VIGÁRIO LINEU
Mais calma Hebe falou enquanto bebia um cafezinho. – Desculpem-me se me exaltei. É que este assunto me deixa muitíssimo agastada! E não esperem que eu finja consternação pela morte deste homem. Para mim, já foi tarde!
Mathias segurava o pires da diminuta xícara de porcelana e pensava: - Será que ela teria coragem de encomendar sua morte? – mas achou melhor aproveitar o ensejo para saber mais. – Bem; voltando ao que a senhora falou: acha que é possível que exista ligação no fato de o senhor Jacob ser homossexual e o seu assassinato?
- Ah doutor. Este submundo é muito sórdido! São pessoas sem moral e nenhum respeito á família. Esse escroque entrou na nossa casa, nos roubou e ainda transviou meu sobrinho Michael. Oh, ele era um jovem tão bonito que tinha as moças das melhores famílias da cidade aos seus pés; eu não me conformo!
- Então o seu sobrinho teve um relacionamento com o senhor Jacob?
- Eu prefiro não falar disto!
- Entendo. – respondeu Mathias trocando olhares com Josélio. – Voltando então ao Charles. A senhora sabe se ele vivia com o senhor Jacob?
- Nem imagino; eu não mantenho relações com este tipo de escória! Ah,... Moleque abusado esse Charles. O dono da farmácia discutiu feio com ele anteontem por causa de um carro!
- Um carro? – os detetives se olharam, e Mathias perguntou: - Por que senhora?
- Porque Charles parou seu carro com as duas rodas na calçada de fronte á farmácia. Alfredo o mandou tirar e ele não quis; então discutiram! Não fosse Jacob ter vindo apartar, eles sacariam as armas um para o outro; isto aqui ia virar um faroeste!
- O senhor Alfredo estava armado? – perguntou Josélio.
- Sim! Foi horrível. Depois Jacob mandou o namoradinho para dentro da loja; pediu desculpas a Alfredo pelo seu comportamento, e manobrou o carro para a outra calçada!
- Ele fez isto no carro do,... Empregado? – questionou Josélio novamente.
- Sim meu rapaz! Eu achei esquisito; mas depois quando eu estava na cozinha ouvi Jacob dizer a Charles que não tinha sido para isto que lhe deu o carro! Falava tão alto que eu pude ouvir pela báscula da janela.
Mathias perguntou: - Então o carro foi presente do senhor Jacob para o Charles?
- Pelo que eu pude entender, é isto! – Hebe abanou a cabeça: - Que fique claro que não estou fazendo fofoca; apenas tentando ajudar!
– Fique tranquila senhora Hebe. – então alguém bateu á porta chamando. – É o Joca – explicou Josélio: - O policial que está conosco. – e foi ver. Então voltou dizendo: - Doutor Mathias; o perito está no escritório e o rabecão veio buscar o corpo para a necropsia. – olhou Hebe. – Uh,... Desculpe senhora.
- Não há problemas meu jovem. Nada disto me espanta!
Mathias se levantou, colocou a xícara numa mesinha e falou: - Muito obrigado senhora Hebe. Provavelmente será convocada para depor, está bem?
- A hora que precisar!
- Apenas mais uma coisa: a senhora aluga quartos. Algum inquilino estava aqui ontem á noite? Talvez tenham escutado algo.
- Oh não! Meus inquilinos são estudantes, e estavam na aula!
- Certo. Eu preciso fazer uma última pergunta: Há armas nesta casa?
- Sim! – apontou á parede: - Está pendurado ali. É um velho bacamarte do tempo do império, que foi do meu avô! – encarou-o: - Doutor; acredita mesmo que eu seria capaz de entrar no escritório daquele homem para matá-lo? – abanou a cabeça: - Sou cristã, e matar é pecado!
Mathias sorriu: - É uma pergunta de praxe; perdoe-me.
- Sem problemas, doutor. – respondeu Hebe devolvendo o sorriso.
Eles então se despediram da anfitriã e saíram.
Na rua, Josélio comentou.
- Caramba doutor. Dona Hebe não tem papas na língua, héim?
- Sim, mas tem uma parte que ela não contou! Sabe por que os inquilinos da senhora Hebe não estavam nos quartos ontem á noite? São prostitutas que deviam estar na rua!
