sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O FILHO PRÓDIGO. CAPITULO FINAL!



Quinto Capítulo (Final): Um Novo Retrato.

- Não!
Jonathan gritou ao dar um salto.       
Teve ímpeto de correr; estava confuso com suas mãos na cabeça e andou de um lado ao outro até identificar a sala da sua casa. Sua mãe entrou perguntando: - Que susto! Eu ouvi um grito!
- Fui eu mãe,... Acho que tive um pesadelo; sonhei com,... – ia falar o nome do irmão, mas se conteve. -... Deixe para lá mãe. Foi só bobagem. - ele reparou em algo: - A senhora pintou os cabelos?
Arrumando-os: - Claro! Você não acha que eu iria chegar lá com os cabelos que nem uma bruxa?
- Se a senhora já voltou da cabeleireira, quantas horas? – olhou seu relógio: - Minha nossa, são mais de 15 horas, estou atrasadíssimo; Ramone vai me matar! – apanhou seu celular, e não havia nenhuma mensagem chamando-o á filmagem.
- Que foi Joni
- Eu tinha uma filmagem hoje á tarde e perdi a hora deitado neste sofá!... - olhou na direção de dona Adélia e não viu o retrato de Isaque na parede: - Uai, cadê o retrato?
- Ah,... Deu cupim na moldura e tive que tirar. Mas fiz com todo cuidado para não te acordar. Que hora é a filmagem?
Ele deu de ombros: - A esta altura já deve ter começado. Mas,... Como fizeram sem mim se o carro antigo está comigo?
- Então é por isto que tem um carro velho parado aí na porta?
- Sim! É um Volkswagen 1600 quatro portas. É filme de época, e a filmagem será na Avenida Getúlio Vargas.
Ela espiou e resmungou: - Não parece esse carro; ah, mas não conheço nada de carro,... Depois da filmagem, livre-se dele! Isto me trouxe uma espécie de lembrança ruim. – Ela abaixou a cabeça: - Eu nunca vou esquecer aquele dia: eu e seu pai estávamos nesta mesma sala e o telefone tocou,... O mundo desmoronou para mim. Meu Deus; era tão alegre e cheia de vida. - Jonathan se impressionou, pois sua mãe repetia as mesmas palavras e ações da outra vez. – Espere,... Outra vez do quê? – ela o ouviu: - O que você falou Joni? – ele se lembrava do restante do diálogo, quando fez cobranças de afeto á mãe. E decidiu que não faria isto, respondendo: - Só pensei alto!
Adélia suspirou e disse: - Aquele foi o dia mais triste da minha vida. Bem, vou ao quarto vestir minha roupa. – e saiu.
Jonathan ficou um tempo meio perdido. Buscou novamente o celular para tentar falar com Ramone, mas não atendia. Isso era mau sinal: significava que o diretor ficou tão furioso que, possivelmente arranjou outro ator. Então chegou á janela e teve uma surpresa: o carro estacionado na frente da casa não era o Volks 1600, mas um velho  Passat. – Ah meu Deus! – correu até a calçada olhando para os lados constatando o roubo do carro; ainda mais aquele que nem lhe pertencia e era uma raridade! Precisava comunicar á Ramone imediatamente usando o telefone fixo, já que não conseguia com o celular. Voltou á casa antevendo todo o aborrecimento que isto lhe causaria. Então viu guimbas de cigarro perto da soleira da porta. Na verdade, havia cheiro de cigarro dentro de casa.
- Espere,... Isto já aconteceu!... O sumiço do carro, as pontas de cigarro na porta,... – pôs as mãos na cabeça. – Oh não!... Não deu certo?... Mas mamãe está aqui! Ou não?
Jonathan correu ao quarto de Adélia, que estava escolhendo um vestido no guarda roupa.
Confuso, voltou á sala; os enredos pareciam misturados. Então escutou alguém falando no lado de fora: - Ei, abram a porta! Estou com as mãos ocupadas. – Jonathan a abriu e um homem entrou carregando uma moldura que lhe tapava o rosto: - Dei sorte de encontrar uma no shopping! – ainda de costas ele a desembrulhou e pendurou-a acima do console: era o retrato de Isaque junto aos pais: - Pronto, ficou prefeito! – e se virou: - Porra Joni; você é imprestável mesmo! Custava trocar a moldura do retrato?
Jonathan ficou perplexo: era Isaque com a franja caindo na testa, que perguntou: – Por que está me olhando espantado?
- Você está aqui,...
- Sim, estou! Eu moro aqui, esqueceu?
- Mas eu também estou aqui,...
Isaque afastou o cabelo dos olhos e disse: - Joni: tu por acaso andou fumando uma larica?... Isso é o que dá ficar andando com essa turma de cinema: é tudo maconheiro!
