segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

ESPÍRITOS DO ANO NOVO.


"... o champanhe e os abraços haviam terminado e os convidados faziam suas promessas para o ano novo."


O relógio já havia virado á meia noite, indicando que o dia primeiro de janeiro de 2020 finalmente aportou. O champanhe e os abraços de “feliz ano novo” haviam terminado naquela cobertura no bairro Estrela Sul em Juiz de Fora e os convidados se esparramavam nos sofás com suas promessas para o ano novo.
- É sério! – falava Joel: - Vou voltar á academia!
- Todo ano você volta!... A gente não sabe se será este ano! – zombou o amigo Robson. – todos riram, e Rosa. Sua noiva arrematou: - Vou cuidar disto pessoalmente! – olhou Joel – Esse ano você não escapa! – ele cobriu o rosto e respondeu aos risos: - Estou prevendo que estarei perdido!
- Pois este ano eu vou passar no doutorado! – Falou Deyse. – Vou meter a cara nos estudos!
Rosa apoiou; - Isso mesmo amiga; tem que se jogar nos sonhos!
Rafael, o anfitrião, falou: - Este ano pretendo me jogar nos estudos do mundo metafísico! Quero fazer uma viagem ás ilhas britânicas, visitar Stonehenge e alguns castelos.
Vanessa, sua namorada, falou: - Lá vem você com essas coisas macabras!
- Não é macabro, amor; é sério, eu creio no sobrenatural e quero aprofundar mais!
Jeferson, irmão de Rafael que estava á varanda com Mariah falou: - Duvido!
- Ora, por quê?
Ele entrou falando: - Por que você se borra de medo dessas coisas! Lembra quando a gente era criança no sítio tio Cláudius?
- Eu era criança, não valeu!
Vanessa perguntou: - Essa eu quero saber! O que acontecia no sítio do tio de vocês?
Jeferson se sentou no meio dos amigos e falou: - A gente fazia uma brincadeira de chamar espíritos! íamos para o paiol, fazíamos um papel com o abecedário, arranjávamos um copo, uma vela e uma mesa de tampo bem liso, que tinha que ficar nivelada. Então ficávamos em volta e chamávamos o espírito da nossa bisavó Irma!
- Por que ela? – perguntou Joel.
- Tinha um retrato dela na sala, e uma empregada que chamava Maria Josefa disse que  viu o fantasma dela algumas vezes! Lembra da Josefa, Rafa?
Aborrecido, ele respondeu: - Lembro!
- Aí você corria para debaixo da cama todo mijado! – debochou Jeferson, ao que Rafael se irritou: - Espere aí? Eu te convido para uma festa e agora você vem me zoar dentro da minha casa! – Vanessa tentou contemporizar: - Calma amor, ele está brincando!
Jeferson se levantou: - Olha aqui irmão, foi tu que puxou assunto de coisa sobrenatural!... Ah, saquei: é só pra alardear que vai fazer mais uma viagem ao estrangeiro para todo mundo vem que o Rafa é o rei da bala chita!
Robson, que era o mais velho do grupo se levantou dizendo: - Pera aí gente!... Foi uma confraternização tão bonita para acabar nesse climão! Poxa vida, ano novo é hora de repensar, resignificar as coisas! – ocorreu um silêncio constrangido até Jeferson abanar a cabeça e falar: - Tem razão. Desculpem! – aproximou de Rafael e falou: - Desculpa aí mano. Tudo que você tem foi por mérito de trabalho, eu respeito isto!
Abraçara-se e Rafael falou: - De boa, não tem que pedir desculpa! – ainda abraçado ele falou: - Aí gente, que tal mais uma rodada da geladinha para lavar o resto da inhaca de 2019! – todos riram, buscaram cervejas e brindaram.

