“Posto
que invisíveis em estado normal, os espíritos podem sofrer uma modificação
molecular que o torna tangível e visível.”
Allan Kardek
Na década de 1940 na localidade de Paiva
(MG) num sítio chamado Santa Teresa, um menino de nome Jessé capturou um
passarinho coleiro numa arapuca e levou-o para dentro de casa. Sua mãe, dona Cristina
e sua irmã Marilda se aproximaram para ver enquanto Jessé colocou-o numa gaiola.
Então, subitamente o pássaro começou a crescer, assustando o garoto, que largou
a gaiola no chão, enquanto sua mãe e irmã faziam sinal da cruz. O coleiro
cresceu até o tamanho de uma galinha, batendo as asas e arrebentando as grades
de taquarinha de bambu, partindo a gaiola e libertando o pássaro que
imediatamente voltou ao tamanho normal e escapou pela porta aberta, deixando
Jessé, Marilda e Cristina abraçados e apavorados.
No mesmo sítio teriam ocorrido mais dois
episódios intrigantes:
Dona Cristina era lavadeira e estava
numa bica próxima á casa colocando roupas para coarar sobre arbustos, quando um
pássaro em voo defecou sobre uma peça de roupa estendida para secar. Ela
começou a praguejar proferindo palavrões e blasfêmias sob o olhar de dois
filhos, Maurício e Amaro, quando um anu (chamado também pássaro preto) pousado
num moirão de cerca começou a crescer chifres. Foi Maurício que apontou: - Mãe!
Olha ali! – ela quase caiu de susto enquanto viu os chifres crescendo na
cabecinha do pássaro fazendo mãe e filhos começar a rezar. Então o anu voou
para longe sem que vissem se os chifres sumiram.
De outra feita, Maurício voltava para o
sítio ao fim da tarde; era inverno e como casa ficava numa grota, escurecia
rápido. Quando se aproximou da porteira viu de longe um homem baixo parado
próximo aos moirões do “mata burro”; pareceu-lhe ser seu tio Custódio que tinha
pequena estatura, assim o cumprimentou. Mas quando se aproximou da porteira o
homem começou a crescer fazendo o garoto pensar que estivesse vendo coisas e
esfregar os olhos. Em instantes a estranha figura passava dos três metros de
altura, apavorando Maurício que cobriu o rosto gritando por socorro. Saturnino,
seu pai, chegou rápido com outros irmãos para acudi-lo, e ele apontava á
porteira relatando ter visto um gigante, mas não havia nada mais.
Estes três relatos (cujos nomes são
fictícios) foram contados pelas pessoas que os presenciaram e não há
documentação ou outras testemunhas fora da família. Assim sendo, prescindem de
observações mais argutas para o seu entendimento.
Vamos lembrar que estamos falando de
pequenas propriedades rurais no interior de Minas Gerais com atividades de
subsistência e produção de bens de consumo de modo artesanal, como sabão, onde
não havia luz elétrica, rede de esgoto ou qualquer conforto moderno; ou seja,
locais que praticamente viviam como nos séculos XIX e XVIII em plena década de
1940. O mesmo pode-se dizer nas relações
de domínio dos “senhores da terra”; famílias que detinham poder político e
econômico praticamente aos moldes feudais e isto se estendia ás relações
familiares onde também prevalecia o mando do homem da casa. Portanto, os espaços
á reivindicações de igualdade inexistiam e a repressão, tanto social como até
mesmo sexual, fazia parte do cotidiano, aceito por imposição. Assim, poderíamos
supor que o sobrenatural se constituísse numa espécie de via transgressora que
escaparia ao mando das autoridades sociais e familiares, pois fantasmas não
obedeceriam á ordens! É notável que as três narrativas sejam de crianças e
mulheres, exatamente os mais subjulgados e reprimidos que assim poderiam se
servir deste estratagema para pequenas transgressões á ordem estabelecida, não
como meras mentiras, mas táticas de sobrevivência. Há outro ponto a destacar,
pois uma das atividades daquela família era a produção de aguardente num
alambique na propriedade; assim, experiências com o sobrenatural poderiam ter
sido alucinações causadas pelo uso de bebida alcoólica, inclusive pelas
crianças.
Contudo,
antes de se atribuir tais fenômenos apenas á fatores sociais ou delírios pela
ingestão de cachaça, cumpre observar semelhanças com lendas do folclore
brasileiro e á fatos relatados nos anais da parapsicologia.