Adélia entrou e disse: - Pare de implicar com Joni e deixe-me ver o retrato. Ah,... Ficou ótimo!
Ele nem sabia o que dizer quando seu celular tocou: era Ramone que falou: – Vi que você me ligou.
- Sim, eu estou atrasado para a filmagem, estou indo voado para aí!
- Oh,... Relaxe; devo ter esquecido de te avisar! Eu resolvi adiar a filmagem na Avenida Getúlio Vargas desta tarde. Descobri que hoje faz quarenta anos do acidente citado no roteiro, que é baseado num fato real. Não sou supersticioso, mas achei que seria de mau agouro reencenar logo hoje. Os espíritos poderiam se zangar! – Jonathan ficou intrigado e perguntou: – Mas não é só uma lenda urbana? – ele respondeu: - A parte do fantasma sim, mas o acidente foi real. A gente pesquisou nos arquivos da polícia e descobrimos o boletim de ocorrência datado de 05 de outubro de 1978, exatamente á quarenta anos.
- Você tem este boletim? – perguntou ansioso.
- Sim, ele é bem preciso. Você quer ver, está digitalizado. –
Mais ansioso: - Por favor, Ramone, envie-o para mim, com urgência!... É só curiosidade. - ocorreu uma pausa e Ramone respondeu: – Pronto, enviei! Adiei a filmagem para domingo que vem. Por hora pode guardar o Passat. Ok? – Jonathan concordou, despediram-se e desligou o telefone já com o notebook nas mãos, abrindo seus e-mails. Lá estava o boletim num papel amarelado. Suas mãos até tremiam quando começou a ler: - “O acidente ocorreu ás 15 horas e 25 minutos na esquina da Rua São João Nepomuceno e Avenida Presidente Getúlio Vargas em frente ao numero 200 da mesma. Segundo testemunhas, um auto marca Ford Maverick ano 1978, cor preta, placa DA-5540, conduzido por José Maria dos Santos, 24 anos, residente nesta cidade, vinha em alta velocidade pela avenida e colidiu na traseira do táxi marca Volkswagen 1600 ano 1971 cor vermelha placa DB-3311 conduzido por Joffrey Hemerick de 62 anos, residente nesta cidade, que capotou atingindo Eudóxia Ebenézer Costa, 54 anos, residente nesta cidade, e ferindo o menor Isaque Ebenézer Silva Costa, 10 anos, sobrinho dela e residente nesta cidade. A senhora Eudóxia e o motorista do táxi vieram á óbito no local. O garoto e o motorista do Maverick foram encaminhados á Santa Casa...” - havia mais descrições da ocorrência e era muito estranho ler aquilo. Sua mãe perguntou: - Vai ou não ter filmagem hoje?
- Não vai mais.
- Você vai conosco á missa em memória de sua tia Eudóxia?
- Acho que não mãe. Vou dar uma estudada no script.
Ela se virou á Isaque dizendo. – Então iremos apenas nós dois Isaque. Depois vamos ao aniversário de seu primo Helinho; ele convidou.
Isaque fez um muxoxo: - Eu não estou com vontade de ir. O Helinho não me curte e eu muito menos á ele! Vou ficar sem lugar.
- Não diga bobagens Isaque. Ele gosta de você, faz questão da sua presença!
- Está bem mãe. Mas vou só para agradar a senhora! – falou e seguiu ao banheiro. Então Jonathan pôde ver o retrato por inteiro: Isaque segurava um bebê. Ele até aproximou para ver; Adélia notou e disse: - É você, eu, seu pai e Isaque no dia que voltamos do hospital. Seu irmão fez questão de segurá-lo nos braços para a foto Joni.
- É mesmo?... Ás vezes eu acho que ele não gosta de mim.
Ela suspirou e disse: - Você sabe que seu irmão é complicado. – aproximou-se: - Temos que ajudá-lo a não voltar ao vício da cocaína. O psiquiatra está esperançoso que agora, depois desta internação, ele vai conseguir ficar longe das drogas.
- Sim, eu também espero. – Por um instante Jonathan estranhou ter lembranças do seu irmão mais velho problemático que lhe batia em criança, envolveu-se com drogas, precisando ser internado várias vezes para desintoxicações. – Então é assim que a vida seria? – pensou.
Adélia cochichou: - Isaque está voltando, vamos mudar a conversa!
- Pronto. Estou arrumadinho para a festa do primo e até coloquei perfume!
- Ótimo. Espere-me um pouco que vou a banheiro antes de sairmos! – ela saiu deixando-os sozinhos e sempre que isto ocorria os irmãos não conversavam. Isaque sentou no sofá, buscou um cigarro e o acendeu; então olhou Jonathan e disse: - Sente aqui do meu lado,... Não se preocupe: eu estou limpo!