Por volta das três da manhã, estavam levemente bêbados quando Mariah perguntou ao namorado: - Jefinho, eu fiquei curiosa para saber o que acontecia na sessão de macumba que vocês fizeram na casa do seu tio!... Conta aí?
Ele respondeu: - Ah amorzinho; esse assunto já deu ruim, vamos esquecer isto!
Rafael terminava sua cerveja, e disse: - Não há motivo para não tocar nesse assunto. Foi coisa de criança que aconteceu a mais de trinta anos! – todos o olharam, e ele começou a relatar que sempre iam á casa do seu tio Cláudius na passagem do ano, porque seus pais eram médicos e faziam plantão no réveillon, assim preferiam que os filhos confraternizassem com os tios e primos que viviam no campo: - Era muito bom! Eu e Jeferson éramos crias de cidade, e a roça era fascinante!
O irmão riu: - Lembra quando a gente brincava de “bobiça” com as primas?
Todos riram e Rafael pôs o dedo nos lábios: - Todo mundo sabe o que é isto, maninho! – mais risos até ele prosseguir explicando que na virada do ano, ficavam acordados até a madrugada brincando e ouvindo as histórias da Maria Josefa, uma preta empregada antiga da fazenda que contava “causos” de assombrações e luzes que apareciam na mata. Mas quando se falava no caso do fantasma da bisavó, ela abanava a cabeça fazendo careta e dizia; “Larga disso,... É coisa pra deixar lá onde tá!”.
Então um barulho na janela fez todos se assustarem. Joel até fez “booo” de brincadeira, mas Rafael tranquilizou á todos: - Calma gente corajosa; não é fantasma, é a persiana que oscilou no vento. Está meio solta e tem que trocar.
Jeferson lembrou: - Engraçado; tinha retrato da bisavó sala da casa do tio Cláudius, mas ninguém da família falava nela! Só sabemos que era imigrante alemã e chamava Irma Gomes. – riso: - isto lá e nome alemão?
Rafael explicou: - Sim, ela era imigrante alemã e trocou o sobrenome quando veio para o Brasil. Costumavam fazer isto na alfândega! – então ele prosseguiu relatando o fato que ocorreu na madrugada do dia primeiro de janeiro de 1990, quando os primos se reuniram ás escondidas para evocar o espírito da “Vó Irma”, como se referiam.
Jeferson riu e comentou: - Era uma brincadeira só para assustar as primas,... E a gente poder fazer mais “bobiça”!
Mariah perguntou: - Então se era só uma treta para sacanear as primas, pra que tanto clima em cima disso?
- Era para ser só isto! – falou Rafael: - Mas acabou não sendo só isto! – olhou Jeferson: - Você nunca se perguntou por que eu entrei em pânico e saí correndo para o quarto?
- Ora,... Ficou com medo!
- Nem tanto! Você lembra de que quando andávamos nas estradinhas á noite e apareciam aquelas luzes no meio da escuridão do pasto? Você ficava assustado e eu te protegia. Lembra-se disto Jeferson?
- Sim,... Mas você é meu irmão mais velho!... – pausa: - Você também acendia as luzes quando eu tinha medo do escuro.
- Então, veja que eu nunca fui medroso!
- Eu sei mano,... Falo isto para te sacanear! Mas então o que aconteceu naquela madrugada para te assustar tanto? – as pessoas começavam a se aconchegar nos sofás ao ouvirem, e Vanessa falou: - Vamos parar com essas histórias?... Não tem nada a ver com ano novo!
- Tem a ver sim amor! – falou Rafael: - Acho que é preciso lavar as inhacas do passado para podermos entrar no ano novo sem “fantasmas”. – ele prosseguiu. – Eu inventei aquela brincadeira baseado nos filmes de terror com tábuas Ouija que via na TV e os primos da roça não conheciam. Assim, eu escrevia o alfabeto e as palavras “sim” e “não” num papelão; arranjava um copo, uma vela acesa e juntávamos em volta de uma mesa. Eu dizia bobagens do tipo: “Oh, se há algum espírito no recinto, que se manifeste!” igual aos filmes. As primas até choravam quando o primo João cutucava o pé da mesa para simular a presença de assombrações!... Mas naquela noite aconteceu uma coisa diferente,... E muito estranha.
Jeferson perguntou: - Hei, você nunca me falou nada disto!... O que aconteceu?
Rafael fechou os braços, estava visivelmente arrepiado ao dizer: - Quando perguntamos: “tem algum espírito aí?”, apoiamos os dedos no copo e forçamos para o lado do “sim”; mas o copo deslizou sozinho, lembra-se disto?
- Sim,... Mas foi só um truque inclinando a mesa!
- Não foi!... O copo realmente assinalou; “sim!”. Então,... – Ah, vamos deixar isto para lá como recomendava a Maria Josefa, e abrir mais umas Brahmas?
- Para de enrolar e fala Rafael! – insistiu Jeferson.
-... Está bem,... Eu vi um vulto se aproximar no escuro, atrás de vocês!... Era como se fosse uma projeção holográfica borrada e luminosa. Lembra que eu disse: “olhem para trás!”?
- O João disse que viu também, e imitou o gemido de uma assombração! – falou Jeferson.
- Ele não viu nada; apenas fingiu!... Mas eu vi o vulto aproximando até se colocar atrás de você, Jeferson!... Parecia levantar as mãos e,... E aí eu me apavorei e saí correndo da mesa para quebrar a corrente!...
- E o que era o tal vulto? – perguntou Robson, o mais bêbado e rindo. – Papai Noel atrasado? – alguns riram e Rafael se irritou: - Estou relatando algo que nunca contei para ninguém!... Uma coisa que me atormenta até hoje, e não admito deboche e nem que pensem que estou inventando uma historinha para apimentar o ano novo!
Vanessa contemporizou: - Acalme-se amor. Ninguém está pensando nada disso!
Jeferson se levantou nervoso: - Pois eu acho que aconteceu mais alguma coisa!... Ah, você nunca mais foi o mesmo depois; ficou medroso e nem gostava de entrar em lugares escuros! – abriu os braços: - Olhe este apartamento!... Todo branco e com luzes acesas o dia e a noite inteira! Vanessa até me disse que você paga uma fortuna de conta de luz por causa desta mania!
Ela reagiu: - Eu apenas comentei isto porque sou contra desperdícios!
Rafael gritou: - Parem!... Chega!... Mariah está certa; foi só uma historinha que inventei pra sacanear as mulheres,... – riso: - Aquela brincadeirinha da “bobiça”!
- Nem acredito que um homem de 42 anos precise fazer uma brincadeira escrota dessas com a gente só para se dar bem! – falou Dayse. – Estou decepcionada!
- Desculpem amigos,... – falou Rafael constrangido: - Acho que bebemos demais não é? – as pessoas se levantaram um tanto aborrecidas para saírem; Joel ainda foi ao toalete e Rafael tentou abraçar Vanessa, mas ela o repeliu: - Não! Eu não sou uma de suas primas da roça pra fazer “bobiça” á custa de historinhas de assombrações! – ele insistiu: - Perdão amor,... Não devia,... – ela o cortou: - Depois conversamos!
- Não!... – segurou suas mãos, estava trêmulo: - Fique comigo,... Não precisamos fazer nada! Apenas, não me deixe sozinho. – ela concordou e o beijou.
Jeferson se aproximou dizendo: - Você tá me escondendo alguma coisa!
Rafael respondeu: - Por favor, esqueça isto! Como Deyse falou, foi só uma brincadeira escrota. – e o abraçou, recebendo discreta retribuição.
No corredor á entrada do elevador Rosa falou: - Joel já desceu e está esperando na van; disse para irmos ao apartamento dele porque a festa vai continuar lá! – Mariah insistiu: - Vamos, Jeferson! – o abraçou: - Eu quero ver o dia nascer fazendo “bobiça” com você! – ele concordou e entraram no elevador.

