Continuação.
O FILHO PRÓDIGO. Segundo Capítulo: - “All Be There”.
Jonathan
chegou ao Largo do Riachuelo na parte central de Juiz de Fora com sua praça
conhecida popularmente como “Chapéu dos Pracinhas” (por causa do monumento em
homenagem á FEB cujo formato lembra a aba de um chapéu) e parou o carro junto á
outros veículos antigos que seriam utilizados nas filmagens. O diretor do
filme, de nome Ramone, foi ao seu encontro: - Meu querido Jonathan! –
abraçou-o. – E aí, já acostumou com o jeito do carango?
-
Sem mistério! Tem motor, rodas e volante igual aos outros!
-
Este é o espírito. Gostei! – falou Ramone alisando o capô do carro, e fez um
sinal com as duas mãos como num enquadramento. – Este filme vai ficar na
história de Juiz de Fora, meu amigo: uma produção caprichada de época á qual eu
mergulhei nos anos setenta! – havia um rapaz acompanhando-o. – Este é o
cenotécnico; que vai pôr um taxímetro antigo no automóvel, placas e letreiro de
capota. – o rapaz abriu a porta do Volks e começou a espiar por baixo do painel
constatando que o carro devia ter sido taxi porque ainda possuía o suporte, foi
só parafusar. Enquanto isto Ramone
exultava ter conseguido que o Departamento de Trânsito da Prefeitura
interditasse a Avenida Getúlio Vargas por meia hora para fazerem a sequência em
que o táxi desce a via. Algumas lojas permitiram que cobrissem seus letreiros
com falsos anúncios de estabelecimentos que existiam na via á época, e haveria
outros carros e também um ônibus antigo. Havia uma loja desocupada no térreo do
“Shopping Santa Cruz” adaptada como camarim onde prepararam Jonathan como um
garotão dos anos 1970 com uma peruca “blackpower” e a camisa marrom com
estampas verdes e golas enormes. Depois de acertada a peruca e maquiagem, a
cabeleireira falou. - Tá a cara dos Bee Gees! - ele olhou e comentou. – Estou
mais para um Michael Jackson albino! - e solfejou. – “All be there!” – todos
riram.
Então
se ouviu a voz de Ramone chamando para começar a filmagem. Os veículos foram posicionados: Jonathan
deveria seguir no taxi vermelho tendo o ônibus e um antigo furgão Ford F350 á
direita na mesma velocidade. Na sua frente seguiria um Chevrolet Opala Comodoro
bege, e atrás um Fusca verde e uma Kombi branca. Á esquerda estaria a perua da
filmagem sem a porta porque haveria uma câmera fazendo tomadas laterais do
transito com foco no taxi; assim, ele não devia olhar para a esquerda. O guarda
deu sinal que o trânsito estava impedido. Jonathan entrou no Volks; respirou
fundo, ligou o motor e se agarrou ao volante como se esperasse a largada numa
corrida de fórmula um. No centro abaixo do painel estava a câmera, á qual ele
não poderia olhar, e trazia também um ponto eletrônico no ouvido esquerdo,
oculto pelos cachos da peruca. Ele pôs a mão de leve no taxímetro e a bandeira
dois acionou sem querer em meio á um silêncio quase cerimonial. Então Irrompeu
a voz de Ramone no megafone. – Atenção,... Ação! - os seis veículos aceleraram
na mesma velocidade e logo adentravam á Avenida Getúlio Vargas sob os olhares e
aplausos dos transeuntes e camelôs admirados daquele inusitado desfile de
antiguidades sobre rodas. Jonathan estava excitado, olhando adiante a traseira
do Comodoro com suas características quatro lanternas circulares. Pelo espelho
via a frente do Fusca e o contorno da Kombi atrás. O furgão seguia um pouco
adiante do ônibus. Era fantástico! Quase podia se sentir transportado para
aquela época.
Ramone
optou por emendar á sequencia onde o taxi tem que diminuir a marcha por causa
do falso atropelamento ao passar pela esquina da avenida com a Rua São João; e
lá estava montada uma reprodução do que poderia ter ocorrido. O carro
atropelador seria um Fusca preto. Havia figurantes trajados como na época, além
de um guarda também caracterizado. Mais uma vez Jonathan achava tudo
impressionante.
Ao
chegarem á esquina da Rua Santa Rita com a Avenida Getúlio Vargas, ele ouviu no
ponto eletrônico. – Corta,... Pode parar; foi perfeito! - os seis veículos
pararam, mas seria apenas o tempo de reorganizar a filmagem, pois dentro de dez
minutos o trânsito seria liberado. Ramone tinha o habito de fazer improvisos e
era isto que a equipe temia.
