sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

O FILHO PRÓDIGO - TERCEIRO CAPÍTULO.


Continuação.

 O Filho Pródigo – Terceiro Capítulo: Teorias.


Jonathan acordou num sobressalto. Sentou-se no sofá, esfregou seus olhos e conferiu as horas: 13h35min. -... Está errado! Meu relógio andou para trás? - estranhou, mas supôs algum defeito. A sala estava banhada no mesmo reflexo de luz dourada do sol de antes, mas havia algo diferente. Devia ser impressão pelo cansaço, e ainda haveria a missa de Isaque mais tarde. Tudo que Jonathan desejava era um resto de domingo esticado naquele sofá, que estava forrado com uma manta e ele não havia notado. Esfregou novamente seus olhos; ainda sentia muito cansaço, mas precisava saber com Ramone o que fazer. Buscou seu celular no bolso, não o encontrando. Devia tê-lo deixado no carro; então saiu para buscá-lo, mas quando chegou á rua o Volks 1600 não estava estacionado em frente á casa como o havia deixado. Apreensivo, levou suas mãos á cabeça e andou até a calçada olhando para os lados constatando o roubo do carro; ainda mais aquele que nem lhe pertencia e era uma raridade! Precisava comunicar á Ramone imediatamente usando o telefone fixo, e voltou á casa já antevendo todo o aborrecimento que este isto lhe causaria. Então viu guimbas de cigarro perto da soleira da porta. Na verdade, havia cheiro de cigarro dentro de casa!

