O
vento soprava pela janela fazendo esvoaçar as cortinas e Ciça saía da suíte do
quarto trazendo apenas uma toalha pousada nos ombros deixando o resto do corpo
nu. Deitado na cama, também nu, Tom olhava-a.
Ela se postou adiante á sacada do antigo
casarão, e abriu os braços deixando a toalha cair.
-
Ei,... Olha o espetáculo da nudez! – falou Tom: – As pessoas vão ver; não tem
vergonha?
Ela sorriu. – Depois dos quarenta a
vergonha vira um acessório,... - deu de ombros. -... Dispensável! - era realmente
uma bela mulher, como dizia Tom: “estilo violão brasileiro”; morena clara,
cabelos ondulados e olhos verdes.
Olhando-a ele ficou excitado. - Então vem para
cá, sem vergonha! - ela deu uma risada. – Seu entusiasmo é bem inspirador, mas
cubra esse negócio aí porque acabou o recreio Tom! - ele tapou o baixo ventre
com o lençol e disse. – Puxa, logo agora que ficou bom é que você quer ir
embora?
- Preciso ir! – falou colocando seu
maiô. – Ela já deve estar que nem uma doida me esperando!
- Ainda não engoli isto de você tê-la
trazido! Planejamos este passeio só nós dois e agora fica esta inconha no seu
pé? – Ciça pediu: - A alça do maiô enrolou atrás, me ajude? – ele se levantou e
encostou seu queixo no cangote dela, que saiu de perto. – Para! – e riu. Tom completou.
- Bota ela no avião e despacha!
- Não posso,... Ainda precisamos ter
aquela conversa.
- Essa conversa de vocês está demorando
demais para acontecer! Somos desimpedidos: sou separado e você é solteira! –
deu uma tragada no cigarro. – A gente está se escondendo do quê?
Ela respondeu passando batom: - Eu estou
apenas querendo evitar qualquer situação desagradável para você. Por favor,
Tom, acredite em mim! Tenha paciência meu amor! – apanhou sua bolsa laranja de
alças em formato de argolas. – Siga meu exemplo de paciência. Olhe esta bolsa:
fui eu que fiz! Comprei o pano de fora laranja, o do forro azul, as argolas, o
botão que fecha e costurei pacientemente. Sabe por que me dei a este trabalho?
Porque gosto de coisas exclusivas, que só eu tenho! – voltou a se aproximar de
Tom, beijando-o. – Como você! Exclusivo, que só eu tenho! – depois seguiu á
porta. – Amanhã eu prometo que já terei resolvido tudo, aí teremos “Jampa”
todinha para nós! - e saiu.
Sem ter mais argumentos, Tom sentou na
cama e deu outra tragada no cigarro, apagando-o a seguir no cinzeiro e
resmungando. – Merda!
A
chave girou na porta do quarto do hotel e Ciça entrou deixando sua bolsa
laranja num aparador. – Você não sabe o que perdeu Teca! Ver o sol nascer
naquele paraíso; ah, foi tudo de bom!
-
Engraçado, você ficou o tempo todo na praia e não está bronzeada?
- Eu fiquei a maior parte do tempo
debaixo do guarda-sol. Agora vou tomar banho e depois podemos almoçar, que tal?
- Teca deu de ombros: - Pode ser Ciça. Vou cochilar um pouco.
- Ok, querida! – Ciça seguiu á suíte
falando. - Teca! Estou aqui pensando: poderíamos ir naquele lugar que você quer
conhecer. Como chama mesmo?
- Capela do Engenho Patrocínio, em Santa
Rita!
- Você gosta dessas coisas antigas;
vamos lá?
- Sim!... Vai ser divertido!
Enquanto isto, na pensão, Tom refletia
sobre seu relacionamento com Ciça. Eram vizinhos, porém, ao invés disto
representar uma facilidade á aproximação, apresentava-se mais como uma cadeia
de obstáculos dignos de uma prova de cem metros rasos! E este empecilho atendia
pela alcunha de Teca, a irmã mais nova que não lhe despertava maiores atenções
além do “bom dia, boa tarde e boa noite” cordiais do cotidiano. Ciça pintava a
irmã caçula como uma mulherzinha recalcada, invejosa e inconformada com a
partilha dos poucos bens deixados pelo pai, dizendo-se roubada! Viviam as duas
numa casa grande, mas nem se fosse do tamanho do Palácio de Versalhes,
proporcionaria distancia suficiente entre as duas. Ciça não queria que a irmã
soubesse do seu relacionamento até arranjar uma maneira de se livrar da
presença da irmã. Tom perguntava qual a razão disto, e ela se saía com evasivas
do tipo: “não quero te envolver nessas coisas; são problemas que não quero
levar para dentro do nosso relacionamento!” Sim; até fazia sentido... Ou não?
O Engenho Patrocínio é uma das atrações
coloniais da Paraíba, e Teca exultava: - É longe, mas valeu a pena; que lugar
lindo! A capela do engenho é um exemplo de arquitetura renascentista em plena
zona da cana-de-açúcar! – explicava Teca. - É do século dezoito e fazia parte
do Engenho da Una.