 Rafael encostou-se ao sofá, e resmungou: – Estraguei a festa com essas lembranças absurdas! Por que não fiquei calado.
Vanessa sentou-se ao seu lado e disparou: - Amor, estamos apenas eu e você aqui, portanto, vamos começar a falar a verdade! – encarou-o: - Não sou burra e vi que você não falou tudo!
- Não tinha o que falar,... Foi tudo uma brincadeira irresponsável de um adulto de 42 anos metido a rico, como bem disse meu irmãozinho.
- Lamento, mas esta dissimulação não vai funcionar! – segurou-o pelo rosto. – Amo você e estamos juntos a um bom tempo, mas não quero ser a ultima pessoa á saber coisas da sua vida, que posso não gostar! – lágrimas brotaram nos olhos de Rafael e ele falou: - Você tem razão!... Há coisas na minha vida que,... Tenho vergonha e medo, mas preciso me abrir para não enlouquecer! – limpou os olhos com as costas das mãos e disse. – Em primeiro lugar, o sobrenome de minha bisavó não foi mudado á toa. Mudou por que era Grese! Como professora de história, ligue os fatos!
Ela pensou um pouco: - O nome de sua bisavó era Irma,... Irma Grese?
- Sim, o anjo da morte do campo de concentração de Berger – Belsen, na Alemanha nazista! Por isto alteraram nossos sobrenomes para Gomes para nos resguardar de algum tipo de represália ou perseguição. Eu deveria chamar Rafael Grese!
- Meu deus. Eu entendo! Seu irmão sabe disto?
- Não; e nem pode saber! Eu descobri por acaso e meu pai me fez jurar que nunca diria a ninguém. Mas não é só isto: quando eu era criança, ainda filho único, meus pais se separaram por um tempo e meu pai se envolveu com uma enfermeira, que ficou grávida. Ele assumiria o filho, mas ela faleceu no parto e papai não teve alternativa senão ficar com o bebê. Mas, havia um problema: a enfermeira se chamava Sara Steinberg, e era judia. Então minha mãe aceitou registrar a criança como se fosse biológica.
- Por que sua mãe fez isto?
- Por causa do cunhado, meu tio Claudius, irmão do meu pai. Ele é nazista, assim como quase toda a família. Os Grese jamais aceitariam uma criança gerada num ventre de uma mulher judia,... Eu era estudante universitário quando descobri isto e achei que abaixar a cabeça á este absurdo era o mesmo que ser conivente ao nazismo! Mas meu pai insistiu em manter este segredo, me implorou, até porque Jeferson era adolescente e não suportaria a rejeição da família. Tio Cláudius certamente seria o primeiro a rejeitá-lo! – abanou a cabeça: - Assim, eu jurei sustentar esta mentira para sempre!... Eu amo meu irmão, e sempre tentei protegê-lo, mas,... – não conseguia continuar e Vanessa insistiu: - Mas o quê. Rafael?
Ele respirou como que buscando fôlego, e prosseguiu: - Nunca de deve brincar com o mundo dos espíritos, e é o que fizemos naquela noite em 1990! Eu vi claramente quem era o vulto que se colocou atrás de Jeferson; era nossa bisavó Irma Grese!... Ela levantou as duas mãos sobre a cabeça de meu irmão e disse algo que me pareceu: “Er ist unrein. Muss sterben!”. Eu não sabia o que era, mas entendi que ela não podia tocar em Jeferson! Por isto eu rompi a corrente e saí correndo. – virou-se á Vanessa: - Podemos esconder a verdade neste plano, mas não para quem pode ver além,... E o espírito daquela nazista vê, e o odeia!
- Mas,... Não entendo!... Deve ter sido uma alucinação, vocês eram crianças!
- Não foi! – ele suspirou: - Acredite ou não, eu sou o que chamam médium! Sou como um mediador entre o mundo físico e o metafísico, por isto preciso fazer esta viagem de estudos ao sobrenatural! – abaixou a cabeça: - Está me achando um maluco, né?
Ela o abraçou: - Claro que não, amor!
- Tenho feito de tudo para afastar Jeferson de qualquer coisa minimamente sobrenatural. Tenho medo que ele vá numa sessão de espíritos e Irma se manifeste! – riso: - Tentei até induzi-lo a se tornar evangélico! Algumas vezes eu pensei em evocá-la para tentar exorcizá-la. Cheguei a obter uma tábua Ouija verdadeira para fazê-lo.
- Oh não Rafael, por favor, não mexa com isto, pode ser perigoso! Onde está esta tábua Ouija? – perguntou Vanessa aflita. – Não é melhor destruí-la?
Após uns instantes ele afirmou: - Tem razão,... – levantou-se. – Vou fazer isto agora! – e seguiu rápido aos seus aposentos. Vanessa ficou aguardando, pensando: - Meu deus, que loucura!
- Não!... Não está aqui! – Rafael voltou á sala, apavorado. – A tábua estava escondida no armarinho do banheiro e sumiu; alguém a pegou!
Vanessa lembrou: - Joel foi ao banheiro entes de sair e se retirou sem despedir de ninguém! Foram todos ao apartamento dele para continuar a festa!... Jeferson foi com ele!
- Aquele idiota é metido á exotérico, e sabia da tábua,... Só que também é médium! – correu á porta: - Preciso impedir aquele palhaço de fazer a sessão! – Vanessa o acompanhou.
No caminho tentaram contato com todos aos amigos que saíram junto com Joel, mas os telefones estavam fora de área ou desligados.
Ao chegar ao condomínio de Joel, a portaria barrou sua entrada pedindo algum documento de identificação. Na pressa Rafael esqueceu-se de apanhar a carteira, e Vanessa sua bolsa. – Olhe,... É uma emergência!... Interfone ao apartamento 903 e diga que o Rafael está aqui! – o porteiro se virou para fazer a ligação, e em instantes voltou dizendo que ninguém atendia, enquanto Vanessa conseguia completar uma ligação: - O quê?... Fale devagar Mariah!
 Começaram a escutar gritos e viram pessoas correndo. Rafael acelerou o carro arrebentando a cancela da portaria e parou próximo á uma aglomeração de gente, e saiu pressentindo a pior das notícias. Ao se aproximar viu o corpo de Jeferson no asfalto. Tinha se jogado do nono andar. Ajoelhado, ele desesperou: - Não,... Não,... Perdão, eu falhei. – Viu Joel se aproximar assustado, se levantou e agarrou o colarinho da sua camisa em fúria: - Seu idiota,... O que você fez?
- Era só uma brincadeira!... - respondia Joel em pânico. – Sabe;... Como nos filmes! Aí ele levantou da cadeira e gritou: “sou impuro, sou impuro!”. E pulou a varanda,... Não conseguimos segurar!...
Rafael desferiu-lhe um soco, sendo contido pelos amigos e Vanessa que falou. – Ele não tem culpa,... Não sabia!
 - Me deixem!... – desvencilhou-se e seguiu chorando ao seu carro. – Eu falhei,... Meu deus, eu falhei! - ao aproximar do veículo, em prantos, pôde notar que o para brisa estava embaçado e havia algo escrito: “Er ist unrein. Musste Sterben!”.
Rapidamente ele apanhou seu celular e buscou o tradutor no Google: e a frase queria dizer em português: “Ele era impuro. Tinha que morrer!”.
Então jogou o parelho ao chão e ajoelhou-se chorando e dizendo: - Maldita! – sendo consolado Por Vanessa.