 Ao entrar, se deparou com um homem de costas parado diante da fotografia de Isaque. Surpreso Jonathan perguntou. - Hei! Quem é você? - o homem se virou: vestia camisa social amarrotada, usava bigode e tinha cabelos lisos e grisalhos partidos de lado com franja lhe caindo na fronte. Ele trazia um cigarro aceso na mão e falou: - Oh; você ainda está aqui?
 Jonathan insistiu: - Quem é você, e o que está fazendo dentro da minha casa?
- Sua casa? – Abanou a cabeça: – É a minha casa!
- Não sei quem é você, mas se identifique senão vamos ter problemas!
- Nervosinho héim? – riso. – Não me parecia assim. Ao contrário: submisso e sem ambição!
Jonathan o enfrentou. – Se não sair agora eu mostro quem é o submisso! – então se deteve á fotografia, que Não era a mesma, pois agora tinha sua mãe e seu falecido pai ladeando um adolescente de cabelos longos com franja caída no rosto: – O que é isso?... Cadê a foto de Isaque?
O homem sorriu, afastou seu cabelo do rosto e apontou ao retrato. – Esta é mamãe, aqui ao lado é o papai, e aqui no meio sou eu aos quinze anos de idade! - Jonathan ficou atônito, e ele completou. - Sou eu: Isaque! Não está reconhecendo seu irmão mais velho?
Mais assustado, ele tornou á ameaça-lo. - Eu não tenho irmão mais velho!... Saia da minha casa ou chamo a polícia! – tentou segurá-lo para expulsá-lo á força, mas o homem o empurrou, atirando-o no sofá. - Ora vejam; ele ainda tem matéria, mas não por muito tempo.
Jonathan o desafiou novamente: - Você é louco? Afinal quem é você?...
- Já falei: sou seu irmão Isaque!
- Meu irmão morreu antes de eu nascer. O que é isso?... Algum tipo de golpe?
 – Eu sugiro que você fique calmo, Jonathan;... – jogou a guimba de cigarro no chão, amassando-a com o pé: - Eu sou Isaque, o mesmo que ficou por quarenta anos sem matéria, como uma sombra,... Um fantasma! – Jonathan o ouvia falar sem compreender nada; e ele prosseguia. – Você não tem ideia de como é inóspito o outro lado, dia após dia tentando voltar e corrigir as coisas, olhando a vida que não se viveu passar. É cruel! E se te contarem histórias de luzes lhe chamando? Não acredite. O que existe é apenas o limbo e o pesadelo de estar preso ao vazio da própria inexistência!
- Eu vou é chamar a polícia! – ameaçou Jonathan buscando o telefone fixo na mesinha ao lado, mas quando tentou apanhar o fone, sua mão parecia estar passando através do aparelho, sem tocá-lo: – O que é isso,... O que está acontecendo?
- O que está acontecendo é que a sua matéria corpórea está se desintegrando!
Assustado, Jonathan olhou-o: – Isso não está acontecendo; não pode!
- Pode, e é real! – suspiro. – Querido irmãozinho,... Ou quase isto! Você precisa entender que só nasceu por que eu morri. Papai e mamãe queriam apenas um filho e já o tinham: era eu. Mas a fatalidade me roubou a vida,... Ou melhor: roubou a oportunidade de viver minha vida. Você nasceu para ser o meu substituto. – fez um muxoxo cínico. – Mas acho que a mamãe realmente nunca se satisfez com você, porque me manteve por perto na esperança de ter-me de volta! Eu ouvia seu chamado sem poder fazer nada, mas eu nunca desisti de tentar. E então veio á oportunidade de reverter esse equívoco do destino. Incrível: o mesmo carro, no mesmo lugar, na mesma época do ano, e até na mesma hora.  A encenação perfeita! – riso. - Você acredita nas teorias sobre viagens pelo tempo, irmãozinho?
- Não sei,... O que tem isso a ver?
- Tem muita coisa! São teorias que falam em tempos que correm paralelos em dimensões diferentes, como se a história de toda a humanidade e até do universo seguisse simultaneamente em todas as épocas. Se conseguíssemos encontrar e abrir uma dobra no tempo, nós poderíamos transpassar de uma época á outra. Aquilo era só uma filmagem, uma ficção que reuniu os elementos para a abertura desta dobra, e o principal deles: a mente aberta ao passado, com as datas e lugares precisos á onde tudo aconteceu! “Não pare,... Não pare! Volte para a Avenida Presidente Vargas, rápido!”. Lembra-se disso?
- A voz no ponto eletrônico?