Nova
sequência com o a mulher abrindo a porta do taxi e entrando com o garoto, e
depois o carro saindo. A perua da produção acompanhava-o adiante, tendo agora o
Furgão seguindo-o. Então ouviu uma voz pelo ponto eletrônico. – Pode parar
aqui. A atriz e o ator mirim irão descer do carro. Depois aguarde instruções. -
ainda fariam sequências próximas ao portal do Cemitério Municipal, então foi
orientado a seguir até lá.
Repentinamente ocorreu um ofuscamento rápido causado pelo sol refletindo
no para brisa de um carro no sentido contrário. Jonathan abaixou o para sol ao
mesmo tempo em que a pista pareceu ficar mais áspera. - Não pare,... Não pare!
Contorne a Praça da República e volte para a Avenida Presidente Vargas, rápido!
– falou a voz no ponto eletrônico. - Por quê?... Vamos filmar de novo? – a voz
respondeu: - É,... É isso mesmo; de novo! Vamos, acelere; não há tempo a perder!
-
Sim senhor! – Respondeu Jonathan, saindo com o carro. Adiante viu algo parecido
com o furgão Ford e concluiu que a filmagem prosseguia certamente para
aproveitar os veículos emprestados e a luz.
Na verdade, havia mais carros antigos em volta, além de motonetas e
caminhões. Na frente surgiu um carro de luxo, prateado, que ao diminuir a
velocidade deixou ler o emblema de sua marca na traseira: Ford Landau. –
Caramba, o Ramone arranjou um carrão desses emprestado só para alguns segundos
de filme? - mais adiante ele deveria entrar á direita, e assim acionou a seta.
- Não, não! Siga direto! – Jonathan argumentou: - Mas neste trecho a rua fica
em contra mão! – a voz insistiu: - Não fica!... Pode seguir! - ele seguiu
desconfiado e viu um antigo posto de gasolina na esquina, agora tendo a marca
“Shell” e totalmente caracterizado no estilo anos 1970. – Ah,... Já entendi:
Ramone arranjou um patrocínio e não falou nada pra gente! – assim seguiu
abismado com os cenários. Ao chegar á Praça Antônio Carlos novamente seu
próprio traçado parecia mudado, e até um muro que contornava a antiga Tecelagem
Bernardo Mascarenhas, apareceu novamente. Obvio: um cenário. Ao seguir pela Rua
Paulo de Frontin a voz ordenou: - Siga á Rua Marechal Deodoro!
-
Mas agora tem um calçadão, não dá!
-
Dá sim! Pode ir. - de fato, era como se a praça estivesse com a configuração de
quarenta anos atrás, inclusive com seus táxis perfilados. A voz ordenava de vez
em quando. – Olhe adiante. Preste atenção na rua! - Jonathan obedecia. A Rua Marechal era contra mão, mas deviam ter
mudado o sentido para a filmagem e havia mais carros antigos de marcas e
modelos diferentes, assim como diversos letreiros de lojas já desaparecidas,
era espantoso! - Quantas horas aí? – perguntou a voz. Jonathan olhou no
relógio. – São quinze e vinte um!
Ao
convergir á Avenida Getúlio Vargas a voz falou. - Agora preste a atenção: vá
pela pista á direita, rente á calçada! - ele obedeceu, fechando um carro que
vinha atrás, que buzinou. – Isto não está no roteiro! – reclamou á que a voz no
ponto eletrônico ordenou. – Pare o carro, agora! - foi só o tempo de pisar no
freio com toda a força que pôde para não atropelar uma senhora que puxava um
menino pela mão. O carro que vinha atrás lhe pareceu um Ford Maverick preto que
passou com o motorista aos xingamentos. Agarrado ao volante Jonathan olhou á
senhora que lhe lançou um impropério: – Seu biltre! – deu a volta e se postou á
porta do motorista. – Como é que dão carteira de motorista á um animal como
este? Você quase nos atropelou! - ele não sabia esta fala. O menino que
acompanhava a mulher retrucou. - Foi a senhora que pulou na frente do carro!
-
Eu te perguntei alguma coisa? – Virou-se á Jonathan. – Você me ouviu perguntar
alguma coisa á este fedelho? - ele pensou. “ah, saquei! A mulher e o menino
estão com figurino de época. Ramone e seus improvisos!” E resolveu entrar no
jogo: - Não senhora, eu não ouvi nada.
-
Está vendo?... Moleque insolente! Bem, já que nós realmente precisamos de um
táxi, você vai nos levar! – ela pegou o garoto pela mão e deu a volta para
abrir a porta traseira á calçada. Então a voz perguntou. - Quantas horas agora?
-
Quinze horas e vinte sete minutos!