Tempos depois...
- Você vendeu tudo; apartamento, carro; largou o emprego. Tudo por causa desta culpa, que não é sua! – falou Vanessa: - Já se passaram três meses; você precisa superar isto!
Rafael acabava de arrumar sua mochila, e respondeu: - Eu demorei demais para entender que tinha uma missão á qual devia ter me preparado! Mas fui tolo, presunçoso e achei que era só ser indiferente que tudo desapareceria. Mas não é assim, amor!
- Para aonde você pretende ir? – perguntou Vanessa.
Ele deu de ombros: - Procurar respostas onde quer que elas estejam!... – colocou a mochila nas costas e uma bolsa a tiracolo. – Os Grese carregam uma maldição!... Preciso de respostas! – beijou Vanessa. – Perdão,... Não posso ser o que você precisa agora. Para o seu bem. Me esqueça!
Lágrimas rolavam á sua face: - Não seja mais presunçoso ainda tentando adivinhar o que é bom para mim! – chegou o Uber, e ele a beijou novamente, entrou no carro e saiu. Ele ainda a olhou pelo vidro traseiro, parada á calçada limpando os olhos.
Então Rafael abanou a cabeça, também com olhos molhados e resmungou; - Droga!... Mas é preciso. - Apanhou uma foto sua ao lado do irmão e disse: - Não é apenas por você,... É por mim!
E seguiu ao aeroporto.

Fim.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

A NOITE QUE PAPAI NOEL CAIU DA CHAMINÉ.