- O quê? – olhou para trás. – A casa dela é um puteiro?
Mathias riu: - Não; é apenas o dormitório delas. Uma moça que foi presa certa vez por vadiagem deu o serviço! É amigo; o declive da decadência é íngreme, e tem uma curva que se chama “fundo do poço”. Quem começa a descer, precisa jogo de cintura para não capotar nesta curva! – pôs a mão no queixo: - Então quer dizer que o senhor Jacob presenteou seu companheiro com um carro novo, e isto foi motivo de discussão entre eles! Precisamos descobrir quem é este Charles! – chegaram á entrada da peleria quando os homens do IML traziam o caixão com o corpo de Jacob, e o acomodaram na parte de trás de um furgão preto; o rabecão.
O carro saiu e Mathias olhou na direção da farmácia: - Josélio; entre no escritório e ajude o perito. Vou dar um pulo ali!
Ele entrou na farmácia; Alfredo e Alzira estavam atrás do balcão lado á lado, com semblante apreensivo. O detetive não fez rodeios: - Senhor Alfredo, o senhor sabia que o nome do empregado do senhor Jacob, é Charles?
- Eu sabia. – respondeu reticente.
- Certo. O senhor discutiu com Charles anteontem por causa de um carro estacionado com duas rodas sobre a calçada diante da sua loja?
Alzira respondeu de imediato: - Ele tinha parado o carro quase encostado na entrada da farmácia, atrapalhando quem precisava entrar!
Mathias encarou Alfredo: - Isto é verdade?
- Sim doutor,... Eu pedi com educação e o sujeitinho não quis tirar. Aí eu tive que ser firme e ele nos ofendeu!
- O que ele lhe disse?
- Ele xingou palavrões na frente da minha esposa! Mandei pedir desculpas e ele respondeu com zombaria. Então discutimos.
- Hum; o senhor estava armado?
- Não!
- Então foi apenas discussão, mais nada? – ocorreu silêncio e Mathias falou: - Senhor Alfredo. Há uma arma nesta loja? Não minta!
- S... Sim, Eu tenho uma arma aqui. Essa rua é muito deserta na hora que saímos á noite!
- Porque disse antes que não havia arma alguma aqui quando eu perguntei? O senhor não tem porte?
- Eu tenho sim!... Não devia ter escondido isto, foi besteira.
Alzira interviu: - A gente precisa se prevenir, doutor, não tem polícia aqui á noite!
A declaração o pegou de surpresa, mas prosseguiu olhando Alfredo: - Que tipo de arma o senhor possui?
Ele pôs a mão debaixo do balcão e a apanhou. Mathias não a tocou, e falou: - É um Colt, calibre 32.
Alzira falou de novo: - Foi essa velha coroca que fez intriga da gente né? O Charles ia puxando a arma pro Alfredo, que não teve tempo de pegar a dele. Aí veio o Jacob e o mandou parar e ir para o escritório, porque depois conversariam. Então ele mesmo tirou o carro daí e parou do outro lado da rua. Foi isso que aconteceu. Se a velha falou outra coisa; é tudo mentira doutor!
- Acalme-se senhora! Não deviam ter omitido isto, mas é mais ou menos do jeito que a senhora Hebe falou. Pode guardar a arma, senhor Alfredo. – e se virou para a porta, mas voltou perguntando: - Que marca era o carro do Charles?
- É um Volkswagen vermelho! Não vi a placa. – respondeu Alfredo.
- Obrigado! – e saiu.
Antes de entrar na peleria, cochichou ao ouvido do policial Joca. – Chame outra patrulha com mais homens. E se esses dois saírem da farmácia, me chame imediatamente! – e entrou.
No escritório, o perito Borges explicava o que poderia ter acontecido.
- A vítima foi alvejada duas vezes na parte posterior da cabeça. O primeiro tiro atingiu a base do crânio, ou seja: ele estaria sentado aqui de costas para a porta lateral. – apontou á cadeira estofada com couro vermelho. – Ele estaria de cabeça baixa escrevendo. Este tiro deve ter sido fatal e ele tombou o rosto na mesa de lado. Então o assassino atirou mais uma vez, acertando atrás da orelha esquerda, e mais duas vezes acertando a parede adiante. – apontou dois buracos. Borges tinha um canivete ás mãos e tentava retirar um dos projéteis da parede. Então Josélio falou. – O senhor Jacob devia estar anotando algo neste caderno. – mostrou uma espécie de livro e apontou ao calendário: - Está vendo essas datas circundadas de vermelho com minúsculas anotações? São os devedores em atraso! Os em azul são os em dia, e olhe aqui doutor. – apontou um nome.