No interior de São Paulo, há o mito do
“cresce-míngua”, que surge na figura de dois homens pequenos que ficariam
juntos ás porteiras nas estradas, e quando alguém se aproxima, aumentam de
tamanho chegando a quase dez metros de altura, para depois desaparecerem. Não
encontramos explicação para o mito que aparentemente apenas assusta as pessoas,
mas a comparação com o relato do garoto Maurício é evidente. Sobre objetos que
aumentariam de tamanho, a parapsicóloga Elsie Dubugras (São Paulo, 1904 – 2006)
cita um caso ocorrido na Inglaterra em 1903, relatado numa revista de nome
“Light”, onde fôrmas metálicas de assar pão pareciam mudar de tamanho. A princípio
pensou-se que as diferenças nas dimensões se davam por erro de fabricação das
mesmas, entretanto as variações ocorreriam á olhos vistos alternadamente em
várias fôrmas. Observou-se que o fenômeno obedecia a certo padrão, pois elas
aumentavam e depois começavam a diminuir de tamanho até sumirem. Um detalhe
análogo dos casos da fazenda inglesa com a propriedade rural em Paiva, é que em
ambas as situações, ocorreriam outros fenômenos sobrenaturais: na Inglaterra,
eram passos e cânticos ecoando pela casa; em Minas, vultos e luzes misteriosas que
apareciam na mata á noite.
O pesquisador Roger Laffororest (já citado no conto “O Palacete Azul da Tijuca”) afirmava
que alguns locais poderiam se tornar “locais maléficos”, ou caixas de
ressonâncias das energias desprendidas pelo sofrimento, ódio, ira que se
manifestaria à presença de um agente, ou médium, capaz de materializar imagens,
sons, cheiros. Reportando Elsie Dubugras: a partir dos estudos de vários
pesquisadores do tema, seria possível classificar os casos sobrenaturais em
quatro categorias: efeitos auditivos; efeitos visuais; efeitos sensoriais e
fenômenos objetivos e subjetivos. A propriedade rural em Paiva localizava-se
numa área por onde passariam estradas vicinais utilizadas no contrabando de ouro
no período colonial, e existiriam lendas sobre escravos que para preservar o
segredo desta atividade, eram mortos e enterrados clandestinamente, o que, em
tese, corroboraria a teoria da caixa de ressonância. E se pensarmos no padrão
repressor fundiário, do mando exercido por um “coronel”, certamente com coerção
e alguma violência, aquele lugar agregaria condições propícias á produção de
“vórtices de energia”, como ira e ressentimentos, capazes de gerar fenômenos
sobrenaturais na forma de efeitos visuais, sensoriais, auditivos, subjetivos e
objetivos. Assim sendo, o pássaro não teria de fato crescido na gaiola do
menino Jessé, mas tanto ele como sua mãe e irmã presenciou seu crescimento como
uma a percepção visual que rompeu a gaiola no momento que ele a deixou cair.
Não cresceram chifres reais na cabecinha do anu, mas o efeito visual foi
percebido como real (lembrando que há muitos fenômenos relacionados á animais);
e não haveria ninguém à porteira, mas o garoto Maurício viu a figura do homem
crescer, talvez como a materialização de algum medo introjetado. E como estas
imagens e sensações se manifestariam à presença de um agente, ou médium,
haveria um ou muitos sensitivos na família do senhor Saturnino capazes de materializar
imagens, sons e até sensações táteis lembrando também que a presença de
adolescentes favorece a aparição de fenômenos poltergeist.
Hoje a propriedade está vazia, a casa
foi demolida e não há mais relatos de fantasmas por lá, talvez porque, como foi
observado por vários parapsicólogos, se não há agentes, ou médiuns, capazes de
materializá-los, nada ocorre, ou porque, na condição de vórtices de energia, ou
conjuntos de ondas que podem ou não estar no espectro da luz, cessada a energia
que os alimenta, cessariam também as aparições. Mas ainda citando a
pesquisadora Eleanor Sidgwick (Reino Unido, 1845 – 1936), é preciso cautela com
formulações conclusivas sobre tais fenômenos, porque existiriam locais
assombrados que excluem possibilidades de sugestão, alucinação, suposição ou
desejo de ver fantasmas.
Referencias Bibliográficas.
A citação completa de Allan kardek é: “os espíritos que constituem o mundo invisível
ao nosso redor têm corpo semelhante ao nosso, invisível e fluídico, o
perispírito, que lhes permite percorrer o espaço e transpor distâncias com a
rapidez do pensamento. Eles têm todas as percepções que possuíam na sua vida
terrena e manifestam-se por pessoas dotadas de faculdades especiais para cada
gênero de manifestação: os médiuns. Posto que invisíveis em estado normal, os
espíritos podem fazer o perispírito sofrer uma modificação molecular que o torna
tangível e visível. É assim que se produzem as aparições, ruídos, movimentos de
matéria inerte etc. Enfim, os fenômenos são produzidos em virtude da lei que
rege as relações entre o mundo visível e invisível, tão natural quanto ás da
eletricidade, das gravitações, etc”. KARDEK, Allan, Revista Espírita, p.
105 – 112, 1864; citado por DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras
do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda.,
numero 147/-A, p. 21, dezembro de 1984.
ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos
fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 98 –
105, outubro de 1972.
DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas,
Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,
dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley
House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de
Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09, dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons Paranormais,
Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15,
dezembro de 1984.
LAFFOREST, Roger, Casas que Matam,
citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições
antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,
fevereiro de 1979.
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