Jonathan sentou. Isaque era um homem grande, maior do que ele e isto o intimidava.  Após uma tragada, ele falou: - Eu ouvi você falando ao telefone sobre algo que ia acontecer hoje; uma filmagem, né?
- Sim; mas foi adiada para semana que vem.
Ele apagou o cigarro num cinzeiro e prosseguiu. – Avenida Getulio Vargas, dia 08 de agosto. Foi há quarenta anos, mas é como se fosse hoje. Tia Eudóxia me arrastando para o aniversário do Helinho, que eu não queria ir de jeito nenhum! Eu não gostava dele; achava-o riquinho e metido. – riso: - Rico ele era,... E ainda é. – abanou a cabeça: - Eu tinha tanta inveja dele, e não queria ir para não ver aquele montão de brinquedos que ele tinha, enquanto nosso pai mal podia me dar uma bicicleta no Natal! – Jonathan olhava-o, intrigado, enquanto prosseguia: - Quando nós estávamos na esquina da avenida com a Rua São João, eu,... – fez uma pausa e soltou o ar num espécie de desabafo: -... Eu quis que ela morresse,... Imaginei que se a empurrasse á rua, ela seria atropelada. Então escutei o barulho do acidente; o carro vermelho veio capotando e nos atingiu. – ele fitava o vazio com olhos vermelhos. – Eu vi a tia Eudóxia morrer na mesma hora que quis vê-la morta!... Mas não era de verdade, entende Joni? Era coisa de criança!
- Ora Isaque,... Você não teve culpa.
- Não é questão de culpa Joni!... A partir daquele dia, eu vi que,... Que eu era mau. Não um menino apenas mau, mas alguém desprezível! Eu fiz papai sofrer muito com minhas bebedeiras, e outras coisas que você sabe. – apontou a foto: - Aquele dia quando você veio para esta casa, um bebê que segurei nos braços para a foto; eu percebi que tinha sido uma decepção como filho. Nossos pais se esforçaram para concebê-lo Joni. Foi uma gravidez difícil, e nem precisavam, pois já tinham a mim!... Mas eu não era bom o bastante. Você veio para ocupar o lugar que eu não consegui Joni. Por isto eu te sacaneava tanto!... – abaixou a cabeça, buscou o maço de cigarros e ia acender um quando Jonathan o impediu: - Espere Isaque. – ocorreu uma pausa: - Eu não convivi o suficiente com nosso pai para poder conhecê-lo bem, mas lembro-me do carinho que ele dedicava a você. E a mamãe te ama muito,... Confesso que sentia ciúmes disto.
- Corta esta Joni; você era o príncipe da casa!... Enquanto eu? Pfuuu!... – riso.
- Preste atenção Isaque: ás vezes a vida é generosa e nos dá uma segunda chance de corrigir trajetórias. De alterar o passado para consertar o futuro!
- Eu héim, Joni? Eu que sou o noiado da família e é você que delira?
Riso: - Isso tá parecendo papo de doido né?
- Total, mano! Mas eu tô curtindo essa nossa prosa. Acho que nunca sentamos lado a lado para conversarmos assim.
- É a nossa segunda chance!
Adélia voltava e Isaque sussurrou: - Vamos parar senão mamãe vai achar que demos “um tapinha”! – levantou-se: - Podemos ir mãe?
Ela pegou a bolsa e uma sacola: - Sim! Comprei o meu presente e o seu para Helinho!
- O-oh! O que é; um relógio Rolex? Para quem tem tudo, está até pouco!
- Sem gracinhas Isaque! – olhou Jonathan. – Você vai á festa?
- Mais tarde mamãe!
Ela beijou-lhe a face e saiu. Isaque olhou-o e falou. – Olhaí irmãozinho!... Não acostuma não, héim? – e sorriu largo antes de sair fechando a porta.
Jonathan abanou a cabeça sorrindo e falou: - Uma segunda chance!... A vida então é assim agora. – e buscou o roteiro:
Sempre ás 15:25.
- Em 1978 um motorista de taxi chamado Messias, que possuía um automóvel Volkswagen Passat quatro portas, vermelho, seguia pela Avenida Getúlio Vargas e havia um tumulto próximo a Rua São João...” 

Enquanto isto noutro lugar da cidade, num ponto de táxi o motorista não percebeu que alguém entrou no seu Toyota Etios e continuou no celular até sentir uma batida no ombro. Ao olhar para trás, viu uma mulher que o cutucava com um leque enquanto dizia:
- Vamos á Praça das Caveiras, motorista!... E não me venha dizer que o nome da bendita Praça é Praça da República, porque todo mundo a conhece mesmo por Praça das Caveiras! – o rapaz olhava-a. Ela retrucou: - Vamos, ou vou perder a festa!
- Sim senhora! – ele olhou seu relógio. Era precisamente 15hs25min...

Fim

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