- Não havia ponto eletrônico nenhum naquele momento; apenas a minha voz na sua cabeça, porque já havíamos transpassado a dobra do tempo e estávamos em plenos 1978! Era tudo real, a cidade de Juiz de Fora do passado foi trazida de volta como presente atual paralelo ao nosso presente atual! Incrível né? – ele deu uma gargalhada. - E foi mais fácil do eu pensei: eu consegui fazer com que você fechasse o maldito carro preto que atropelou a mim e tia Eudóxia com o táxi vermelho, que você deteve á milímetros de nos atropelar! – suspiro. – Então você me salvou! Mas desgraçadamente assinou seu fim, porque nossos pais não teriam outro filho depois. – pôs suas mãos no peito e proclamou. - Sou filho único!
- Isso é um absurdo, eu estou aqui!
- Sinto muito Jonathan; mas não será por muito tempo, porque sua existência simplesmente não existe! E aqui me vem uma dúvida: se você nunca existiu de fato, creio que vá se desintegrar totalmente, não sobrando nada; nem lembrança!... Ah sim: eu me lembrarei de você, com extrema gratidão, irmãozinho!
Jonathan realmente começava a sentir seu corpo se esvaindo como num formigamento. Era assustador, mas era preciso reagir ao pânico com as armas de que dispunha, e uma delas era a vivência na sua própria existência. Assim questionou. - Onde está a mamãe?
- Ela saiu!
- E foi aonde?
- Não sei,... O que isto importa agora?
- Você não sabe á onde uma octogenária hipertensa como a mamãe foi? E esta sala tem poeira na mesinha. – apontou. – Tem poeira no sofá. – viu uma parte descoberta pela manta: - Está todo puído, e tem também fedor de cigarro no ar. Mamãe detesta cigarro!
- Aonde quer chegar? Seu tempo está acabando para desperdiça-lo com bobagens.
- É por que mamãe jamais deixaria poeira acumulada nos móveis e nem os deixaria estragados. Também não deixaria acumular teias de aranha nos cantos, e nem sonharia em deixar a soleira da porta de entrada cheia de guimbas de cigarro repisadas de vários dias! – encarou-o. – Mamãe não está aqui, eu posso sentir a ausência dela no ar.  Ela morreu quando, héim Isaque?
Ele mordeu os lábios e respondeu - Está bem. Ela faleceu há dezesseis anos!...  
- Ah, Que pena! Mas eu tenho certeza absoluta de que comigo ela ainda estaria viva, como de fato estava! E se você andava assombrando esta casa como disse, deve ter presenciado isto. – Jonathan já sentia seu corpo se fortalecer novamente. Então prosseguiu. - Eu fiquei ao lado dela todas as vezes que precisou ficar internada no hospital. Acompanhei-a nas consultas médicas, cuidava da sua alimentação e dos seus remédios. Você fez isto por ela Isaque?
- Pare com essa conversa fiada e suma logo!
- Sabe Isaque, no pedaço da vida que você não viu e nem verá, a família falava muito de você para mim! Quer saber o que diziam?
- Cala a boca!... Isto não me interessa!
- Pois devia interessar, porque diziam que meu falecido irmão foi uma peste de menino! – riso. – Falavam com jeitinho para não me magoar, mas era só eu dar corda para falarem de um moleque indolente, manipulador, maldoso e invejoso das coisas dos outros que deu muito trabalho aos nossos pais! No dia que você quase morreu, a tia Eudóxia estava te levando ao aniversário do nosso primo Helinho, mas você não queria ir de jeito nenhum. Eu vi!
- Eu o odiava! Era nojento e metido á riquinho,...
- Mas ele era rico mesmo e isso te matava de inveja, não é Isaque? Tanto que destruía os brinquedos dele só porque não podia possuí-los. É verdade?
- Ele se exibia com aquele monte de brinquedos e depois que os usava bastante, queria dá-los para mim só para me humilhar!
 Jonathan abanou a cabeça e disse. – Eu também convivi com o primo Helinho e ele não é nada disso, ao contrário, é generoso, e quando eu precisei de ajuda para socorrer a mãe numa hora de aperto, ele nos ajudou de coração aberto! E por coincidência isto foi á dezesseis anos atrás!... O que aconteceu, o teu orgulho não permitiu que procurasse a ajuda dele, Isaque?... Por isto a mamãe morreu?
- Ela morreu porque adoeceu!... Você não ia poder fazer nada.
- Acontece que eu fiz!... E quanto á tia Eudóxia?
- Ah, você teve muita sorte de não ter que conviver com ela! Arre,... Era uma espiroqueta, pronta para dar vexame á qualquer lugar!
- Então você a empurrou na frente do carro preto? – Isaque ficou sem fala. Jonathan prosseguia. – Certa vez o tio Zé comentou comigo que na perícia do atropelamento, ficou uma séria dúvida se não teria sido o próprio sobrinho que a empurrou á frente do carro preto que vinha em velocidade e não conseguiria frear. Tinha até uma testemunha ocular que afirmou isto. Só que como a tia estava segurando forte a sua mão, acabou puxando-o também para a morte!... Sabia que papai teve ciência disto?