"...Chegou a uma mansão antiga em estilo normando com telhados descrevendo angulos por onde despontava uma grande chaminé"


Clodsmith era loiro de olhos azuis, possuía bochechas rosadas e barba grisalha além de ostentar uma barriga considerável, ideal para ser Papai Noel nas festas de fim de ano em lojas e shoppings. Era bom porque entrava dinheiro extra, mas também era ruim porque algumas crianças puxavam sua barba com força para ver se não era postiça e ele ainda tinha que sorrir. Por isto preferia festas particulares com predominância de adultos.
Era noite de Natal e ele chagava do trabalho com coxas doloridas de tanto servir de banco ás crianças, quando seu telefone tocou: alguém precisava urgentemente de um Papai Noel naquela noite para uma festa particular. Ele argumentou que tinha acabado de chegar á sua casa e estava cansado, mas insistiram com uma proposta: – Pagamos dois mil reais de cachê! – ele respondeu de imediato: - Já descansei! Pode me passar o endereço?
Em uma hora Clodsmith chegou a uma casa num bairro afastado: uma mansão antiga em estilo normando com telhados descrevendo ângulos agudos por onde despontava uma grande chaminé de lareira, e foi recebido por uma governanta alta de cabelos pretos presos num coque apertado e uniforme de veludo negro que o conduziu á cozinha, pediu que aguardasse a patroa e saiu. Enquanto esperava, ele observou que havia apenas uma panela sobre o fogão e cheiro de batata cozida - Uai? Vai ter festa de Natal e só fizeram batatas?... Humm, vai ver que encomendaram o resto da ceia. – deu de ombros.
Então chegou a dona da casa: uma mulher loira de cabelos ondulados que caíam no seu colo desnudo pelo decote do vestido vermelho escuro e olhos num tom verde marinho, que falou. – Olá, eu sou Lucélia; conversamos ao telefone!
- Sim,... Prazer senhora Lucélia!
 - A senhora está no céu! Com licença,... – e lhe deu leve beliscão na bochecha. – Que fofo, é perfeito! Venha comigo que vou lhe explicar o que queremos. – seguiram por um corredor que dava numa ampla sala de jantar com uma grande mesa posta com porcelanas, cristais, talheres de prata e candelabros portando velas douradas. Adiante passaram por outra sala com móveis estofados em couro marrom onde algumas pessoas conversavam certamente convidados para a festa, que lhe cravaram os olhos. Havia uma enorme lareira em cuja boca caberia um homem em pé, uma árvore de natal com enfeites vermelhos e uma porta em arco gótico por aonde vieram dois serviçais, que lhe pareceram anões perguntando á Lucélia se já poderiam preparar as batatas coradas. Ela respondeu ríspida: - Saiam daqui; esperem eu mandar seus energúmenos! – virou-se á Clodsmith. – Essa criadagem, parece que não entendem as ordens! - chegaram á um cômodo pequeno onde havia uma escada em caracol que parecia se perder no teto e um armário. Ela o abriu dizendo: - Use esta roupa de Papai Noel! – ele retrucou: - Não é necessário, eu trouxe a minha. – ela o cortou: - Oh não! Esta aqui é feita num tecido especial para climas tropicais; sinta-o! – ele o apalpou e era macio e brilhante como seda. – Realmente, senhora. Que tecido é este? – ela respondeu. – Tecido inteligente de fibras sintéticas climatizadoras; pode se trocar atrás do biombo. - Clodsmith vestiu a roupa e seu toque era muito suave e tinha leve perfume de menta. – Vou pedir para mim depois! – pensou enquanto Lucélia o examinava: - Ficou perfeito! Venha. – Eles subiram á um mirante no cume do telhado mais alto, que possuía uma passarela de acesso á chaminé. Lucélia explicou: - Queremos que nossos convidados tenham a noite mais memorável de suas vidas, assim decidimos fazer tudo á maneira tradicional. Ao sinal o senhor descerá pela chaminé até a lareira com o saco de presentes. – apontou á sacola vermelha que já estava lá, e disse: - É leve, tem apenas papel picado; o presente de verdade será entregue lá embaixo! - Clodsmith olhou aquilo espantado e disse: - Dona Lucélia,... Eu não sabia que seria assim; é muito alto e tenho vertigens... – ela o cortou: - Dobramos o cachê! – ele sorriu: - Se é assim,... Sem problemas! – ela explicou que a lareira foi limpa para a ocasião e havia uma escada metálica fixa as paredes internas da chaminé, que era bem larga. Ele debruçou na borda, e era verdade. Lucélia recomendou que aguardasse o toque de uma sineta e depois poderia descer. Ele perguntou: - Desculpe a intromissão, mas é uma festa de família, há crianças? – ela sorriu ao responder. – Não há crianças. Somos apenas um grupo de amigos apreciadores da boa mesa. – piscou o olho: - Festas com crianças são aborrecidas! – e entregou-lhe envelope com dinheiro do cachê, agradeceu e se retirou. – Obrigado... Lucélia! – falou enfiando-o no bolso.
