Primeiro conto: – “Heleno”
Felizes
eram as cidades que tinham a sua Praça da Estação!
Primeiro
encontro do viajante com a urbe, como o descortinar de um novo cenário onde parte
da sua história seria escrita. Primeiro encontro do migrante e do imigrante com
seu novo lar, onde sua história teria o recomeço. Ultima visão daquele que
partia, encerrando uma história naquele embarque. As praças da estação eram
guardiãs da parte mundana da cidade, pois já notaram que nenhuma tem igreja? As
torres das estações ferroviárias não chamam fiéis com badalar de sinos, mas têm
relógios que marcavam a hora da chegada do trem como símbolo máximo do
progresso, materializando o desejo de ir e vir: e há algo mais mineiro do que o
trem?
Heleno
foi um destes migrantes que chegaram à Juiz de Fora em busca de uma nova vida em
plena década de 1970. Ele era um garotão de longos cabelos e calça boca-de-sino
que farfalhava a cada passo, cheio de disposição para vencer na vida.
Não
foi difícil encontrar emprego num dos hotéis da praça, como faxineiro e
camareiro no turno da noite. Nada parecido com o que imaginou, mas pelo menos
tinha um quarto para dormir e salário.
No
entra e sai de hospedes, que na verdade usavam o hotel para encontros fortuitos
naquilo que chamavam “alta rotatividade”, Heleno trocava os lençóis após o
sexo. Também nada muito agradável.
Uma
noite, em meio á rotina do troca-troca de lençóis e casais, Heleno precisou
arrastar a cama e um envelope caiu ao chão. Apanhou-o, e era bem empoeirado e
muito sujo, pois estava enfiado entre o encosto da cama e a parede. Na verdade,
parecia estar ali há muitos anos. - Puta merda, que lixo! – pensou, se preparando
para jogá-lo fora quando notou que continha algo: um cartão postal do Cristo
Redentor do Rio de Janeiro preenchido no verso com a data de 14 de julho de 1963,
numa linha meio borrada que marcava um encontro: - “Meu amor, espere-me no quarto 16. Assinado: Heleno.” – ele achou
impressionante a coincidência do nome com o seu próprio. Contudo, não havia
mais nada escrito senão um número: 546742. – Isso será número do quê? – se
perguntou.
Heleno
tentou buscar nos antigos livros de hóspedes do hotel, quem estaria hospedado
no quarto 16 naquela data; até porque em 1963, aquela era uma hospedaria de
família. Lá estava o nome: Lúcia Maria da Silva, de Juiz de Fora, e mais nada.
O gerente garantiu que era impossível descobrir quem seria aquela mulher após
tantos anos. Assim, Heleno se conformou e guardou o cartão consigo.
Numa
manhã, ao terminar seu turno, ele decidiu seguir pela Rua Halfeld em busca de uma
lanchonete, e ao passar por uma lotérica viu bilhetes da loteria e se
aproximou; havia um que continha àqueles números. Mais uma coincidência?
Como
diria Allan kardek: “O acaso não existe”, e ele comprou os bilhetes.
Anos
depois, Heleno se tornou um homem rico que soube administrar o dinheiro do
prêmio num próspero comercio atacadista estabelecido numa rua próxima à Praça
da Estação. Não se casou, menos por falta de pretendentes e vontade, mas por
não encontrar afinidades com nenhuma candidata. O cartão postal foi emoldurado
e pendurado no seu escritório como um talismã.
Uma
tarde, ele estava atendendo a um vendedor, que falou: - Interessante; o meu pai
também se chama Heleno. Ele é carioca!
-
Ora vejam. É um nome difícil de encontrar xará! – Seria possível? Pensou Heleno
ao querer saber mais: – Como é o nome de sua mãe?
-
Lúcia! Mas infelizmente já é falecida.
-
É mesmo?... Fale mais sobre eles. – riso nervoso: - Gosto dessas histórias!
O
vendedor, que se chamava Joaquim, falou dos pais com muito carinho, e relatou que
quase não se casaram, pois seu avô materno não queria que a filha se casasse
com um motorista de táxi, carioca, sem eira nem beira, e proibiu
terminantemente o namoro. Mas o jovem casal não desistiu, encontrando-se ás
escondidas até decidirem fugir. Assim marcaram o encontro num hotel onde o Heleno
carioca iria buscá-la no seu carro de praça para fugirem ao Rio de Janeiro.
Porém, o pai da donzela descobriu o plano de fuga e foi procurá-la no hotel.
Assustada, Lúcia escondeu o cartão postal que marcava o encontro, trazendo o
numero da placa do carro de Heleno. Então
Joaquim mostrou uma velha foto dos pais ao lado de um vetusto táxi Ford cuja
placa era 54-67-42.
-
Mas então, seus pais conseguiram fugir?
Não
exatamente, porque meu pai enfrentou meu avô! Chegaram a brigar á socos e
pontapés no meio da Praça da Estação! – riso: - A polícia veio e os dois foram
parar na cadeia por “desordem pública”. Então, presos na mesma cela, começaram
a conversar e meu avô teria dito: - Você
é muito topetudo, seu moleque. - ao que ele respondeu: - Eu sou mesmo! Amo sua filha, e vamos fugir
de novo!
- Que audácia!... É serio isto?
- Eu juro por Deus! - Meu
avô sorriu e disse: - Não precisam fugir.
Está dada minha bênção!
A
Praça da Estação é triangular, e aí poderíamos até supor uma inadvertida menção a tríade divina, porque somente a divina providência reuniria aquelas histórias.
Assim Heleno conheceu o Heleno carioca, e sua outra filha, que também se
chamava Lúcia. Apaixonaram-se e se casaram.
Feliz
foi Juiz de Fora que tinha uma bela praça para receber seus visitantes e novos
moradores, expondo seus edifícios caprichosamente ornamentados e seus hotéis de
nomes evocativos: Príncipe, Capri, Renaissance, Centenário, Minas Hotel e
outros cuja memória se perdeu, mas que ainda poderiam contar muitos casos
assim; talvez um pouco banais e previsíveis, mas repletos de humanidade!
FIM
(?)
O cara de sorte. Ganhou na loteria rsrs
ResponderExcluirMeu pai trabalho no Príncipe Hotel! Eu bem pequena, o visitava lá e pude conhecer!!!
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