quinta-feira, 28 de novembro de 2019

THORKO E ILONA JOO.


"que horrível esta gente feia que passa na nossa rua..."


A jovem espiava o movimento da rua pela janela do apartamento. Era pálida e seu olhar procurava algo especial por entre os transeuntes, e suspirou. – Que horrível esta gente feia que passa na nossa rua! – seu namorado estava sentado numa poltrona e reclamou: - Nunca tivemos um período tão escasso Ilona; precisamos de sangue novo!  – passou sua mão branca no rosto: - Tenho vontade de chegar á rua e pegar o primeiro que aparecer! – ela o repreendeu. – Está louco Thorko; quer que nos descubram? – e continuou à janela naquele fim de tarde quando algo lhe chamou atenção: um carro que parava em frente. – Thorko, venha ver! – saiu uma mulher acompanhada de uma linda garota cujos cabelos sedosos balançavam á brisa e entram no prédio; como seu apartamento ficava no térreo, conseguiram ouvi-las tendo dificuldade em abrir a portão do hall. – É agora! – falou Ilona.
A mulher estava embaraçada com as chaves e Ilona surgiu solícita, explicando: - É a chave pequena que abre a fechadura!  - ela tentou e conseguiu: - Oh, muito obrigada. Entre, filha! – a garota entrou, e era ainda mais linda de perto: alta, pele rosada e rosto arredondado com dois grandes olhos azuis. Thorko se aproximou e Ilona perguntou: - São moradores novos?
- Não exatamente: sou relações públicas e estou na cidade á trabalho.  Preferi alugar um apartamento de temporada; é melhor do que Hotel.
- Com certeza! Sou Ilona Joo; como você se chama?
- Sou Ana, e esta minha filha Betina! – a garota sorriu com lábios vermelhos mostrando dentes perfeitos e brancos. Thorko arregalou os olhos quando ela jogou o cabelo para trás mostrando seu colo e pescoço. - que moça linda; quantos anos você tem? – perguntou Ilona.
- Quinze. – respondeu com uma voz tímida.
Ana falou seguindo ao apartamento ao lado: - Iremos embora amanhã á tarde. Bem, muito obrigada! – a garota seguiu a mãe espiando os vizinhos com olhar desconfiado.
O casal retornou ao seu apartamento com Thorko se contorcendo de excitação. – Ela é perfeita, maravilhosa e linda,... Só tem quinze nos, e aposto que é virgem! Ah,... Só de pensar na pulsação adolescente que emana daquele corpo,... - Vamos bater na porta delas e acabar logo com esta aflição!
- Não podemos fazer isto; você se esqueceu das vezes que estivemos por um triz de sermos apanhados?... Mas eu sinto que vai acontecer algo a nosso favor.
- Mais uma dos seus sortilégios Ilona?
- Não Thorko; apenas um pressentimento!

Á noite, Ilona ouviu uma conversa no corredor: era Ana ao telefone: -... Não acredito que vocês vão me deixar na mão!... Avisam em cima da hora e não arranjam ninguém para ficar com minha filha enquanto trabalho? Isto é sacanagem!
“A ocasião bate á porta” pensou Ilona ao sair, simulando ajeitar o capacho, enquanto Ana prosseguia: - Querem saber de uma coisa? Vão á merda! – desligou o telefone e pôs a mão na testa, resmungando: - Tô fudida!
Ilona aproveitou: - Acabei ouvindo-a sem querer: algum problema?
- Problemão! Já estou arrumada para ir ao evento que vou trabalhar, até chamei o uber, e só agora a agencia me diz que não poderá mandar a babá para ficar com Betina! E quem me contratou deixou bem claro que não posso levar minha filha. Que droga; vou ter que desmarcar o trabalho;... É capaz de me despedirem!
- Ora; se você quiser, nós podemos tomar conta da sua filha! Não vamos sair hoje.
- Não quero incomodar; o evento vai acabar de madrugada.
- Sem problema algum, eu meu namorado somos notívagos! A não ser que você não confie em deixar sua filha com pessoas que não conhece.
- Oh não, vocês é que estão sendo bons com uma estranha!...  Mas,... Jura que não vai atrapalhar?
Ilona abanou a cabeça. – Claro que não! – Thorko chegou á porta e ela perguntou: - Não é amor? – ele respondeu. – Não vai incomodar nada; será um prazer!
Ana sorriu e respondeu: - Puxa gente: muito obrigada, nem sei como agradecer! Vou buscar Betina. – os dois trocaram olhares, e Ilona ouviu a garota resmungar antes de sair: - Eu não quero ficar com esses dois esquisitões! – Ana cochichou. – Fala baixo; são apenas góticos que gostam de andar de preto. Não seja criança Betina, por favor! – e saiu trazendo a filha enquanto olhava a rua pelo portão: - Meu uber chegou! Comporte-se héim; você é uma moça! Mais uma vez obrigada, gente, e qualquer problema, me liguem! Até mais! – e saiu correndo pelo portão ajeitando um casaco nas costas.
Então Ilona olhou Betina e lhe disse puxando a mão. – Vamos entrar? – eles á conduziram ao apartamento com paredes pintadas de preto, estofados em roxo, móveis antigos de madeira escura e outros adereços macabros. Betina olhava em torno com olhar receoso até se deparar com um retrato de dama antiga numa moldura barroca rebuscada. Fitou-o um instante e perguntou: - Quem é esta mulher, uma princesa? – Ilona respondeu: - Não; esta é a condessa Elizabeth Barthory, que há muitos séculos viveu num castelo lindo nas montanhas dos Cárpatos, na Hungria! – Betina perguntou. – É uma que era vampira? – Ilona sorriu e respondeu. – Nada disso, ela era uma mulher adiante do seu tempo, uma visionária! – Thorko vinha trazendo uma bandeja com um copo e á ofereceu: - Trouxe um refresco de frutas vermelhas; uma delícia, prove! – Betina tomou um pouco e gostou. Então Ilona a conduziu á um corredor enquanto falava. – Você gosta de jogos? – ela assentiu: - Então venha conosco,... Vai ser divertido! – Entraram num quarto e fecharam a porta.

