Miss Michael! Se conseguir.
O cabeleireiro saiu pisando duro da cafeteria enquanto o detetive raciocinou: - Ah, cambada de mentirosos; então há mesmo um português metido nesta sujeira! Esse inquérito agora só fecha passando pelo meu cadáver! – e voltou correndo á delegacia disposto á investigar o intérprete português. Talvez houvesse um complô com os filhos de Jacob para eliminá-lo por causa da herança.
Ao chegar, ele queria ir direto ao gabinete de Clóvis para impedi-lo de encerrar o inquérito, mas foi detido por um rapaz: - Por favor, o senhor é o detetive Agamêmnon Mathias?
- Sim! Mas agora eu estou com pressa...
- Só um instante senhor! Sou funcionário do Hotel Ritz, e há um hóspede procurando-o com certa urgência!
- Hóspede? Por que não veio aqui?
- Ele chegou hoje da Inglaterra e o único contato que têm na cidade é o do senhor. É idoso e parece um tanto aflito, por isto vim procurá-lo.
- Inglês? Como ele se chama?
- Seu nome é Mr. Lineu Curtiss Taylor. É clérigo de igreja cristã em Londres.
CONTINUA...
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