terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O PORÃO - PARTE FINAL.

 

Uma história de Ramón Brandão e Marcelo Espindola.

 A cada momento Léo se lembrava de tudo: o cheiro, as paredes amareladas e a estranha sensação de não estar sozinho ali.

No final da escada. "A sala". Só que,... Vazia! Léo girava seu celular incrédulo: - Não é possível! - pensou. - Eu tenho certeza que era aqui. - neste momento a lanterna apagou deixando-o na escuridão, e o medo o paralisou. Fez muita força para chegar ao final da escada, e em momento nenhum olhou para trás, apesar da sensação de estar sendo seguido. Sentiu um imenso alívio ao ver que a porta do alçapão permanecia aberta.

Acabou de subir a escada e viu que a passagem estava bloqueada pelos entulhos do desabamento. Ouvia a voz de Clóris, aflita: - Léo!... Por Deus, responda!

- Eu estou bem!... – olhou em volta e viu um vergalhão de ferro solto e começou a golpear os escombros até abrir um rombo por onde saiu escalando o automóvel amassado caído na galeria.

- E então? - perguntou aflita enquanto o ajudava a sair: - Encontrou?  Você não o abriu, né?

Léo olhou para Clóris, ainda muito assustado, olhou mais uma vez para trás para certificar-se de que ninguém ou nada o tinha seguido.

 -O porão está lá exatamente como eu me lembrava, mas o baú sumiu. Eu tenho certeza que estava lá Cida, eu não entendo.

Ela olhou seu braço: - Você está ferido!

- Acho que me cortei; não é grave!

- Está sangrando, precisa fazer um curativo! Vamos embora Léo. Nós teremos muito que explicar na hora que eles voltarem do hospital. - Léo assentiu e subiram cada um para seu apartamento.

 

Pouco depois Avelino chegou à entrada do edifício onde algumas pessoas procuravam saber de onde veio o estrondo que chegou a tremer o chão. Ele se saiu com evasivas, mas ficou preocupado. A porta da garagem se abriu e ele entrou, freando em seguida para não despencar no buraco com sua camioneta. Ele abriu a porta exclamou: - Mas o que é isto? - aproximou do rombo onde o Ford Eco Sport jazia tombado. - Isso não podia ter acontecido! Estou perdido!

Então escutou batidas fortes vindas do buraco, como se alguém golpeasse as paredes com uma marreta, junto a uma espécie de gemido lúgubre. - O que é isso? Quem está aí? - buscou uma pistola que trazia no bolso do casaco. - Saia daí agora senão lhe meto

bala!

 

Ainda tensa depois de fazer o curativo em Léo, Clóris colocava a ração de Penny no pratinho, mas o cãozinho estava inquieto. - O que foi querida? - ela mordiscou a mão de Clóris e saiu em disparada. - Querida, o quê...? - então ouviu uma forte pancada que pareceu vir dos alicerces do edifício, seguido de disparos de arma de fogo que ecoaram no corredor. - Minha nossa!... É pior do que pensei! - e saiu correndo ao apartamento de Léo.

 

No hospital, João estava em pânico. Um segurança veio dizendo que vasculharam tudo e não encontraram o garoto. Isto o desesperou: - Meu filho sumiu; estava ao meu lado!... O que aconteceu com ele? - levava suas mãos á cabeça quando outro segurança o chamou para ver imagem na câmera de segurança, mostrando João conversando com a médica enquanto o filho estava sentado ao lado. Então Caíque vira a cabeça como que em atenção a um chamado. Outra câmera mostrava a porta do hospital com o menino saindo.                                                 - Aparentemente alguém o chamou! - falou o segurança: - Tinha mais alguém com o senhor, sua esposa e filho; que pudesse ter ficado lá fora?          

 - Não! Éramos apenas nós!...- de súbito lembrou que Léo se referiu a seu filho. - Ah,... Canalha! - e saiu correndo rumo ao seu apartamento, não sem antes pedir que não falassem nada à Débora.

 

Clóris chegou ao apartamento de Léo ofegante e bateu na porta: - Abra, depressa! – não houve resposta, mas a porta não estava trancada. Ela entrou e encontrou Léo no sofá com olhar perdido. – Eu escutei um tiro na garagem e um barulho horrível,... O mesmo que ouvia quando criança. Estou sentindo aquele medo novamente, e a mesma sensação que alguém me espiava, até mesmo no meu quarto quando dormia!

- Lembra que esta sensação o acompanhou até sua puberdade, e depois sumiu? Você deixou de ser criança, assim, deixou de ser do interesse do monstro! – falou Clóris.

