quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

"falamos de pequenas propriedades no interior de Minas Gerais onde se vivia em moldes praticamente feudais em pleno seculo XX"


“Posto que invisíveis em estado normal, os espíritos podem sofrer uma modificação molecular que o torna tangível e visível.”
                                                                                                                                        Allan Kardek

Na década de 1940 na localidade de Paiva (MG) num sítio chamado Santa Teresa, um menino de nome Jessé capturou um passarinho coleiro numa arapuca e levou-o para dentro de casa. Sua mãe, dona Cristina e sua irmã Marilda se aproximaram para ver enquanto Jessé colocou-o numa gaiola. Então, subitamente o pássaro começou a crescer, assustando o garoto, que largou a gaiola no chão, enquanto sua mãe e irmã faziam sinal da cruz. O coleiro cresceu até o tamanho de uma galinha, batendo as asas e arrebentando as grades de taquarinha de bambu, partindo a gaiola e libertando o pássaro que imediatamente voltou ao tamanho normal e escapou pela porta aberta, deixando Jessé, Marilda e Cristina abraçados e apavorados.
No mesmo sítio teriam ocorrido mais dois episódios intrigantes:
Dona Cristina era lavadeira e estava numa bica próxima á casa colocando roupas para coarar sobre arbustos, quando um pássaro em voo defecou sobre uma peça de roupa estendida para secar. Ela começou a praguejar proferindo palavrões e blasfêmias sob o olhar de dois filhos, Maurício e Amaro, quando um anu (chamado também pássaro preto) pousado num moirão de cerca começou a crescer chifres. Foi Maurício que apontou: - Mãe! Olha ali! – ela quase caiu de susto enquanto viu os chifres crescendo na cabecinha do pássaro fazendo mãe e filhos começar a rezar. Então o anu voou para longe sem que vissem se os chifres sumiram.
De outra feita, Maurício voltava para o sítio ao fim da tarde; era inverno e como casa ficava numa grota, escurecia rápido. Quando se aproximou da porteira viu de longe um homem baixo parado próximo aos moirões do “mata burro”; pareceu-lhe ser seu tio Custódio que tinha pequena estatura, assim o cumprimentou. Mas quando se aproximou da porteira o homem começou a crescer fazendo o garoto pensar que estivesse vendo coisas e esfregar os olhos. Em instantes a estranha figura passava dos três metros de altura, apavorando Maurício que cobriu o rosto gritando por socorro. Saturnino, seu pai, chegou rápido com outros irmãos para acudi-lo, e ele apontava á porteira relatando ter visto um gigante, mas não havia nada mais.
Estes três relatos (cujos nomes são fictícios) foram contados pelas pessoas que os presenciaram e não há documentação ou outras testemunhas fora da família. Assim sendo, prescindem de observações mais argutas para o seu entendimento.
Vamos lembrar que estamos falando de pequenas propriedades rurais no interior de Minas Gerais com atividades de subsistência e produção de bens de consumo de modo artesanal, como sabão, onde não havia luz elétrica, rede de esgoto ou qualquer conforto moderno; ou seja, locais que praticamente viviam como nos séculos XIX e XVIII em plena década de 1940.  O mesmo pode-se dizer nas relações de domínio dos “senhores da terra”; famílias que detinham poder político e econômico praticamente aos moldes feudais e isto se estendia ás relações familiares onde também prevalecia o mando do homem da casa. Portanto, os espaços á reivindicações de igualdade inexistiam e a repressão, tanto social como até mesmo sexual, fazia parte do cotidiano, aceito por imposição. Assim, poderíamos supor que o sobrenatural se constituísse numa espécie de via transgressora que escaparia ao mando das autoridades sociais e familiares, pois fantasmas não obedeceriam á ordens! É notável que as três narrativas sejam de crianças e mulheres, exatamente os mais subjulgados e reprimidos que assim poderiam se servir deste estratagema para pequenas transgressões á ordem estabelecida, não como meras mentiras, mas táticas de sobrevivência. Há outro ponto a destacar, pois uma das atividades daquela família era a produção de aguardente num alambique na propriedade; assim, experiências com o sobrenatural poderiam ter sido alucinações causadas pelo uso de bebida alcoólica, inclusive pelas crianças.
 Contudo, antes de se atribuir tais fenômenos apenas á fatores sociais ou delírios pela ingestão de cachaça, cumpre observar semelhanças com lendas do folclore brasileiro e á fatos relatados nos anais da parapsicologia.