- Cala essa boca porque não sabe de nada Jonathan,... Nada!... Suma logo!
- Daqui a pouco eu sumo. Mas antes, me ocorreu uma coisa baseada no que você falou á pouco sobre a matéria corpórea de que somos feitos. Eu também li sobre isto e são teorias fascinantes! Você disse que esta tarde reuniu todos os fatores que possibilitariam a abertura de um corte temporal ao passado: objetos, como o carro; datas; horários; locais e o desejo de visitar o passado. Mas faltaria algo? Você imagina o quê Isaque?
- Não faltava nada. Estava tudo lá á tempo e á hora!
- Exato! Mas, voltando á nossa matéria corpórea, pense numa coisa: se eu nasci em 1982, não poderia estar lá, porque eu não existia certo? – abanou a cabeça. – Errado! A resposta é que eu estava lá talvez como a chave principal para a abertura da porta do tempo! Há uma teoria sobre a morte falando que nosso corpo, ou melhor, a nossa matéria corpórea se desintegra em átomos que se despendem da composição original, seguindo livres no espaço até se agruparem em novas composições, ou massas corpóreas formando novos indivíduos! – riso. - Putz, eu nunca imaginei que conheceria de perto esta teoria sobre a reencarnação, que é tão científica quanto bela! Então, me pergunto agora sobre o motorista do táxi: será que ele morreu antes de 1982? E ainda,... Será que sou feito de parte dos seus átomos, que voaram livres no espaço ate se agruparem novamente para compor o meu ser? – sorriu ao dizer. – Então, como você afirma de forma tão categórica: estava tudo lá,... Inclusive eu!
- A onde quer chegar com essa falação pseudocientífica?
- Elementar! Se eu fui o vetor desta mudança no destino, quem sabe não posso desfazê-la também?
Isaque riu debochado. – Isto não é mais possível porque já aconteceu! Não tem como reverter porque em instantes você vai evaporar como uma poça d’água debaixo do sol!
- Gozado. Eu não estou me sentindo evaporar! – esticou seu braço e apanhou o aparelho de telefone na mesinha. – Estou até me sentindo bem sólido! - Jonathan olhou seu relógio. – São treze horas e quarenta e cinco minutos, significando que a porta do corte temporal á este presente me trouxe antes que eu saísse para a filmagem. Então nada está consumado porque as paralelas do tempo continuam seu ritmo, e se eu seguir á filmagem agora, talvez se repita o corte temporal. Até porque já aconteceu e seria apenas um remake com algumas alterações no roteiro. Não é?
 - De que jeito se o carro nem está aí fora? – falou Isaque.
 Jonathan se levantou e espiou pela janela. – Olhe só! O taxi vermelho está parado na frente da casa, reluzindo ao sol. Que incrível, ele voltou!
- Isso é uma idiotice! Mesmo que você vá, nunca conseguirá repetir as ações do mesmo jeito, com as falas na hora certa, e nem tem certeza que o corte temporal se abrirá novamente.
- Ele vai abrir novamente porque já abriu numa outra paralela! É só eu repetir tudinho de novo e cair dentro dela novamente!
- Você não vai conseguir!
- Vou sim! – levantou-se e seguiu á porta. – Sou um ator que já fez Shakespeare ao vivo, sem ensaio! Será moleza.
- Não faça isto!... – fez expressão de súplica: - Não tire a minha vida!
- Eu não lhe tirarei nada! Está com quantos anos, héim Isaque? Dez anos até 1978 e mais quarenta até aqui? Cinquenta anos de vida nesta dimensão,... Tá de bom tamanho né? Eu não lhe devo nada!
- Mas eu ainda quero mais!...
- Se não soube viver, o problema é seu! – concluiu Jonathan abrindo a porta e correndo até o carro. Ainda ouviu Isaque dizer. – Volte aqui,... Isto é impossível! – e respondeu: - Ah, Isaque, vá para o caralho!... Pô! Já estou falando com ele como falaria numa briga de irmãos! - respirou fundo e pensou. – Calma!... Eu preciso repetir tudo igual, porque tudo já aconteceu. Se eu errar, será outra história imprevisível!
Ele entrou no Volks, deu a partida e saiu. O roteiro estava pronto: ele teria que repetir exatamente as mesmas ações, gestos e falas, num exercício de memória que extrapolava a própria memória. Sua vida dependia exclusivamente disto!

Continua!

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