- Só que a memória daquele pavor me perturba até hoje. Tenho medo!

- Mas não temos escolha Léo; o filho de João está em perigo e precisamos impedir que ele entre no subsolo e o encontre! – segurou sua mão: - Não temos tempo a perder! – Léo levantou-se e ambos saíram. Clóris disfarçava, mas estava apavorada.

 Eles chegaram á garagem no mesmo instante que João adentrava a portaria gritando… - Filho da puta! - Avançou em Léo segurando-o pelo colarinho: - Onde está meu filho seu vagabundo? - ele tentava desvencilhar quando Clóris chamou atenção dos dois: - Olhem! É Avelino ali no chão.

O homem estava sentado olhando para frente, catatônico, com braços esticados segurando a arma.             

 João largou Léo e seguiu devagar na direção de Avelino, que o olhou lhe apontando a pistola.             

 - Oh Deus! - exclamou Clóris.            

 Léo veio andando ao lado para ajudar a distraí-lo, enquanto João se aproximava; Avelino tinha olhar de pânico. - Fique calmo, está tudo bem! - chegou mais perto: - Me dê a arma, por favor! - ele pareceu encostar o dedo no gatilho; João chegou mais perto, fitando-o nos olhos. - Alguém pode se machucar,... Por favor, me dê a arma. - com jeito conseguiu tomar a pistola para travá-la em seguida.         

 Ele continuava de braços esticados segurando o nada, e disse. - Eu nunca acreditei,... Achei que era conversa de gente velha!... Meu pai falava,... Dizia pra fazer o que quisesse aqui, mas,... Deixasse o demônio em paz!... De onde veio isso, meu Deus; de que inferno veio isso? - Clóris o amparou.

João se levantou. Olhou Léo e lhe apontou a arma: - O que você fez com meu filho? Cadê ele, seu canalha!

- Abaixe esta arma João. Precisamos descer lá!  

- Descer onde? – ele abaixou a arma soluçando: - Por favor,... Onde está Caíque? Fala seu canalha; O que você fez com o meu filho?

Léo lhe tomou a arma e falou olhando diretamente em seus olhos. - Você precisa acreditar em mim, eu nunca faria nada com seu filho, mas eu sei onde ele está... – apontou ao buraco: - Nós precisamos entrar aí!

- Isso é loucura, como meu filho, uma criança de quatro anos pode entrar aí?                                              Avelino riu e falou ainda trêmulo: - Seu moleque entrou aí atrás do que eu e Léo procuramos depois de ouvirmos chamados, barulhos... Toques. - riso nervoso: - Eu nunca acreditei,... Ou acreditei por um tempo. - deu de ombros: - Mas está aí. Agora eu vi.

Clóris aproximou: - Então conte para nós, Avelino. O que havia nessa casa construída por seu bisavô em 1907?

- A senhora bem sabe! Antes não havia nada, ele a construiu para alugar. Tinha um punhado delas por aí; era só mais uma! Aí, um pouco antes de acabar a guerra de 1945, uma mulher alugou; não sei direito o nome. Acho que era Elza.

- Seria Elza Steinberg? - perguntou Clóris.

Ele riu nervoso: - A senhora sabe; não se faça de boba, Clóris ou, melhor dizer: Cida!

- Esperem! – interrompeu João: - Elza Steinberg era minha avó!... Ela viveu aqui?              

- Sim senhor João Steinberg. – abanou a cabeça: - E eu também!  Era uma garota judia de onze anos adotada pelos Steinberg.

Léo perguntou: - Cida,... Você nunca me disse isto!

Avelino riu novamente: - Ah Clóris: até mudou de nome para continuar por perto do casarão!

Ela se virou á Avelino: - Então continue a nos contar a parte que eu não sei; seu patife!

Ele grunhiu e falou: - Um dia veio essa família de alemães: mulher, marido e uma garota que se fazia de filha deles; mas não queriam que ninguém soubesse que eram alemães Então mudaram o sobrenome, viraram Monte: Elza e Francisco Monte. E você, Clóris, que virou Maria Aparecida Monte!

- Nós mudamos de nome porque gente vinda da Alemanha não era bem vista por causa da guerra.

- Ah! Conte direito a história Cida! – desafiou Avelino: - Pensa que eu não sei; prefere que eu conte?

- Não! – ela abanou a cabeça: - Mudamos de nome porque fugimos da Alemanha. Franz Steinberg, meu pai adotivo, era um dos homens de Heinrich Himmler; aquele assassino!