No interior de São Paulo, há o mito do “cresce-míngua”, que surge na figura de dois homens pequenos que ficariam juntos ás porteiras nas estradas, e quando alguém se aproxima, aumentam de tamanho chegando a quase dez metros de altura, para depois desaparecerem. Não encontramos explicação para o mito que aparentemente apenas assusta as pessoas, mas a comparação com o relato do garoto Maurício é evidente. Sobre objetos que aumentariam de tamanho, a parapsicóloga Elsie Dubugras (São Paulo, 1904 – 2006) cita um caso ocorrido na Inglaterra em 1903, relatado numa revista de nome “Light”, onde fôrmas metálicas de assar pão pareciam mudar de tamanho. A princípio pensou-se que as diferenças nas dimensões se davam por erro de fabricação das mesmas, entretanto as variações ocorreriam á olhos vistos alternadamente em várias fôrmas. Observou-se que o fenômeno obedecia a certo padrão, pois elas aumentavam e depois começavam a diminuir de tamanho até sumirem. Um detalhe análogo dos casos da fazenda inglesa com a propriedade rural em Paiva, é que em ambas as situações, ocorreriam outros fenômenos sobrenaturais: na Inglaterra, eram passos e cânticos ecoando pela casa; em Minas, vultos e luzes misteriosas que apareciam na mata á noite.
O pesquisador Roger Laffororest  (já citado no conto “O Palacete Azul da Tijuca”) afirmava que alguns locais poderiam se tornar “locais maléficos”, ou caixas de ressonâncias das energias desprendidas pelo sofrimento, ódio, ira que se manifestaria à presença de um agente, ou médium, capaz de materializar imagens, sons, cheiros. Reportando Elsie Dubugras: a partir dos estudos de vários pesquisadores do tema, seria possível classificar os casos sobrenaturais em quatro categorias: efeitos auditivos; efeitos visuais; efeitos sensoriais e fenômenos objetivos e subjetivos. A propriedade rural em Paiva localizava-se numa área por onde passariam estradas vicinais utilizadas no contrabando de ouro no período colonial, e existiriam lendas sobre escravos que para preservar o segredo desta atividade, eram mortos e enterrados clandestinamente, o que, em tese, corroboraria a teoria da caixa de ressonância. E se pensarmos no padrão repressor fundiário, do mando exercido por um “coronel”, certamente com coerção e alguma violência, aquele lugar agregaria condições propícias á produção de “vórtices de energia”, como ira e ressentimentos, capazes de gerar fenômenos sobrenaturais na forma de efeitos visuais, sensoriais, auditivos, subjetivos e objetivos. Assim sendo, o pássaro não teria de fato crescido na gaiola do menino Jessé, mas tanto ele como sua mãe e irmã presenciou seu crescimento como uma a percepção visual que rompeu a gaiola no momento que ele a deixou cair. Não cresceram chifres reais na cabecinha do anu, mas o efeito visual foi percebido como real (lembrando que há muitos fenômenos relacionados á animais); e não haveria ninguém à porteira, mas o garoto Maurício viu a figura do homem crescer, talvez como a materialização de algum medo introjetado. E como estas imagens e sensações se manifestariam à presença de um agente, ou médium, haveria um ou muitos sensitivos na família do senhor Saturnino capazes de materializar imagens, sons e até sensações táteis lembrando também que a presença de adolescentes favorece a aparição de fenômenos poltergeist.
Hoje a propriedade está vazia, a casa foi demolida e não há mais relatos de fantasmas por lá, talvez porque, como foi observado por vários parapsicólogos, se não há agentes, ou médiuns, capazes de materializá-los, nada ocorre, ou porque, na condição de vórtices de energia, ou conjuntos de ondas que podem ou não estar no espectro da luz, cessada a energia que os alimenta, cessariam também as aparições. Mas ainda citando a pesquisadora Eleanor Sidgwick (Reino Unido, 1845 – 1936), é preciso cautela com formulações conclusivas sobre tais fenômenos, porque existiriam locais assombrados que excluem possibilidades de sugestão, alucinação, suposição ou desejo de ver fantasmas.

Referencias Bibliográficas.

A citação completa de Allan kardek é: “os espíritos que constituem o mundo invisível ao nosso redor têm corpo semelhante ao nosso, invisível e fluídico, o perispírito, que lhes permite percorrer o espaço e transpor distâncias com a rapidez do pensamento. Eles têm todas as percepções que possuíam na sua vida terrena e manifestam-se por pessoas dotadas de faculdades especiais para cada gênero de manifestação: os médiuns. Posto que invisíveis em estado normal, os espíritos podem fazer o perispírito sofrer uma modificação molecular que o torna tangível e visível. É assim que se produzem as aparições, ruídos, movimentos de matéria inerte etc. Enfim, os fenômenos são produzidos em virtude da lei que rege as relações entre o mundo visível e invisível, tão natural quanto ás da eletricidade, das gravitações, etc”. KARDEK, Allan, Revista Espírita, p. 105 – 112, 1864; citado por DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 21,  dezembro de 1984.
ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 98 – 105,  outubro de 1972.
DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15,  dezembro de 1984.
LAFFOREST, Roger, Casas que Matam, citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,  fevereiro de 1979.

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