sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

"...a garota atravessou a rua, passando pela calçada, e em instantes um vulto a seguiu."


Onze horas da noite e reinava o silêncio na pequena cidade mineira de Santa Rosa de Minas. No céu a lua cheia matizava os morros num tom prateado envelhecido enquanto três jovens conversavam: - Você entendeu tudo que tem que fazer Jana? – ela respondeu: - Sim André: vou passar na frente da casa dele e se dermos sorte ele vai me seguir. – Berto enfatizou: - Evidente que vai! Aí nós seguiremos vocês de longe e gravamos tudo! – mostrou seu celular enquanto André espiava: - Hoje está perfeito: nem uma alma viva na rua. Então Jana: vamos agir! – a garota olhou a casa amarela com luzes a janela, atravessou a rua e passou pela calçada pisando firme para fazer barulho e em instantes um vulto saiu pelo portão e a seguiu. – Beleza, ele mordeu a isca! – Falou André acionando o GPS que daria a exata localização de Jana e o homem misterioso. Os dois aguardam cinco minutos e saíram atrás deles.
Andaram alguns metros e uma mulher franzina de cabelos pretos e óculos se interpôs. Eles tentaram se esquivar, mas ela falou enérgica: - Parem! Meu nome é Ione e há dias venho manjando vocês se escondendo nas moitas da praça a noite. O que está acontecendo? – Berto respondeu: - Nada não dona, estamos a passeio aqui, só isso! – ela retrucou: - Ah, então vocês vieram nesse fim de mundo apenas pra passear, ou é para se drogar?  Sou da roça, mas não sou boba; comecem á se explicar ou vou chamar o delegado que mora logo ali na esquina! – os dois se assustaram e num impulso Berto segurou-a tapando-lhe a boca e a arrastaram para a praça. Então André falou: - Fica calma! Não somos malfeitores e nem maconheiros, somos investigadores! – ela olhou de lado: - De quê?... Da polícia?  - André respondeu: - Não!... A senhora já ouviu falar do YouTube?
- Claro que sim, eu não sou nenhuma mulher das cavernas, e daí?
- É que eu, Berto e Jana, temos um canal chamado “Rumo do Mistério” onde postamos vídeos de assombrações, monstros e outros fenômenos paranormais! Nós andamos pelas cidades de Minas a procura dessas lendas para postar no nosso canal, e soubemos que aqui tem um homem que se transforma em lobisomem nas noites de lua cheia, como esta. Então investigamos: o nome dele é Ranulfo Dias. A senhora o conhece?
- Sim, ele mora ali,... Mas, repito: e daí?
- Bem: a Jana acabou de passar na frente da sua casa, e ele a seguiu! A gente está só dando um tempinho aqui para segui-los e gravar a transformação dele... – ela os interrompeu: - Minha nossa, vocês são o quê; retardados ou doidos? Olhem bem a rua, é sexta-feira e está todo mundo trancado em casa, e vocês não adivinham por quê?
- É por que tá fazendo frio? – perguntou Berto.
- Não, panguá! É porque ninguém quer ser apanhado pelo lobisomem! Ranulfo foi o sétimo filho da família e normalmente já é um sujeito estranho, peludo e tão cabeludo que a franja lhe cai nos olhos, mas nas noites de lua cheia ele se transforma! Suas mãos viram patas com garras afiadas enquanto sua mandíbula e seus dentes aumentam. Ah, poucos viveram para contar o que viram; ele vira um monstro cuja única vontade é matar para se alimentar de carne fresca e sangue e aposto que amanhã vamos achar cavalos, vacas ou qualquer outro animal morto e estraçalhado pelo mato,... Espere,... A amiga de vocês serviu de chamariz?
- Sim senhora! Vamos segui-los,... – respondeu André. - Temos localização pelo GPS, e quando ele começar a transmutação, vamos gravar tudo! Deixamos um carro escondido e fugiremos...! - Ione os interrompeu, apavorada. – Vocês não ouviram o que eu falei? Com um só golpe ele mata os dois, a amiga de vocês corre muito perigo! Para aonde ela foi?
- Para uma estradinha que tem uma encruzilhada com poste de luz; escolhemos porque é claro e daria para gravar! – falou Berto assustado.
- Minha nossa, é a “Encruzilhada do Lobisomem” aonde ocorreram ataques á várias pessoas!... Os corpos foram encontrados aos pedaços!
- Vou avisá-la pelo celular,... Mas,... Tá sem sinal! – falou André, aflito.
- Isto é sinal que ele vai atacar isto sim! Mas não podemos perder tempo, temos que impedir que ela chegue à encruzilhada antes de encontrá-lo. Eu vou com vocês; tem um atalho pela mata! – e saíram correndo a fim de evitar o pior.
Enquanto isto Jana seguia pela estrada escura apenas com a lanterna do celular simulando uma caminhada normal como se procurasse um endereço. Antes não estava com medo, mas agora sozinha naquela estradinha desconhecida, a coisa se mostrava mais assustadora do que dava a antever. Então escutou gritos que ecoavam lúgubres na escuridão da noite, fazendo-a se apavorar. De repente, viu uma pessoa correndo pela estrada, era Berto que vinha na sua direção em pânico e gritando: - Corre Jana!... O lobisomem nos pegou!