Tempos depois num noticiário de TV: “A polícia continua sem pistas do crime ocorrido há quinze dias, quando foram encontrados os corpos de Maiconsuel de Almeida e Maria José da Silva, já em estado de decomposição ao lado de uma banheira cheia de sangue. O referido casal atendia pelas alcunhas de Thorko e Ilona Joo, e era procurado pela polícia por divulgar pedofilia pela internet, inclusive havia um estúdio fotográfico montado no apartamento para este fim, além de inúmeras fotos de meninas e adolescentes vestidas de vampiras em trajes sumários”...
Há uma sonora gargalhada no carro enquanto a garota afastava seus cabelos sedosos dos olhos ao dizer: - Casalzinho patético! Maiconsuel e Maria José se passando pelos meus mais fiéis vassalos; Thorko – que guiava o carro. – e Ilona. - no carona. – Queriam que eu fizesse fotos, quase nua, com uma capa e dentes postiços de plástico! Horripilante, para dizer o mínimo. Ilona, você foi perfeita no papel de Ana, a relações públicas! Mas aqueles dois idiotas serviram bem; eu precisava me banhar em sangue. – riso. – Tutorial de beleza da condessa Elizabeth: banhar-se em sangue é a garantia da aparência de quinze anos por quatrocentos e nove anos; acho que vou até publicar isto no YouTube! – novo riso. – Desde que nós fugimos da Hungria em 1610, eu nunca vi um século tão esquisito quanto este XXI. O casal não fazia sexo; como assim?  - gargalhada. - Eram dois pervertidos que se masturbavam vendo fotografias das meninas. Que século bizarro este!
- Para onde vamos agora Majestade?
- Hum,... Deixe ver aqui Thorko. – A condessa mexeu no seu notebook e assinalou. – Eu achei mais uma turminha postando pornografia infantil na rede! – abanou a cabeça. – Que feio, até pelas fotos está evidente que não fazem sexo! Juro que eu nunca vou entender isto.
- Aonde é Majestade?
- É num lugar chamado Juiz de Fora; que nome estranho! Thorko; pegue a BR 040 e siga pra esta cidade em que o juiz não mora lá. Quando chegarmos, veremos como agir! - a condessa recostou no banco traseiro do Porsche Cayman, pôs os óculos escuros e filosofou: - Pensem que estamos fazendo um serviço de utilidade pública, limpando o mundo desta corja de pervertidos! Quem sabe não entramos para a polícia?
Mais uma gargalhada quando o carro seguia pela estrada.

Fim

ESTRADAS ASSOMBRADAS



segunda-feira, 25 de novembro de 2019

"certos espíritos...."