 - O quê? - Espantou-se João. – A senhora não sabe o que diz: meus avós eram judeus!                                        

 - Não é tão simples!  A sua avó era Judia de sobrenome Dahyan e seu avô era camponês e vivia nas montanhas. Ele a conheceu e se apaixonaram; mas para escaparem dos nazistas, ela mudou de nome, e se casaram. Franz era uma espécie de ocultista, estudioso das lendas germânicas, principalmente Rübezahl, que é um espírito das montanhas muito poderoso que quando acuado torna-se um monstro capaz de provocar explosões muito violentas. Himmler tinha conhecido seu avô quando ainda era um agricultor da Baviera, estúpido e ignorante! Quando passou á ser o poderoso chefe da SS nazista, ele se lembrou de Steinberb e suas pesquisas sobre Rübezahl, e passou á crer que poderia usar este poder como uma arma de guerra!

- Como assim Cida? – perguntou Léo.

- Ele planejava infiltrar o demônio nas casas dos chefes aliados, através de alguma criança da casa: um filho ou neto. Então poderia eliminá-los numa explosão que ninguém saberia a razão!

- Por que criança? – inquiriu João.

- É porque Rübezahl essencialmente é um demônio-criança; e esses seres são muito perigosos porque não possuem limites, como crianças peraltas. Himmler acreditava poder usar este poder no exército do Terceiro Reich,... Uma insanidade! Então Steinberg foi obrigado a contribuir com Himmler em troca de proteção a sua família. Uma chantagem sórdida!

João abanou a cabeça: - Isso é loucura! Gigantes, demônios,... Nada disso existe!

- Existe sim, senhor Steinberg, e mentes doentias tentando manipular as forças da natureza nas suas vilanias também existem! Então, sua avó induziu o marido á fuga da Alemanha antes que fosse tarde. O ano de 1945 havia começado, e o império do terror nazista não iria sobreviver. Como colaboradores os Steinberg poderiam ser julgados e condenados! Além disso, os experimentos com o ocultismo foram longe demais, e Rübezahl era uma realidade medonha,... E amedrontada na sua forma infantil, que tomada de medo, transforma-se no gigante de cauda que precisa de almas inocentes para viver. - suspiro. - E isto tinha de sobra nos campos de concentração, nos inocentes não nascidos.

Avelino riu com zombaria. - Foi esse o demônio que tomou conta de tudo por aqui! Mulheres das vizinhanças tinham abortos sem explicação!

- Sim! - Cortou Clóris: - O demônio veio junto com o casal Steinberg! Franz não conseguia esconjura-lo ou mandá-lo de volta as montanhas da Silésia; até que, depois de muito estudo, descobriu que na sua forma infantil, tudo que o demônio queria, era um lugar aconchegante para dormir! - riso: - Como qualquer bebê! Então fizemos um ritual para atraí-lo á um baú onde haveria uma imagem, ou boneco, que seria seu corpo simbólico. Havia um tema musical próprio, oriundo das montanhas da Silésia, com poderes de encantar o demônio. Elza sentou ao piano, e executou a peça que a princípio o deixaria na forma de gigante, furioso e etéreo, como uma bomba!

- Então,... Esse monstro está atrás do meu filho? – perguntou João apavorado.

- Sim senhor Steinberg. Para ele é como se fosse um amiguinho! Só que é extremamente perigoso porque a qualquer desatenção ou repreensão, ele se irrita, e provoca a explosão!

Avelino lembrou: - Eu era uma criança de seis anos, e me lembro da explosão que quase levou o casarão inteiro pelos ares!

- Foi exatamente no dia que Elza e Franz conseguiram esconjurar o demônio, acalmando-o com a melodia tocada ao piano por Elza, Porém, o sortilégio só funciona se tocada até a última nota, ao momento certo! Eles conseguiram á custa da vida de seu avô! Ocorreu uma explosão que fez parte do telhado da casa desabar, soterrando Franz, que morreu. – João olhava em volta completamente atônito, quando ela concluiu: - Elza estava grávida de seu pai, João; e resolveu ir viver no Rio de Janeiro, próximo aos nossos irmãos de Israel.

- E largou o demônio aqui! - resmungou Avelino. - De alguma forma meu pai sabia desta história, porque deixou o baú no porão da casa reconstruída.  Deve ter arrancado um bom dinheiro da judia em troca!

João se aproximou irado: - Seu vagabundo miserável! Então, mesmo sabendo disto, construiu esse prédio. Nunca lhe passou pela cabeça que pudessem ser ocupados por gestantes, que poderiam abortar?... Eu devia lhe encher de porradas seu verme!

