quinta-feira, 16 de julho de 2020

CONTOS DA PRAÇA DA ESTAÇÃO. #1


Primeiro conto: – “Heleno”
Felizes eram as cidades que tinham a sua Praça da Estação!
Primeiro encontro do viajante com a urbe, como o descortinar de um novo cenário onde parte da sua história seria escrita. Primeiro encontro do migrante e do imigrante com seu novo lar, onde sua história teria o recomeço. Ultima visão daquele que partia, encerrando uma história naquele embarque. As praças da estação eram guardiãs da parte mundana da cidade, pois já notaram que nenhuma tem igreja? As torres das estações ferroviárias não chamam fiéis com badalar de sinos, mas têm relógios que marcavam a hora da chegada do trem como símbolo máximo do progresso, materializando o desejo de ir e vir: e há algo mais mineiro do que o trem?
Heleno foi um destes migrantes que chegaram à Juiz de Fora em busca de uma nova vida em plena década de 1970. Ele era um garotão de longos cabelos e calça boca-de-sino que farfalhava a cada passo, cheio de disposição para vencer na vida.
Não foi difícil encontrar emprego num dos hotéis da praça, como faxineiro e camareiro no turno da noite. Nada parecido com o que imaginou, mas pelo menos tinha um quarto para dormir e salário.
No entra e sai de hospedes, que na verdade usavam o hotel para encontros fortuitos naquilo que chamavam “alta rotatividade”, Heleno trocava os lençóis após o sexo. Também nada muito agradável.
Uma noite, em meio á rotina do troca-troca de lençóis e casais, Heleno precisou arrastar a cama e um envelope caiu ao chão. Apanhou-o, e era bem empoeirado e muito sujo, pois estava enfiado entre o encosto da cama e a parede. Na verdade, parecia estar ali há muitos anos. - Puta merda, que lixo! – pensou, se preparando para jogá-lo fora quando notou que continha algo: um cartão postal do Cristo Redentor do Rio de Janeiro preenchido no verso com a data de 14 de julho de 1963, numa linha meio borrada que marcava um encontro: - “Meu amor, espere-me no quarto 16. Assinado: Heleno.” – ele achou impressionante a coincidência do nome com o seu próprio. Contudo, não havia mais nada escrito senão um número: 546742. – Isso será número do quê? – se perguntou.
Heleno tentou buscar nos antigos livros de hóspedes do hotel, quem estaria hospedado no quarto 16 naquela data; até porque em 1963, aquela era uma hospedaria de família. Lá estava o nome: Lúcia Maria da Silva, de Juiz de Fora, e mais nada. O gerente garantiu que era impossível descobrir quem seria aquela mulher após tantos anos. Assim, Heleno se conformou e guardou o cartão consigo.
Numa manhã, ao terminar seu turno, ele decidiu seguir pela Rua Halfeld em busca de uma lanchonete, e ao passar por uma lotérica viu bilhetes da loteria e se aproximou; havia um que continha àqueles números. Mais uma coincidência?
Como diria Allan kardek: “O acaso não existe”, e ele comprou os bilhetes.
Anos depois, Heleno se tornou um homem rico que soube administrar o dinheiro do prêmio num próspero comercio atacadista estabelecido numa rua próxima à Praça da Estação. Não se casou, menos por falta de pretendentes e vontade, mas por não encontrar afinidades com nenhuma candidata. O cartão postal foi emoldurado e pendurado no seu escritório como um talismã.
Uma tarde, ele estava atendendo a um vendedor, que falou: - Interessante; o meu pai também se chama Heleno. Ele é carioca!
- Ora vejam. É um nome difícil de encontrar xará! – Seria possível? Pensou Heleno ao querer saber mais: – Como é o nome de sua mãe?
- Lúcia! Mas infelizmente já é falecida.
- É mesmo?... Fale mais sobre eles. – riso nervoso: - Gosto dessas histórias!
O vendedor, que se chamava Joaquim, falou dos pais com muito carinho, e relatou que quase não se casaram, pois seu avô materno não queria que a filha se casasse com um motorista de táxi, carioca, sem eira nem beira, e proibiu terminantemente o namoro. Mas o jovem casal não desistiu, encontrando-se ás escondidas até decidirem fugir. Assim marcaram o encontro num hotel onde o Heleno carioca iria buscá-la no seu carro de praça para fugirem ao Rio de Janeiro. Porém, o pai da donzela descobriu o plano de fuga e foi procurá-la no hotel. Assustada, Lúcia escondeu o cartão postal que marcava o encontro, trazendo o numero da placa do carro de Heleno.  Então Joaquim mostrou uma velha foto dos pais ao lado de um vetusto táxi Ford cuja placa era 54-67-42.
- Mas então, seus pais conseguiram fugir?
Não exatamente, porque meu pai enfrentou meu avô! Chegaram a brigar á socos e pontapés no meio da Praça da Estação! – riso: - A polícia veio e os dois foram parar na cadeia por “desordem pública”. Então, presos na mesma cela, começaram a conversar e meu avô teria dito: - Você é muito topetudo, seu moleque. - ao que ele respondeu: - Eu sou mesmo! Amo sua filha, e vamos fugir de novo!
- Que audácia!... É serio isto?
- Eu juro por Deus! - Meu avô sorriu e disse: - Não precisam fugir. Está dada minha bênção!
A Praça da Estação é triangular, e aí poderíamos até supor uma inadvertida menção a tríade divina, porque somente a divina providência reuniria aquelas histórias. Assim Heleno conheceu o Heleno carioca, e sua outra filha, que também se chamava Lúcia. Apaixonaram-se e se casaram.
Feliz foi Juiz de Fora que tinha uma bela praça para receber seus visitantes e novos moradores, expondo seus edifícios caprichosamente ornamentados e seus hotéis de nomes evocativos: Príncipe, Capri, Renaissance, Centenário, Minas Hotel e outros cuja memória se perdeu, mas que ainda poderiam contar muitos casos assim; talvez um pouco banais e previsíveis, mas repletos de humanidade!

FIM (?)

2 comentários:

  1. O cara de sorte. Ganhou na loteria rsrs

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  2. Meu pai trabalho no Príncipe Hotel! Eu bem pequena, o visitava lá e pude conhecer!!!

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