Então Clodsmith sentou na beirada da chaminé, e enquanto aguardava, rememorava experiências com festas natalinas em que teve que chegar de helicóptero, pulando de paraquedas e certa vez num trenó com rodinhas para deslizar na grama. Em festas familiares nunca havia grandes surpresas no roteiro: era entrar na sala pela porta da frente com o velho “ho, ho, ho” de refrão. Mas aquela seria uma confraternização de amigos e isto o lembrava das confraternizações em empresas, quando é chamado para fazer Papai Noel á marmanjos bêbados e sem noção. – Hum, se for uma destas!... E ainda descendo pela chaminé, acho que estou fazendo até barato! – abanou a cabeça.
Passaram-se longos vinte minutos de espera, sentado á beira da chaminé olhando a noite quando a sineta tocou. Era hora da decida triunfal do Papai Noel pela lareira.
Ele apanhou o saco e começou a descer a escada interna da chaminé. Estava escuro apenas com a luz da sala abaixo; dava ouvir burburinho das vozes dos convidados e da anfitriã, e apesar da impressão inicial de ser um traje mais fresco, ao contrário, era quente e exalava forte odor de menta. – Caramba, já estou suando,... E que cheirinho enjoado! – reclamou enquanto descia. Então seus pés bateram numa grade no meio da chaminé. – Que merda é esta?... Era o que faltava; esta lareira tem grade e não a abriram! – então chamou: – Dona Lucélia!  - ela respondeu: - Pois não? – ele falou: - Desculpe, mas tem uma grade fechada tampando a decida! – ouve-se o riso dos convidados e ela disse: - Esta criadagem; parece que não sabem ouvir ordens, eu mandei abrir! – mais risos, ao que ele respondeu: - Então vou subir de novo e esperar que abram, não é? – ela retrucou: - Não suba, fique aí que isto será resolvido!
- Está bem, dona Lucélia; vou esperar! – e se encostou á parede, pingando de suor. – “Especial para climas tropicais”! Só se for na Groenlândia! – resmungou, aproximando o rosto na parede da chaminé, que tinha um cheiro estranho, que não era de fuligem. Apurou o olfato e pareceu-lhe borralho de braseiro de churrascaria. – Assam churrasco nesta lareira?... - então começaram a subir vapores quentíssimos que o ensoparam de suor; ele olhou abaixo e havia fogo! Ele reclamou: - Hei! O que está acontecendo aí embaixo?... Acenderam a lareira? – ouve-se novo coro de risos e isto o irritou: - Não estou achando graça!... Pra mim chega, acabou a brincadeira do Papai Noel! – se preparou para subir quando recebeu uma chuva de especiarias e pimenta do reino atiradas pela boca da chaminé que o fizeram espirrar. – Ah, filho da puta!... Quando eu chegar aí vou te encher de porrada! – faltavam alguns degraus para galgar o topo quando atiraram uma saraivada de sal grosso que o obrigou a parar para esfregar os olhos, seguido de barulho metálico tornando tudo escuro. Ele limpou a vista e terminou a subida deparando-se com uma tampa cheia de orifícios que fechava a saída. – Hei! Hei! O que é isto?... Abram! – tentava esmurrá-la, mas estava presa; então escutou uma voz com sotaque francês: - U-la-lá!... Dentrro de trrês horras, estarrá no ponto! – Clodsmith escutou e se lembrou do motivo da festa: “confraternização de amantes da boa mesa”. Isto o alertou e o apavorou: - Espere aí,... Esse negócio aqui não é festa de Natal coisa nenhuma, é uma reunião de canibais! É isto? – Lucélia respondeu: - Mas que absurdo, não somos canibais, somos gourmets, e a festa é uma homenagem ao grande Oswald de Andrade e seu “Manifesto Antropofágico”.
- O quê?... Que isto tem a ver?
- Arre, mas que coisa lamentável é a ignorância! – zombou Lucélia. – Isto refere á assimilação das influências estrangeiras pela nossa cultura; Oswald preconizou que deveríamos agir como antropófagos, consumindo os arquétipos de fora para depois os digerir. Nós vamos radicalizar o conceito esta noite, e começaremos pelo estereótipo do Papai Noel, que você encarna com perfeição!
- Cambada de malucos; antropofágico uma ova, vocês são é loucos!... Loucos e assassinos canibais!
- Não diga isto Papai Noel; e sinta-se honrado em ter seu corpo servido num ritual de alto nível cultural! Sabia que temos até um ex-presidente da república entre os convidados?
- Deve ser mais um filho da puta psicopata metido a intelectual!... Mas ouça,... Eu não sirvo para isto; sou diabético!
- Que bom; vai acrescentar notas agridoces ao sabor! – respondeu Lucélia aos risos: - Vamos voltar á sala Pierre!
Ele escutou passos se afastando e ainda gritou. – Covardes!... Tomara que morram de caganeira! – estava molhado de suor, cheirando á menta, alecrim e pimenta do reino. Ele forçou a tampa para removê-la; foi inútil, estava lacrada. Tentou usar o celular para chamar a polícia, mas não tinha sinal, então gritou por socorro em desespero enquanto o calor se tornava mais e mais intenso e sufocante, até que já sem ar e sem forças, Clodsmith despencou na escada e caiu na grelha ardente. Suas ultimas palavras foram: - Por que não ouvi minha namorada indiana,... Que mandava eu parar de comer churrascos,... Porque ia acabar,... Do mesmo,... Jeito dos bois... – e tudo escureceu.

