Quinto
Capítulo (Final): Um Novo Retrato.
-
Não!
Jonathan gritou
ao dar um salto.
Teve ímpeto de correr; estava confuso com suas mãos na cabeça e andou de um lado ao outro até identificar a sala da sua casa. Sua mãe entrou perguntando: - Que susto! Eu ouvi um grito!
Teve ímpeto de correr; estava confuso com suas mãos na cabeça e andou de um lado ao outro até identificar a sala da sua casa. Sua mãe entrou perguntando: - Que susto! Eu ouvi um grito!
-
Fui eu mãe,... Acho que tive um pesadelo; sonhei com,... – ia falar o nome do
irmão, mas se conteve. -... Deixe para lá mãe. Foi só bobagem. - ele reparou em
algo: - A senhora pintou os cabelos?
Arrumando-os:
- Claro! Você não acha que eu iria chegar lá com os cabelos que nem uma bruxa?
-
Se a senhora já voltou da cabeleireira, quantas horas? – olhou seu relógio: - Minha
nossa, são mais de 15 horas, estou atrasadíssimo; Ramone vai me matar! –
apanhou seu celular, e não havia nenhuma mensagem chamando-o á filmagem.
-
Que foi Joni
-
Eu tinha uma filmagem hoje á tarde e perdi a hora deitado neste sofá!... -
olhou na direção de dona Adélia e não viu o retrato de Isaque na parede: - Uai,
cadê o retrato?
-
Ah,... Deu cupim na moldura e tive que tirar. Mas fiz com todo cuidado para não
te acordar. Que hora é a filmagem?
Ele
deu de ombros: - A esta altura já deve ter começado. Mas,... Como fizeram sem
mim se o carro antigo está comigo?
-
Então é por isto que tem um carro velho parado aí na porta?
-
Sim! É um Volkswagen 1600 quatro portas. É filme de época, e a filmagem será na
Avenida Getúlio Vargas.
Ela
espiou e resmungou: - Não parece esse carro; ah, mas não conheço nada de carro,... Depois da filmagem,
livre-se dele! Isto me trouxe uma espécie de lembrança ruim. – Ela abaixou a
cabeça: - Eu nunca vou esquecer aquele dia: eu e seu pai estávamos nesta mesma
sala e o telefone tocou,... O mundo desmoronou para mim. Meu Deus; era tão
alegre e cheia de vida. - Jonathan se impressionou, pois sua mãe repetia as
mesmas palavras e ações da outra vez. – Espere,... Outra vez do quê? – ela o
ouviu: - O que você falou Joni? – ele se lembrava do restante do diálogo,
quando fez cobranças de afeto á mãe. E decidiu que não faria isto, respondendo:
- Só pensei alto!
Adélia
suspirou e disse: - Aquele foi o dia mais triste da minha vida. Bem, vou ao
quarto vestir minha roupa. – e saiu.
Jonathan
ficou um tempo meio perdido. Buscou novamente o celular para tentar falar com
Ramone, mas não atendia. Isso era mau sinal: significava que o diretor ficou
tão furioso que, possivelmente arranjou outro ator. Então chegou á janela e
teve uma surpresa: o carro estacionado na frente da casa não era o Volks 1600,
mas um velho Passat. – Ah meu Deus! – correu
até a calçada olhando para os lados constatando o roubo do carro; ainda mais
aquele que nem lhe pertencia e era uma raridade! Precisava comunicar á Ramone
imediatamente usando o telefone fixo, já que não conseguia com o celular. Voltou
á casa antevendo todo o aborrecimento que isto lhe causaria. Então viu
guimbas de cigarro perto da soleira da porta. Na verdade, havia cheiro de
cigarro dentro de casa.
-
Espere,... Isto já aconteceu!... O sumiço do carro, as pontas de cigarro na
porta,... – pôs as mãos na cabeça. – Oh não!... Não deu certo?... Mas mamãe
está aqui! Ou não?
Jonathan
correu ao quarto de Adélia, que estava escolhendo um vestido no guarda roupa.
Confuso,
voltou á sala; os enredos pareciam misturados. Então escutou alguém falando no
lado de fora: - Ei, abram a porta! Estou com as mãos ocupadas. – Jonathan a
abriu e um homem entrou carregando uma moldura que lhe tapava o rosto: - Dei
sorte de encontrar uma no shopping! – ainda de costas ele a desembrulhou e
pendurou-a acima do console: era o retrato de Isaque junto aos pais: - Pronto,
ficou prefeito! – e se virou: - Porra Joni; você é imprestável mesmo! Custava
trocar a moldura do retrato?
Jonathan
ficou perplexo: era Isaque com a franja caindo na testa, que perguntou: – Por
que está me olhando espantado?
-
Você está aqui,...
-
Sim, estou! Eu moro aqui, esqueceu?
-
Mas eu também estou aqui,...
Isaque
afastou o cabelo dos olhos e disse: - Joni: tu por acaso andou fumando uma
larica?... Isso é o que dá ficar andando com essa turma de cinema: é tudo
maconheiro!
Adélia
entrou e disse: - Pare de implicar com Joni e deixe-me ver o retrato. Ah,...