- É a senhora Hebe Marazzi? Ora essa, então ela devia dinheiro ao Jacob!
- Sim doutor! E coincide com a anotação no caderno.
- Ela devia muito dinheiro a ele?
- Nem tanto, e ela está pagando em dia!
- Hum; ele anotou quem esteve aqui por último ontem?
- Sim doutor. E adivinhe quem doutor? A própria senhora Hebe, fazendo o pagamento da parcela do empréstimo! Ela não falou disto na nossa conversa.
- É verdade. – pôs a mão no queixo, pensativo.
- O doutor acha que ela poderia tê-lo matado?
- Tudo é possível nesses casos Josélio, e ela parecia guardar muito rancor do senhor Jacob. Se bem que não faz muito sentido pedir novo empréstimo á quem ela afirma ter lhe roubado. Ou não? – olhou o cofre: - Conseguiram abri-lo?
- Sim! – respondeu Borges abrindo-o: - Só continha papéis e promissórias assinadas, mas estava remexido. Agiotas sempre têm dinheiro em espécie, e não encontramos um só centavo; então podemos supor um latrocínio! – e voltou a escavar a parede para retirar o projétil sem danificá-lo.
- Este tal de Charles poderia tê-lo assassinado para roubar! – falou Josélio.
- De fato. Mesmo o patrão tendo lhe presenteado com um carro, nós sabemos que o olho grande não vê limites!
Então Borges conseguiu retirar o projétil e o examinou com uma lupa. – Ah,... É calibre 32!
Mais tarde na delegacia:
O casal Alfredo e Alzira prestavam depoimento ao delegado. Foram detidos para averiguações e levados á delegacia; não reagiram, e a arma seguiu para exame de balística. Alfredo afirmava categoricamente ao delegado, doutor Clóvis, que não matou o senhor Jacob, e tentava demonstrar que saíram da farmácia ás dezoito e trinta. Haveria testemunhos de fregueses. Agora esperavam resultado da balística, e se o projétil saiu da arma de Alfredo, teriam muito a explicar.
Mathias estava na sua sala, sentado á mesa com o queixo apoiando nos cotovelos. Josélio perguntou: - Será que foram eles?
Deu de ombros: - Senhor Jacob lhe tomou um Cadillac conversível na quitação de uma dívida. Hoje em dia é um carro velho de pouco valor, mas em 1963 ainda encontrava admiradores dispostos a pagar caro. Então fico pensando por que o senhor Alfredo esperou seis anos para se vingar? E porque eles mesmos chamaram a polícia?
- E se foi para despistar?
- Sim. – Mathias fez um muxoxo: - Este caso tem muita coisa escondida; e quanto ao tal do Charles? Não encontramos nada que o identifique; um sobrenome que seja.
- O delegado perguntou ao casal se viram Charles na peleria ontem, e tanto a senhora Alzira como seu marido disseram que não. – falou Josélio.
Então o delegado os chamou; o resultado da balística havia saído.
- A bala não saiu de sua arma, senhor Alfredo. Assim, vocês estão liberados! – falou o delegado Clóvis. – Mas, serão convocados á depor no inquérito.
Os dois concordaram e saíram da sala do delegado. Alfredo queria falar com Mathias e foi conduzido á sua sala. Ele entrou sozinho e falou: - Como disse doutor: eu e minha esposa estamos limpos!
- Sim, eu soube. Mas entendam que, diante da suspeita, corroborada pela arma do mesmo calibre, não tínhamos outra coisa a fazer senão detê-los! – respondeu Mathias.
- Eu entendo isto, e não vim aqui tirar satisfações. Mas quero deixar claro ao senhor que não tive nada a ver com o assassinato do Jacob! – passou a mão no queixo: - O episódio do Cadillac era passado, e como éramos vizinhos, procurei manter uma atitude amistosa com ele, tanto que eu estava negociando a compra da sua loja.