“Certos espíritos podem ser atraídos por coisas materiais; podem sê-lo por certos lugares, que podem escolher como domicílio até que cessem as razões que o levaram a isto.”
                                                                                  Allan Kardek

Numa noite de sábado em 1995, o casal de amigos Estevão e Vera (nomes fictícios) seguia rumo á uma exposição agropecuária na cidade de Mar de Espanha (MG), num Chevrolet Caravan. Fazia muito frio, com nevoeiro, e chuviscava. Vera guiava com cuidado e iam conversando amenidades quando Estevão falou brincando: - E se entrasse uma mulher na frente do carro agora, o que você faria? – eles riram e repentinamente um vulto branco saiu da mata ao largo da estrada e se colocou no meio da via obrigando Vera a pisar no freio com toda força para não atropelar a estranha mulher trajando vestido branco, molhada de chuva e com cabelos longos até a cintura. Os dois se assustaram e ficaram ainda mais quando a mulher aproximou da frente do carro e começou a socar o capô com força, gritando palavras incompreensíveis. Estevão falou á Vera que engatasse a marcha ré para saírem dali, mas apavorada ela deixou o carro morrer. Então a mulher andou até a porta do motorista e começou a socar o vidro com força enquanto gritava: - Me deixa entrar, me deixa entrar! - mas eles não conseguiam ver sua face porque o vidro estava embaçado. Ela gritava e sacudia o carro, mas mesmo em pânico Vera conseguiu ligar o motor e saíram em disparada pela estrada deixando a estranha figura para trás.

Numa madrugada de junho, em 1976, um português de nome Vilarinho acompanhado de sua esposa acabava de iniciar a subida da serra, depois de Duque de Caxias (RJ), rumo á cidade de Juiz de Fora (MG) num Volkswagen Variant. Naquela época ainda não havia a BR-040 e a antiga Estrada União Indústria era de mão dupla obrigando-os a seguirem em baixa velocidade, ainda mais com nevoeiro. A viagem correu tranquila até que de repente surgiu um carro preto seguindo adiante no meio da névoa. Vilarinho estranhou porque ele parecia ter acessado a rodovia pela encosta á esquerda, coberta de mato, mas sua esposa afirmou que devia haver alguma estradinha que passou despercebida. Ele deu de ombros e continuou a viagem olhando o que lhe pareceu ser um velho carro americano, tão sujo que não era possível ler a placa e aparentemente tinha apenas o motorista. Aquilo lhe deu um pouco de aflição, então decidiu ultrapassá-lo, mas quando acelerou, ele acelerou também quase desparecendo no nevoeiro. Vilarinho desistiu, pois não achava seguro correr naquelas condições; mas logo o carro preto diminuiu a marcha, tornando a se aproximar. O português tentou ultrapassá-lo mais duas vezes e acontecia a mesma coisa, até que um ônibus surgiu por trás, buzinando e com seta piscando à esquerda indicando ultrapassagem. Ele manteve-se á direita para que o ônibus o ultrapassasse e certamente ao carro preto também. O ônibus ultrapassou e buscou a pista da direita de modo tão abrupto que fatalmente abalroaria o carro logo á frente. Assustado Vilarinho diminuiu a marcha ante a eminência do acidente, só que não aconteceu nada e as lanternas traseiras do ônibus da viação Util sumiram nas curvas da estrada.
- Não bateu, como assim? – se perguntaram, pois não viram qualquer indício de acidente ao largo da pista. Mais adiante havia um restaurante chamado Piabanha, em Posse (RJ), onde os coletivos da viação Util faziam parada. Os portugueses pararam e reconheceram o ônibus da ultrapassagem, e se aproximaram do motorista perguntando sobre o veículo que seguia adiante da sua Variant.
– Não havia nenhum carro preto á frente, a estrada estava livre! – foi sua resposta.