Meses depois o telefone tocava na casa de Valeriana: - “Festas Felizes”, bom dia!
- Bom dia querida! Vi seu anúncio na internet e fiquei interessada na festinha do coelho da páscoa. É você que faz o coelhinho?
- Sim senhora! Eu sou o coelhinho da páscoa “Bombom”, o mais fofo da cidade, posso garantir! – falava alisando suas formas curvilíneas. – Como é sua graça, senhora?
- A senhora está no céu! Sou Lucélia e vou dar uma festa de páscoa á um grupo de amigos, apreciadores da boa mesa,... E amamos chocolate!

Fim.



Nota: O Manifesto Antropófago ou Antropofágico foi um manifesto literário escrito por Oswald de Andrade, publicado na primeira edição da Revista da Antropofagia em maio de 1928, que tinha por objetivo repensar a dependência cultural brasileira. A linguagem do manifesto é majoritariamente metafórica, contendo fragmentos poéticos bem-humorados e torna-se a fonte teórica principal do movimento.
Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Antropófago
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete=339

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

ASSOMBRAÇÕES QUE CRESCEM (CASOS REAIS!)


"falamos de pequenas propriedades no interior de Minas Gerais onde se vivia em moldes praticamente feudais em pleno seculo XX"


“Posto que invisíveis em estado normal, os espíritos podem sofrer uma modificação molecular que o torna tangível e visível.”
                                                                                                                                        Allan Kardek

Na década de 1940 na localidade de Paiva (MG) num sítio chamado Santa Teresa, um menino de nome Jessé capturou um passarinho coleiro numa arapuca e levou-o para dentro de casa. Sua mãe, dona Cristina e sua irmã Marilda se aproximaram para ver enquanto Jessé colocou-o numa gaiola. Então, subitamente o pássaro começou a crescer, assustando o garoto, que largou a gaiola no chão, enquanto sua mãe e irmã faziam sinal da cruz. O coleiro cresceu até o tamanho de uma galinha, batendo as asas e arrebentando as grades de taquarinha de bambu, partindo a gaiola e libertando o pássaro que imediatamente voltou ao tamanho normal e escapou pela porta aberta, deixando Jessé, Marilda e Cristina abraçados e apavorados.
No mesmo sítio teriam ocorrido mais dois episódios intrigantes:
Dona Cristina era lavadeira e estava numa bica próxima á casa colocando roupas para coarar sobre arbustos, quando um pássaro em voo defecou sobre uma peça de roupa estendida para secar. Ela começou a praguejar proferindo palavrões e blasfêmias sob o olhar de dois filhos, Maurício e Amaro, quando um anu (chamado também pássaro preto) pousado num moirão de cerca começou a crescer chifres. Foi Maurício que apontou: - Mãe! Olha ali! – ela quase caiu de susto enquanto viu os chifres crescendo na cabecinha do pássaro fazendo mãe e filhos começar a rezar. Então o anu voou para longe sem que vissem se os chifres sumiram.
De outra feita, Maurício voltava para o sítio ao fim da tarde; era inverno e como casa ficava numa grota, escurecia rápido. Quando se aproximou da porteira viu de longe um homem baixo parado próximo aos moirões do “mata burro”; pareceu-lhe ser seu tio Custódio que tinha pequena estatura, assim o cumprimentou. Mas quando se aproximou da porteira o homem começou a crescer fazendo o garoto pensar que estivesse vendo coisas e esfregar os olhos. Em instantes a estranha figura passava dos três metros de altura, apavorando Maurício que cobriu o rosto gritando por socorro. Saturnino, seu pai, chegou rápido com outros irmãos para acudi-lo, e ele apontava á porteira relatando ter visto um gigante, mas não havia nada mais.
Estes três relatos (cujos nomes são fictícios) foram contados pelas pessoas que os presenciaram e não há documentação ou outras testemunhas fora da família. Assim sendo, prescindem de observações mais argutas para o seu entendimento.
Vamos lembrar que estamos falando de pequenas propriedades rurais no interior de Minas Gerais com atividades de subsistência e produção de bens de consumo de modo artesanal, como sabão, onde não havia luz elétrica, rede de esgoto ou qualquer conforto moderno; ou seja, locais que praticamente viviam como nos séculos XIX e XVIII em plena década de 1940.  O mesmo pode-se dizer nas relações de domínio dos “senhores da terra”; famílias que detinham poder político e econômico praticamente aos moldes feudais e isto se estendia ás relações familiares onde também prevalecia o mando do homem da casa. Portanto, os espaços á reivindicações de igualdade inexistiam e a repressão, tanto social como até mesmo sexual, fazia parte do cotidiano, aceito por imposição. Assim, poderíamos supor que o sobrenatural se constituísse numa espécie de via transgressora que escaparia ao mando das autoridades sociais e familiares, pois fantasmas não obedeceriam á ordens! É notável que as três narrativas sejam de crianças e mulheres, exatamente os mais subjulgados e reprimidos que assim poderiam se servir deste estratagema para pequenas transgressões á ordem estabelecida, não como meras mentiras, mas táticas de sobrevivência. Há outro ponto a destacar, pois uma das atividades daquela família era a produção de aguardente num alambique na propriedade; assim, experiências com o sobrenatural poderiam ter sido alucinações causadas pelo uso de bebida alcoólica, inclusive pelas crianças.