Ficou ótimo!
Ele
nem sabia o que dizer quando seu celular tocou: era Ramone que falou: – Vi que
você me ligou.
-
Sim, eu estou atrasado para a filmagem, estou indo voado para aí!
-
Oh,... Relaxe; devo ter esquecido de te avisar! Eu resolvi adiar a filmagem na
Avenida Getúlio Vargas desta tarde. Descobri que hoje faz quarenta anos do
acidente citado no roteiro, que é baseado num fato real. Não sou supersticioso,
mas achei que seria de mau agouro reencenar logo hoje. Os espíritos poderiam se
zangar! – Jonathan ficou intrigado e perguntou: – Mas não é só uma lenda urbana?
– ele respondeu: - A parte do fantasma sim, mas o acidente foi real. A gente
pesquisou nos arquivos da polícia e descobrimos o boletim de ocorrência datado
de 05 de outubro de 1978, exatamente á quarenta anos.
-
Você tem este boletim? – perguntou ansioso.
-
Sim, ele é bem preciso. Você quer ver, está digitalizado. –
Mais
ansioso: - Por favor, Ramone, envie-o para mim, com urgência!... É só
curiosidade. - ocorreu uma pausa e Ramone respondeu: – Pronto, enviei! Adiei a
filmagem para domingo que vem. Por hora pode guardar o Passat. Ok? – Jonathan
concordou, despediram-se e desligou o telefone já com o notebook nas mãos,
abrindo seus e-mails. Lá estava o boletim num papel amarelado. Suas mãos até
tremiam quando começou a ler: - “O
acidente ocorreu ás 15 horas e 25 minutos na esquina da Rua São João Nepomuceno
e Avenida Presidente Getúlio Vargas em frente ao numero 200 da mesma. Segundo
testemunhas, um auto marca Ford Maverick ano 1978, cor preta, placa DA-5540,
conduzido por José Maria dos Santos, 24 anos, residente nesta cidade, vinha em
alta velocidade pela avenida e colidiu na traseira do táxi marca Volkswagen
1600 ano 1971 cor vermelha placa DB-3311 conduzido por Joffrey Hemerick de 62 anos, residente
nesta cidade, que capotou atingindo Eudóxia Ebenézer Costa, 54 anos, residente
nesta cidade, e ferindo o menor Isaque Ebenézer Silva Costa, 10 anos, sobrinho
dela e residente nesta cidade. A senhora Eudóxia e o motorista do táxi vieram á
óbito no local. O garoto e o motorista do Maverick foram encaminhados á Santa Casa...” - havia mais descrições da ocorrência e era muito estranho
ler aquilo. Sua mãe perguntou: - Vai ou não ter filmagem hoje?
-
Não vai mais.
-
Você vai conosco á missa em memória de sua tia Eudóxia?
-
Acho que não mãe. Vou dar uma estudada no script.
Ela
se virou á Isaque dizendo. – Então iremos apenas nós dois Isaque. Depois vamos
ao aniversário de seu primo Helinho; ele convidou.
Isaque
fez um muxoxo: - Eu não estou com vontade de ir. O Helinho não me curte e eu
muito menos á ele! Vou ficar sem lugar.
-
Não diga bobagens Isaque. Ele gosta de você, faz questão da sua presença!
-
Está bem mãe. Mas vou só para agradar a senhora! – falou e seguiu ao banheiro.
Então Jonathan pôde ver o retrato por inteiro: Isaque segurava um bebê. Ele até
aproximou para ver; Adélia notou e disse: - É você, eu, seu pai e Isaque no dia
que voltamos do hospital. Seu irmão fez questão de segurá-lo nos braços para a
foto Joni.
-
É mesmo?... Ás vezes eu acho que ele não gosta de mim.
Ela
suspirou e disse: - Você sabe que seu irmão é complicado. – aproximou-se: -
Temos que ajudá-lo a não voltar ao vício da cocaína. O psiquiatra está
esperançoso que agora, depois desta internação, ele vai conseguir ficar longe
das drogas.
-
Sim, eu também espero. – Por um instante Jonathan estranhou ter lembranças do
seu irmão mais velho problemático que lhe batia em criança, envolveu-se com
drogas, precisando ser internado várias vezes para desintoxicações. – Então é
assim que a vida seria? – pensou.
Adélia
cochichou: - Isaque está voltando, vamos mudar a conversa!
-
Pronto. Estou arrumadinho para a festa do primo e até coloquei perfume!
-
Ótimo. Espere-me um pouco que vou a banheiro antes de sairmos! – ela saiu
deixando-os sozinhos e sempre que isto ocorria os irmãos não conversavam.
Isaque sentou no sofá, buscou um cigarro e o acendeu; então olhou Jonathan e
disse: - Sente aqui do meu lado,... Não se preocupe: eu estou limpo!
Jonathan
sentou. Isaque era um homem grande, maior do que ele e isto o intimidava. Após uma tragada, ele falou: - Eu ouvi você
falando ao telefone sobre algo que ia acontecer hoje; uma filmagem, né?