- O senhor Jacob estava querendo vender o imóvel da loja? – perguntou Josélio.
- Sim, e me ofereceu por um valor razoável, tanto que eu já estava procurando um banco para obter um financiamento.
- Por que ele queria se desfazer do imóvel? – perguntou Mathias.
- Ele disse que iria voltar para Londres sua terra natal, por isto queria se desfazer da loja. Estou dizendo isto para esclarecer que eu não teria motivo para assassiná-lo. Porque eu iria matá-lo, e assim perder a oportunidade de fazer um bom negócio?
- Alguém mais sabe disto? – perguntou Mathias.
- Apenas eu, minha mulher e o advogado dele! Até onde eu entendi, ele iria partir logo, tanto que deixaria uma procuração ao advogado com poderes para fazer a venda. Pode procurá-lo, que vai confirmar.
- Nós faremos isto! O senhor citou isto no seu depoimento ao delegado?
- Sim! Mas eu fiz questão que vir lhe informar pessoalmente. Bem; Alzira está esperando. Com licença.
Despediram-se e Alfredo saiu.
- Ora essa. A cada momento uma revelação!
- Sim doutor! – falou Josélio: - Agora uma coisa que eu e o perito encontramos faz sentido! Tinha um telegrama no bolso do paletó toda em inglês. – pegou um envelope: - O perito leu, e quis que o doutor lesse!
Mathias apanhou o papel, e leu traduzindo: - “Eu fiquei imensamente contente em ver que você está bem, e mais ainda em saber do seu retorno a Londres; saiba que o tenho como um filho. Assim que chegar, avise-me. Assinado: Reverendo Lineu Curtiss Taylor.”. – Mathias olhou o envelope, e o remetente era de algum tipo de congregação religiosa em Londres.
- Reverendo? Esse Lineu é padre?
- Sim Josélio. Não sei como são chamados na religião Anglicana, mas é um sacerdote! O telegrama parece resposta á uma carta certamente enviada pelo senhor Jacob. Deviam ser amigos de antes da guerra quando ele ainda vivia em Londres, e vem de encontro ao de o senhor Alfredo falou! – deu de ombros: - Coitado do Reverendo, vai ficar esperando! – um policial veio chamá-lo para conversar com o delegado Clóvis. – Bem! Vamos lá. Depois vou dar um pulinho ao correio e responderei á este telegrama informando ao Reverendo da morte do seu amigo.
Mais tarde, a delegacia seguiu sua rotina de dramas e prisões.
Mathias se espreguiçava na cadeira após retorno á uma ocorrência por perto, mas não conseguia tirar o caso do assassinato do agiota da sua mente. Não havia pista a ser seguida e nem testemunhas, sequer Charles foi localizado. O detetive passou a mão na cabeça: - A única certeza que temos, é que o assassino tinha acesso ao escritório de Jacob, e assim pôde entrar pela porta lateral, e talvez o tenha alvejado de surpresa!
- O tal do Charles teria este acesso! – completou Josélio. – Precisamos encontrá-lo. Estou tentando descobrir mais coisas; talvez seu nome verdadeiro nem seja Charles!
- Sim, um nome de guerra! Não podemos esquecer que Jacob era agiota, e ás vezes algum devedor inconformado resolveu ir á forra. Isto é o que não deve faltar!
Então um policial chegou á porta: - Doutor Mathias, tem uma mulher aí querendo falar com o senhor!
- Mulher? O que ela quer?
- Não disse. Ela quer falar direto com o senhor.
- Está bem,... Mande-a entrar!
Em instantes a mulher chegou à porta e falou: - Boa tarde senhor Mathias, eu posso entrar?
- Sim; por favor, sente-se.
Ela entrou. Era alta tinha fartos cabelos loiros e trazia uma bolsa de peles. Possuía traços bem marcantes no rosto maquiado. – Bem senhora; em que posso ajudá-la?
- O senhor esteve na casa de minha tia, e isto á deixou angustiada. Então resolvi vir até á delegacia para explicar melhor sua atitude.
- Tia?
- Sim! Sou Michael Marazzi, sobrinho da Hebe!
CONTINUA...
Show de bola!!!
ResponderExcluirEstá cada vez melhor!
ResponderExcluirobrigado amigo. Tô tentando né?
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