Eles correram e ela perguntava: - cadê André?
- O monstro matou ele!... Corre! – haviam deixado o carro escondido atrás de um bambuzal antes da encruzilhada, mas quando chegaram a ele, Berto falou: - A chave do carro,... Cadê!
- Não tá com você?
- Oh, não!... – mexia nos bolsos: - Ficou com André! – Ouviu-se um uivo seguido de um rosnado e os dois correram pela estrada até chegarem à encruzilhada e pararem abaixo da luz azulada da lâmpada fixa no postinho de madeira roliça ladeado por cercas de arame farpado que se perdiam na escuridão. – E agora?... O que a gente faz?
- Não sei Jana!... – ele apanhou seu celular. – Merda, tá sem sinal!
- Me diz o que aconteceu Berto?
Ele tomou fôlego e contou: - Uma mulher da cidade avisou a gente do lobisomem, que era perigoso,... – pôs as mãos na testa em pânico: - Fomos uns idiotas achando que não tinha perigo!... A mulher veio com a gente e o lobisomem apareceu tentando atacá-la! André quis defendê-la, e o monstro matou ele com um só golpe, Jana! Aí eu saí correndo!... André morreu Jana!... – e chorou compulsivamente.
Mas não houve tempo dela responder nada, porque o lobisomem apareceu por trás do poste e atacou Berto, rasgando seu pescoço com unhas afiadas como navalhas espirrando jatos de sangue. Jana saltou para trás, caindo no meio da encruzilhada onde ficou paralisada ao ver o ultimo olhar de Berto tomado pelo pânico da morte. O lobisomem deitou seu corpo a beira da estrada, rasgando-lhe o peito, arrancando seu coração, devorando-o em dentadas frenéticas.
A moça sequer pôde gritar ante aquela cena horripilante, mas conseguiu identificar no chão um objeto que caiu do bolso da bermuda de Berto no arranco do ataque; era a chave do carro! Ela se esgueirou pelo chão, apanhando a chave para correr na direção do automóvel o mais rápido que pôde enquanto o lobisomem devorava as vísceras do rapaz; porém, ao vê-la fugir, ele rosnou, pois ainda não estava saciado. Então largou a carcaça ensanguentada e saiu em perseguição a Jana, que já apontava o controle que destravava e abria as portas do carro e entrou, mas o nervoso a fez deixar as chaves caírem no assoalho. Em desespero ela as procurou enquanto o lobisomem alcançou o carro, dando murros na lataria e rasgando a capota. Jana gritou na hora em que ele arrebentou o para brisa, arrancando-o num só golpe e viu aquele vulto gigantesco se debruçando sobre ela, que apenas posicionou suas mãozinhas alvas sobre a face ante ao trágico desfecho daquela aventura. Um arrepio lhe correu pelo corpo ao sentir que as garras do monstro lhe tocaram:
- Pare agora! – irrompeu uma voz: era Ranulfo que chegou. – Ela não! – o lobisomem rosnou com suas unhas afiadas já se encostando ao pescoço de Jana, que olhou o homem com franja ruiva lhe cobrindo a fronte enquanto ordenava. – Saia daí!... Agora! – ela sentiu um estranho fascínio pela sua figura enquanto o lobisomem erguia suas garras ao alto num uivo. Ranulfo dirigiu-se a Jana: – Saia daqui garota, rápido! – naquele instante ela encontrou as chaves, ligou o carro e falou: - Fuja também... Vem comigo!
Ele respondeu: - Não!... Vá embora!
O lobisomem rugiu e ela saiu em disparada, sem olhar para trás.
Semanas depois a polícia encontrou os corpos de André Simeon Fichel e Norberto Eisenmann, enterrados próximo à “Encruzilhada do Lobisomem” no município de Santa Rosa. Os jornais noticiavam o estado em que foram encontrados os cadáveres e a falta de pistas sobre o autor dos homicídios. A população garantia ter sido ataque de lobisomem e indicavam um vídeo que corria no YouTube, mostrando a transmutação de uma pessoa não identificada em lobisomem como prova do que diziam, mas as autoridades eram céticas quanto a estas “bobagens sobrenaturais” e acreditavam num latrocínio seguido de ocultação de cadáver.

Enquanto isto Jana conferia o número de acessos ao canal “Rumo do Mistério”, que chegava à incrível marca de quinhentos mil! Na condição de sobrevivente ao ataque de um lobisomem, sua agenda estava lotada de entrevistas, inclusive no exterior. Ela sentia pela morte de seus amigos, mas acreditava que a vida tinha que seguir.

Em Santa Rosa, Ione seguia pela calçada, calada e altiva como sempre. Jamais perdoaria Ranulfo por não tê-la deixado usufruir de sua caça. Era ela a sucessora do mito do lobisomem; uma mulher que se tornou loba por opção. – Idiota e romântico!... Ainda acabo com ele! – resmungava enquanto andava.

Na cidade Jana acabava de fechar o notebook enquanto acariciava a franja ruiva da sua nova paixão, que se transmutou para a gravação do vídeo só porque ela pediu.
Já planejavam uma viagem. Ele preferia Londres, e ela, Nova York!

Fim

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