-
Sim; mas foi adiada para semana que vem.
Ele
apagou o cigarro num cinzeiro e prosseguiu. – Avenida Getulio Vargas, dia 08 de
agosto. Foi há quarenta anos, mas é como se fosse hoje. Tia Eudóxia me
arrastando para o aniversário do Helinho, que eu não queria ir de jeito nenhum!
Eu não gostava dele; achava-o riquinho e metido. – riso: - Rico ele era,... E
ainda é. – abanou a cabeça: - Eu tinha tanta inveja dele, e não queria ir para
não ver aquele montão de brinquedos que ele tinha, enquanto nosso pai mal podia
me dar uma bicicleta no Natal! – Jonathan olhava-o, intrigado, enquanto
prosseguia: - Quando nós estávamos na esquina da avenida com a Rua São João,
eu,... – fez uma pausa e soltou o ar num espécie de desabafo: -... Eu quis que
ela morresse,... Imaginei que se a empurrasse á rua, ela seria atropelada.
Então escutei o barulho do acidente; o carro vermelho veio capotando e nos
atingiu. – ele fitava o vazio com olhos vermelhos. – Eu vi a tia Eudóxia morrer
na mesma hora que quis vê-la morta!... Mas não era de verdade, entende Joni?
Era coisa de criança!
-
Ora Isaque,... Você não teve culpa.
-
Não é questão de culpa Joni!... A partir daquele dia, eu vi que,... Que eu era
mau. Não um menino apenas mau, mas alguém desprezível! Eu fiz papai sofrer
muito com minhas bebedeiras, e outras coisas que você sabe. – apontou a foto: -
Aquele dia quando você veio para esta casa, um bebê que segurei nos braços para
a foto; eu percebi que tinha sido uma decepção como filho. Nossos pais se esforçaram
para concebê-lo Joni. Foi uma gravidez difícil, e nem precisavam, pois já
tinham a mim!... Mas eu não era bom o bastante. Você veio para ocupar o lugar
que eu não consegui Joni. Por isto eu te sacaneava tanto!... – abaixou a
cabeça, buscou o maço de cigarros e ia acender um quando Jonathan o impediu: -
Espere Isaque. – ocorreu uma pausa: - Eu não convivi o suficiente com nosso pai
para poder conhecê-lo bem, mas lembro-me do carinho que ele dedicava a você. E
a mamãe te ama muito,... Confesso que sentia ciúmes disto.
-
Corta esta Joni; você era o príncipe da casa!... Enquanto eu? Pfuuu!... – riso.
-
Preste atenção Isaque: ás vezes a vida é generosa e nos dá uma segunda chance
de corrigir trajetórias. De alterar o passado para consertar o futuro!
-
Eu héim, Joni? Eu que sou o noiado da família e é você que delira?
Riso:
- Isso tá parecendo papo de doido né?
-
Total, mano! Mas eu tô curtindo essa nossa prosa. Acho que nunca sentamos lado
a lado para conversarmos assim.
-
É a nossa segunda chance!
Adélia
voltava e Isaque sussurrou: - Vamos parar senão mamãe vai achar que demos “um
tapinha”! – levantou-se: - Podemos ir mãe?
Ela
pegou a bolsa e uma sacola: - Sim! Comprei o meu presente e o seu para Helinho!
-
O-oh! O que é; um relógio Rolex? Para quem tem tudo, está até pouco!
-
Sem gracinhas Isaque! – olhou Jonathan. – Você vai á festa?
-
Mais tarde mamãe!
Ela
beijou-lhe a face e saiu. Isaque olhou-o e falou. – Olhaí irmãozinho!... Não
acostuma não, héim? – e sorriu largo antes de sair fechando a porta.
Jonathan
abanou a cabeça sorrindo e falou: - Uma segunda chance!... A vida então é assim
agora. – e buscou o roteiro:
“Sempre ás 15:25.
- Em 1978 um motorista de taxi chamado
Messias, que possuía um automóvel Volkswagen Passat quatro portas, vermelho,
seguia pela Avenida Getúlio Vargas e havia um tumulto próximo a Rua São João...”
Enquanto isto noutro lugar da cidade, num ponto de táxi o motorista não percebeu que alguém entrou no seu Toyota Etios e continuou no celular até sentir uma batida no ombro. Ao olhar para trás, viu uma mulher que o cutucava com um leque enquanto dizia:
Enquanto isto noutro lugar da cidade, num ponto de táxi o motorista não percebeu que alguém entrou no seu Toyota Etios e continuou no celular até sentir uma batida no ombro. Ao olhar para trás, viu uma mulher que o cutucava com um leque enquanto dizia:
-
Vamos á Praça das Caveiras, motorista!... E não me venha dizer que o nome da
bendita Praça é Praça da República, porque todo mundo a conhece mesmo por Praça
das Caveiras! – o rapaz olhava-a. Ela retrucou: - Vamos, ou vou perder a festa!
-
Sim senhora! – ele olhou seu relógio. Era precisamente 15hs25min...
Fim
Excelente!!!!
ResponderExcluirObrigado! É uma fabula sobre escolhas.
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