- Acalme-se João! - Falou Clóris. - E o que aconteceu depois Avelino? Você também viu o baú!

- Sim. Depois que meu pai reconstruiu a casa, viemos morar aqui com aquele maldito baú no porão. - tomou semblante assustado: - Eu ouvia barulhos e batidas na casa, e sabia que vinha do porão. Um dia eu entrei para ver, e lá estava o baú fechado. Fui abrir, mas meu pai tinha me seguido e me bateu de cinturão, fazendo prometer que nunca mexeria nele, porque o demônio estava preso dentro!... Quando meu pai morreu eu resolvi demolir o pardieiro caindo de podre para fazer este prédio. Mas mantive a parte de baixo do casarão com o maldito baú! Eu ainda tinha medo, e obedeci.

 Clóris perguntou: - Obedeceu até quando?

- Até ontem, quando eu consegui vencer o medo que me atormentou por anos, e abri o baú; mas não havia nada que prestasse dentro; só um boneco de pano cheio de traças, que eu queimei junto com os cacos do baú!        

 Clóris abanou a cabeça: - Imbecil! Antes você tivesse continuado com medo!

Então ocorreu um forte estrondo na parte de baixo do prédio. João falou: - Meu filho,... Ele está com este monstro?

- Sim senhor Steinberg. A inocência do seu garoto o vê como um coleguinha invisível, e não como um demônio. É assim que ele age.

- Temos que encontrá-lo! – falou Léo: - Vamos entrar pelo buraco,... Mas pode desabar tudo com a gente!

Então ouviram latidos: era Penny á entrada da sala de vassouras ciscando as patinhas na porta.

João olhou Leo falou: - Vamos entrar por ali!

 Os dois seguiam pelo labirinto subterrâneo sob o edifício.

- Eu não me lembro de nada disso aqui, Você tem certeza que esse caminho leva ao porão? - Perguntou Léo.

- Só tenho certeza que preciso encontrar meu filho! – gritou: - Caíque, onde você está? - há um estrondo que faz cair poeira e fragmentos do teto, João desespera! - Caíque; é Papai, onde você está?    

 - Papai? - Ouvem a voz do garoto.                                    

 - Onde você está meu filho?                 

 - O menino não quer entrar!

- João, o monstro está com o garoto, eu sei que está. Nós precisamos encontrá-lo rápido!

João pergunta: - Você está sozinho aí filho?                   

 - Não!... Mas ele não quer entrar!... Porque ele não quer?                                        

 - Caíque!... Saia de perto dele! Ele é mau! - há novo estrondo com partes das paredes desabando. - Caíque!... Caique!

Guiaram-se pela voz do menino: - To aqui pai! –  encontraram o local. Caíque estava num cômodo pequeno com uma silhueta lúgubre atrás dele que parecia fechar os braços em torno do menino. João se exalta ao ir buscá-lo, mas Léo o detém. – Espere! – olha o garoto:

- Caíque, pode vir, está tudo bem. Ele vai entrar!

- Você jura?

- Sim, eu juro! – então subitamente eles escutaram o som de um piano entoando uma canção semelhante á uma polca. Há um rugido e os braços desaparecem do entorno de Caíque.

João falou: -... É a musica que vovó tocava ao piano.

- É agora! – Léo olha Caíque: - Vem com o tio, vem!

Apesar de assustado Caíque consegue dar um passo à frente e neste momento João o puxa e correm em direção á escada, ecoando em seguida um urro fortíssimo que treme as paredes como se fosse o som de um avião a jato. Desnorteados eles correm pelos túneis do porão entre estrondos e poeira levantada. As luzes dos celulares criavam paredes falsas refletidas na poeira, até que avistam a escada. Eles correm pelo apertado cômodo das vassouras enquanto pedaços do teto caem. Ao saírem, Penny está latindo assustada, Léo a apanha. Clóris está ao piano que estava na garagem e ordena: - Corram, vai desabar tudo daqui a pouco! 

- Mas o menino não quer entrar! - falou Caíque mostrando o baú amarelo aberto com o bonequinho dentro.         

 - Ele vai entrar meu anjo. Eu vou atraí-lo com a melodia da montanha! - há um gigantesco estrondo com poeira levantando e partes do teto caindo. Ela olha a todos: - Saiam depressa! O monstro está furioso!

Léo intervém,

- Não Cida, você não pode ficar, vem com a gente ainda dá tempo...

Ela sorri: - Dará tempo sim, para vocês! Eu devo isto a uma grande amiga chamada Elza Dahyan, que me salvou de Auschwitz! - há um novo estrondo. - Agora saiam, preciso me concentrar para minha derradeira audição!