-
Ah, que maravilha!... Deu tempo! – falou a voz. Então a mulher lhe bateu no
ombro com um leque, que mais parecia um porrete, e ordenou. - Vamos para a
Praça das Caveiras! Sabe aonde é?
-
Sim senhora! – e saiu com o carro. Porém, na esquina com a Rua São João, não
havia mais o cenário do atropelamento. “O Ramone mudou tudo?” pensou, e
enquanto seguia prestava atenção ao dialogo dos atores no banco traseiro para
não perder a deixa. - A praça não chama Praça das Caveiras! – falou o menino. -
Chama Praça da República! - ela o olhou e se dirigiu á Jonathan. - Ei
motorista; eu por acaso perguntei á esse fedelho qual era o nome da bendita
praça?
-
Eu não ouvi perguntar,...
-
E por acaso quando eu disse “Praça das Caveiras” você não sabia á que praça eu
estava me referindo?
-
Sim senhora,... Eu entendi.
-
Viu? Ele entendeu. – falou olhando o menino. - Mas o nome é Praça da República!
– retrucou, e ela ficou impaciente: - Ah, não me sacrifica! E olhe esse cabelo
com franja caindo nos olhos, todo despenteado! – pegou um pente na bolsa e começou a penteá-lo. O garoto
falou “ai” e ela completou: - Você quer chegar lá com esse cabelo parecendo um porco
espinho? – Jonathan achou aquele diálogo cômico. - Eu não quero ir!... Eu falei
que não queria! – reclamou o garoto. - Mas que coisa feia menino mal criado. O
motorista vai achar que você é feio!
-
Ele vai achar que eu não quero ir e estão me obrigando!
-
Por que você não quer ir? Ele gosta tanto de você!
-
Ele não gosta de mim e eu não gosto dele!
-
Você vai ver que não é nada disso meu filho,... Ei, motorista, por que está
parando na frente do cemitério?
-
Vocês não vão descer aqui?
-
Ah! – dirigiu-se ao menino. - Por acaso eu disse ao motorista que iríamos parar
no portão do cemitério?
-
Não! A senhora falou Praça das Caveiras!
-
Ouviu motorista?... O que está esperando para levar-nos lá, héim?
-
Desculpe senhora! – ele seguiu pensando. “Mas na história, a mulher e o menino
não somem assim que chega ao portão do cemitério? Que merda o Ramone inventou?”
O carro contornou a praça e ela falou: - Pode parar ali na frente daquela casa
rosa! - Jonathan parou á calçada e olhou, mas não se lembrava daquela casa. Se
bem que quase nunca passava por ali. - Chegamos. Vê se faz uma carinha boa,
querido! - o menino sorriu forçado, arreganhando os dentes. - Quanto deu a
corrida moço? – ele não sabia este texto, então chutou: – Dez,... Cruzeiros! –
ela mexeu na bolsa dizendo: - Que Beleza de motorista: barbeiro e careiro! – e
lhe deu o dinheiro ordenando ao garoto: – Ande, vamos entrar na casa!
-
Eu não quero!
-
Quer sim!... Vai por mim; você vai gostar! – saíram do carro e entram pelo
portão, sumindo entre os arbustos salpicados de azaleias do jardim. Jonathan
colocou sua mão na orelha esquerda por trás dos cachos da peruca e não
encontrou o ponto eletrônico enquanto um ônibus parado atrás iniciou uma
buzinada insistente. Ele virou para olhar e era um veículo moderno. Então
engatou a marcha e seguiu junto ao fluxo de trânsito normal, sem carros
antigos. Ele seguiu pela via onde vira o posto de gasolina na esquina e o
prédio já estava sem a caracterização de época. “Que desprodução rápida!”
Pensou. Então resolveu estacionar para tentar encontrar o ponto eletrônico e o
achou no chão do carro. Depois buscou seu celular á procura de instruções.
“este telefone está desligado ou fora da área”. Foi o que ouviu ao ligar para
Ramone. Então decidiu voltar á praça do “Chapéu dos Pracinhas” para procurar a
equipe.
Nova
surpresa: o trânsito estava normal sem nenhum sinal da equipe. Jonathan se
sentia cansado demais para procurá-los e imaginou que Ramone tivesse se
esquecido de lhe comunicar, e isto já havia acontecido noutras ocasiões. Olhou
seu relógio: 16h50min. Assim achou melhor ir para casa. Antes digitou uma
mensagem ao diretor. “Estou indo para casa com o carro e figurino. Depois me dê
instruções, ok?”.
Ao
chegar á casa, foi o tempo de se deitar no sofá para um cochilo com figurino,
apenas tirou a peruca. Dai á pouco dona Adélia voltaria do salão da
cabeleireira e solicitaria sua companhia para a missa de Isaque.
Continua!
Que aflição! Estou adorando, aposto que vem muita susto por aí.
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