Ciça sorriu e falou: - Eu acho que você
não aproveita o seu próprio potencial: fez mestrado, fala francês fluentemente
e arranha bem o inglês! Eu vejo você,... Assim,... Vivendo uma vidinha tão
inferior á que você poderia! – Teca a ouvia apoiando o queixo com a mão, e
perguntou: - Aonde você quer chegar Ciça? – ela respondeu: - Querida: aquele
mundinho que vivemos é bom para mim. Sim, eu reconheço a minha própria
mediocridade e os meus sonhos pequeno-burgueses. Mas seu mundo é maior do que
aquilo! Quando eu te aconselho a se mudar, não falo em mudar apenas de casa,
mas de vida. Pense nisto como se fosse abertura da porta de uma gaiola! - de
longe veio o som de batuque. Teca olhou. – É um grupo folclórico! Parece Bumba
meu Boi. – Ciça insistiu. - E então Teca o que me diz?
- Eu digo que vou lá ver o que é! – se
levantou, mas antes lhe falou. – A porta da gaiola não está aberta apenas para
mim! – e saiu na direção da roda de pessoas que assistiam á dança e a musica.
Ciça ficou á mesa amassando o guardanapo de papel com as mãos.
Então seu celular tocou, era Tom: - Onde
você está Ciça? – a resposta: - No cafundó do sertão num lugar horroroso que
não tem nada e num calor medonho! – ele riu: - E conseguiu falar com ela? – se
abanando com um prato de plástico: - Já comecei. Mas tenha paciência, eu juro
que não saio da Paraíba sem estar com isto resolvido de uma maneira ou outra. É
uma promessa! – olhou Teca ao longe. –
Não aguento mais isto, eu quero encontrar com você ainda hoje meu amor! – ele
respondeu: - Pode vir, estou esperando,... Com aquele entusiasmo! – então ela
falou: - Ah!... Quer saber? Eu vou
acabar com o “bumba” da minha irmã, mas é agora! - levantou-se da mesa e correu
ao encontro da irmã. - Teca querida, detesto estragar nosso passeio, mas
preciso voltar á João Pessoa agora, neste minuto para pegar o banco aberto: há
um problema na minha conta e se não for resolver fico sem cartão! – puxou-lhe
pela mão. - Vamos de taxi; tem um ponto ali, vamos!
O carro parou á porta do hotel, Teca saiu
e Ciça falou ao motorista: – Esqueça o Banco; nós vamos é para a Rua Duque de
Caxias!
Teca olhava o carro se afastar enquanto
fazia sinal para outro táxi, e saiu em perseguição á uma distância segura para
não serem percebidos. Logo chegaram á uma rua antiga perfilada por vários sobrados
antigos e uma igreja, mas não conseguiu ver aonde Ciça entrou. Abanou a cabeça
comentando: - Uma mulher dessa idade escondendo seu homem, para quê isso? – e
retornou ao hotel.
No quarto da pensão, Ciça já foi
entrando e abraçando Tom. - Socorro! Me livra da inhaca do lugar miserável que
aquela infeliz me fez conhecer! - ele riu. – Não exagera! Eu conheci o Engenho
do Patrocínio, é um lugar muito bonito! – ela falou enquanto tirava a blusa: -
Ah, não vem você também com elogios á velharias fedendo a mofo; eu quero é
esquecer esse maldito dia! – beijou-o, e ele brincou: - Todo ele? Assim fico
magoado! – ela riu: - Não, só a primeira parte do dia, porque a segunda vai ser
tudo de bom! - se abraçaram e caíram sobre a cama entre risos.
Á noite, no quarto do hotel, Teca estava
deitada e Ciça vestiu um robe: - Ah! Estou com uma vontade de fumar. – foi
saindo. – Vou fumar na saleta ali do corredor, no varandão. – Teca se virou de
lado e falou: - Está bem. Se eu estiver dormindo quando você voltar: boa noite Ciça!
Tinha um varandão com plantas e móveis de
vime. Ciça sentou numa das cadeiras e acendeu o cigarro e apanhou seu telefone.
- Alô meu amor, eu vi que você ficou chateado por eu ter saído rápido. Mas eu
tinha que voltar depressa para Teca não desconfiar! – impaciente ele respondeu:
- Teca, Teca, Teca! Ás vezes eu tenho a impressão que ela está na cama com a
gente com um cronômetro na mão regulando a hora que você tem que ir embora! ...
Desculpe amor! É que eu sinto falta de você!
- Hum, mas que coisa boa de se ouvir.
Fala de novo?
- Sinto falta de você, meu amor.
- Ai meu Deus do céu! – riso. - Como eu
vou dormir agora?
- Dorme um pouco e depois embroma a sua
irmã com o caô de ver o sol nascer na praia e vaza para cá. A gente vê o sol
nascer trepando!
Ela respondeu se espreguiçando: - Humm!
Muito tentador, mas não vai dar. Tem um spa neste hotel, e marquei uma sessão
de tratamento completo amanhã de manhã; cabeleireiro, manicure, tudo!
– Não acredito que você vai deixar de
estar comigo para ir á um salão de beleza!
-
Ah Tom,... Eu voltei daquela excursão no bagaço! Homem não entende essas
coisas. Mas eu prometo que de tarde a gente se encontra e tira o atraso! – ele
suspirou. – Está bem, está bem; eu entendo e espero as ordens de sua majestade!
– ela respondeu dengosa: – Meu vassalo! Agora me deixe ir para a cama,... Que
triste, só para dormir! Até amanhã meu amor; Um beijo!
- Outro, meu bem! - ela desligou e
recostou na poltrona dando mais uma tragada no cigarro.
Na pensão, Tom resmungou com as mãos no
meio das pernas. – Droga! – e seguiu á suíte para um banho frio.
CONTINUA!
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