Léo olhou para Cida uma última vez, não precisaram trocar uma palavra sequer. Ela sabia o que tinha a fazer e ele sabia que ela havia aceitado seu destino em paz. Ele enxugou uma lágrima que escapou e correram em direção á rua, mas a portaria já estava tomada de escombros, e o portão da garagem não abria.

- Entrem na camioneta! – ordenou João, que tomou sua direção enquanto Avelino, Léo e Caíque entraram, junto com Penny. Ele engatou a marcha ré e acelerou o veículo, que arrombou o portão e saiu á rua á segundos do desabamento total da fachada do prédio.

Em meio á chuva de pedaços das lajes e a um silvo supersônico, Clóris continuava ao piano e desafiava: - Vamos lá, neném, ouça sua canção de ninar; é a última coisa que vai ouvir seu demônio!

A camioneta se colocou à distância. Eles saíram e viram o prédio se decompor enquanto a música continuava até a última nota. Então o edifício Doutor Egídio Ladeira implodiu de uma vez, e por um instante a poeira levantada recompôs a fachada do antigo solar de 1907, e logo se dissipou.                     

Caíque apontou e falou: - Ih Papai; ficamos sem casa!                                         

 João o abraçou com os olhos molhados. - A gente arranja outra, filho!

O garoto riu e mostrou o baú. - O menino entrou!

Léo olhou para Caíque e falou - Posso ficar com o baú? Ele vai ficar bem guardado: o tio promete! - Caíque então lhe entregou o baú e pegou Penny no colo. - Pai, podemos ficar com ela? João assentiu e abraçou Léo, que o abraçou de volta numa despedida.

Léo entrou em seu carro e colocou o baú a seu lado no banco e sobre ele o amuleto que recebera de Cida.  Muito depois ele descobriu que a inscrição era em hebraico e dizia.

“Ninguém foge do próprio destino!”

Ligou o carro e seguiu rumo ao seu próprio!

 

Três anos depois:

João recepcionou Léo na sua casa.   O desabamento do edifício Dr. Ladeira foi creditado a falhas no terreno, mas Avelino não escapou de processos por negligência e, como indenização, teve que dar um bom imóvel à família Steinberg.

Era uma bela casa num condomínio afastado da cidade.

 

Débora o recebeu com certa reserva, mas foi cortês.

Os dois seguiram a varanda com João se desculpando: - Desculpe a frieza de Débora. Ela ainda está abalada com os episódios. Isso passa! Mas assusta pensar no perigo que nosso Caíque passou. Você nem imagina como meu casamento andou perto de acabar! Mas, estamos nos acertando. Nosso bebê nasceu lindo: uma menina que dei o nome de Clóris. Achei justo!

- Uma bela homenagem. – sorriu Léo.

- Apenas uma coisa ainda me causa dúvida: Eu você e Avelino, de certa, forma tínhamos relação com a casa, e não consigo acreditar que isso tenha sido mera obra do acaso. Você acha que dona Clóris teve alguma coisa com isto?

 - É possível João. Só sei que aqueles poucos dias em que estive no edifício doutor Ladeira mudaram também a minha vida. Eu fui lá atrás de respostas, e de certa forma consegui encontrar. Agora eu estou em paz, o baú está em um lugar isolado e seguro. E eu estou voltando á vida normal. Arranjei um novo trabalho de representante comercial que é o que gosto e sei fazer, e agora é seguir em frente e ver o que a vida me reserva!

Encheram suas tulipas de cerveja e se debruçaram na mureta da varanda.

 Eles ficaram ali muito tempo vendo Caíque brincar com a pequenina Clóris e a mãe. Penny corria feliz entre eles. Naquele momento Léo sentiu uma paz há muito esquecida

 

A milhas dali, num povoado encravado nas montanhas da Alta Silésia, entre a Alemanha e Polônia, uma região de forte aura mítica, Theo tentou acordar sua mãe depois de um longo dia de trabalho. Ela e o marido eram guias e levavam turistas em caminhadas pelos penhascos rochosos cheios de grutas, ruínas e mistérios. Seu pai ainda estava em uma trilha ao final da tarde, a mãe voltou mais cedo para casa recém construída para ficar com o pequeno Theo de quatro anos, pois sua babá, Frau Clóris, lhe pediu para sair mais cedo, e ela aproveitou para tirar um cochilo. Theo sacudiu a mãe com ainda mais força.

- Wach auf mama! Junge will ausgehen!*

 

 

 

FIM.(?)

 

*Acorde mamãe! O menino quer sair!

 

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