 Contudo, antes de se atribuir tais fenômenos apenas á fatores sociais ou delírios pela ingestão de cachaça, cumpre observar semelhanças com lendas do folclore brasileiro e á fatos relatados nos anais da parapsicologia.
No interior de São Paulo, há o mito do “cresce-míngua”, que surge na figura de dois homens pequenos que ficariam juntos ás porteiras nas estradas, e quando alguém se aproxima, aumentam de tamanho chegando a quase dez metros de altura, para depois desaparecerem. Não encontramos explicação para o mito que aparentemente apenas assusta as pessoas, mas a comparação com o relato do garoto Maurício é evidente. Sobre objetos que aumentariam de tamanho, a parapsicóloga Elsie Dubugras (São Paulo, 1904 – 2006) cita um caso ocorrido na Inglaterra em 1903, relatado numa revista de nome “Light”, onde fôrmas metálicas de assar pão pareciam mudar de tamanho. A princípio pensou-se que as diferenças nas dimensões se davam por erro de fabricação das mesmas, entretanto as variações ocorreriam á olhos vistos alternadamente em várias fôrmas. Observou-se que o fenômeno obedecia a certo padrão, pois elas aumentavam e depois começavam a diminuir de tamanho até sumirem. Um detalhe análogo dos casos da fazenda inglesa com a propriedade rural em Paiva, é que em ambas as situações, ocorreriam outros fenômenos sobrenaturais: na Inglaterra, eram passos e cânticos ecoando pela casa; em Minas, vultos e luzes misteriosas que apareciam na mata á noite.
O pesquisador Roger Laffororest  (já citado no conto “O Palacete Azul da Tijuca”) afirmava que alguns locais poderiam se tornar “locais maléficos”, ou caixas de ressonâncias das energias desprendidas pelo sofrimento, ódio, ira que se manifestaria à presença de um agente, ou médium, capaz de materializar imagens, sons, cheiros. Reportando Elsie Dubugras: a partir dos estudos de vários pesquisadores do tema, seria possível classificar os casos sobrenaturais em quatro categorias: efeitos auditivos; efeitos visuais; efeitos sensoriais e fenômenos objetivos e subjetivos. A propriedade rural em Paiva localizava-se numa área por onde passariam estradas vicinais utilizadas no contrabando de ouro no período colonial, e existiriam lendas sobre escravos que para preservar o segredo desta atividade, eram mortos e enterrados clandestinamente, o que, em tese, corroboraria a teoria da caixa de ressonância. E se pensarmos no padrão repressor fundiário, do mando exercido por um “coronel”, certamente com coerção e alguma violência, aquele lugar agregaria condições propícias á produção de “vórtices de energia”, como ira e ressentimentos, capazes de gerar fenômenos sobrenaturais na forma de efeitos visuais, sensoriais, auditivos, subjetivos e objetivos. Assim sendo, o pássaro não teria de fato crescido na gaiola do menino Jessé, mas tanto ele como sua mãe e irmã presenciou seu crescimento como uma a percepção visual que rompeu a gaiola no momento que ele a deixou cair. Não cresceram chifres reais na cabecinha do anu, mas o efeito visual foi percebido como real (lembrando que há muitos fenômenos relacionados á animais); e não haveria ninguém à porteira, mas o garoto Maurício viu a figura do homem crescer, talvez como a materialização de algum medo introjetado. E como estas imagens e sensações se manifestariam à presença de um agente, ou médium, haveria um ou muitos sensitivos na família do senhor Saturnino capazes de materializar imagens, sons e até sensações táteis lembrando também que a presença de adolescentes favorece a aparição de fenômenos poltergeist.
Hoje a propriedade está vazia, a casa foi demolida e não há mais relatos de fantasmas por lá, talvez porque, como foi observado por vários parapsicólogos, se não há agentes, ou médiuns, capazes de materializá-los, nada ocorre, ou porque, na condição de vórtices de energia, ou conjuntos de ondas que podem ou não estar no espectro da luz, cessada a energia que os alimenta, cessariam também as aparições. Mas ainda citando a pesquisadora Eleanor Sidgwick (Reino Unido, 1845 – 1936), é preciso cautela com formulações conclusivas sobre tais fenômenos, porque existiriam locais assombrados que excluem possibilidades de sugestão, alucinação, suposição ou desejo de ver fantasmas.

Referencias Bibliográficas.

A citação completa de Allan kardek é: “os espíritos que constituem o mundo invisível ao nosso redor têm corpo semelhante ao nosso, invisível e fluídico, o perispírito, que lhes permite percorrer o espaço e transpor distâncias com a rapidez do pensamento. Eles têm todas as percepções que possuíam na sua vida terrena e manifestam-se por pessoas dotadas de faculdades especiais para cada gênero de manifestação: os médiuns. Posto que invisíveis em estado normal, os espíritos podem fazer o perispírito sofrer uma modificação molecular que o torna tangível e visível. É assim que se produzem as aparições, ruídos, movimentos de matéria inerte etc. Enfim, os fenômenos são produzidos em virtude da lei que rege as relações entre o mundo visível e invisível, tão natural quanto ás da eletricidade, das gravitações, etc”. KARDEK, Allan, Revista Espírita, p. 105 – 112, 1864; citado por DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 21,  dezembro de 1984.
ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 98 – 105,  outubro de 1972.
DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15,  dezembro de 1984.
LAFFOREST, Roger, Casas que Matam, citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,  fevereiro de 1979.