Em 18 de setembro de 1960 cinco pessoas faziam uma viagem noturna, numa Rural Willys, de Luisiânia (GO) rumo á Brasília; a então recém-inaugurada capital Federal brasileira. Até a meia noite tudo transcorreu normalmente quando o marcador de temperatura do motor demonstrou aquecimento. O motorista parou e junto com um dos passageiros foi verificar o que ocorreu, já imaginando o rompimento da correia do ventilador do radiador; porém, ela estava intacta e não conseguiram descobrir a razão daquele súbito aquecimento. Já iam entrando de volta no carro quando o passageiro foi atingido por uma pedra na testa, ferindo-o, seguida de uma saraivada de pequenos pedregulhos que vinham dos arbustos marginais á rodovia. Uma passageira que estava á janela quase foi atingida por uma pedra, que, estranhamente, pousou mansamente sobre suas pernas. O motorista olhou em torno e pareceu-lhe ter visto vultos escondidos atrás dos arbustos enquanto outro passageiro sacava uma arma de fogo desferindo disparos para espantar o que imaginou serem bandidos tentando um assalto, mas o apedrejamento continuou, obrigando-os a entrar no carro e saírem rápido. Havia um posto policial adiante e decidiram informar ás autoridades sobre o incidente. Um soldado armado pediu que o levassem ao local do apedrejamento e em pouco tempo chegaram ao lugar. Contudo, mal saíram da Rural para serem novamente alvejados com uma chuva de pedras e o motorista manobrou para que os faróis iluminassem os arbustos de onde vinham as pedras enquanto o soldado saia pelo mato com lanterna e erma nas mãos, mas não encontraram ninguém escondido. No posto policial foi feita a ocorrência e decidiram seguir viagem á Brasília.
Mas após alguns minutos na estrada, recomeçou o apedrejamento e a porta do carona começou a se abrir. Conseguiram fechá-la, mas foi só largar a maçaneta para a porta se abrir novamente sendo preciso segurá-la com toda força para mantê-la fechada. Então iniciou um chuvisco de areia sobre a cabeça dos ocupantes que parecia vir do teto do carro ao mesmo tempo em que lhes pareceu ver um vulto correndo ao lado do carro, á mesma velocidade, e isto seria impossível! Apavorado, o motorista acelerou mais ainda o carro com os passageiros cobrindo os olhos para não serem feridos pela areia. Ao chegarem á Brasília, ás duas horas da madrugada e exaustos, seguiram ao hotel sem relatarem o acontecido a ninguém. Na manhã seguinte o motorista foi examinar a Rural imaginando que as pedradas deviam ter arranhado a pintura e devia haver areia no interior. Mas não havia um arranhão e não tinha um grão de areia sequer nos bancos ou no assoalho do carro, e nem nas suas roupas. As únicas provas do episódio era o corte na testa do passageiro e um arranhão no braço do que segurou a porta, evitando que se abrisse.  

Estas três narrativas poderiam compor um imaginário que poderíamos definir como “estradas assombradas”. No folclore brasileiro há inúmeras lendas de assombrações que vagam pelas estradas assustando viajantes, como o “Pilão de Fogo” ou “Mão de Pilão”: um demônio com o corpo em labaredas que persegue e queima quem cruza seu caminho; o “Galo Depenado”: um enorme galo totalmente sem penas que se apodera dos pertences dos viajantes depois de matá-los a bicadas e esporadas. O “Maty-Taperê” ou “Matita-Pereira”: um índio que vive nas aldeias abandonadas e se transforma numa enorme ave que com seu guincho faz os viajantes se perderam nos caminhos; o “Cavalo das Almas”: um cavalo preto que aparece nas estradas ás noites para recolher os mortos recentes, levando suas almas à garupa para o inferno; e ainda a “Porca-dos-Sete-Leitões” que dizem ter sido uma bela mulher que tinha sete filhos, que, muito arrogante, teria expulsado um feiticeiro de suas terras. Por vingança ele a transformou numa porca e seus filhos em leitõezinhos que soltam fogo pelos olhos narizes e bocas, que vagam pelas estradas assustando viajantes com seus urros nas encruzilhadas (percebem-se semelhanças com o mito de Niobe da tradição Greco-romana).
Há também uma larga gama de histórias de assombrações em forma de mulheres de branco que vagam pelas estradas e rodovias, sempre ás noites. Nos canais do YouTube existem inúmeros vídeos com aparições de fantasmas de mulheres vestidas de branco que surgem vagando errantes no meio da pista ou no acostamento sem nenhuma razão para estarem ali á aquela hora, apavorando os motoristas (mas a maioria são vídeos de autenticidade duvidosa). Entre motoristas de caminhão existiria uma variação em que a mulher pode aparecer vestida de noiva e pede carona em estradas e postos de gasolina, sempre á noite. Quando o motorista para, não há ninguém, ou quando a “assombração” aceita e entra na boleia, transforma-se num demônio com cabeça de caveira e mata o motorista. Em algumas estradas norte-americanas haveria lendas de uma loira nua que surge nas madrugadas guiando um conversível branco, e ao ultrapassar um carro ou caminhão, enfeitiça o motorista que passa á persegui-la até chegar á uma curva fechada, quando ela desaparece e o motorista despenca no abismo. Dizem que é o fantasma de uma jovem estuprada e assassinada. São variações do mesmo mito em regiões e países distintos.
A parapsicóloga Elsie Dubugras (São Paulo, 1904 – 2006) afirmou que histórias de assombrações, aparições, barulhos e outros fenômenos merecem estudo especial, pois se realmente ocorreram, é preciso descobrir por que e como foram provocados e pode haver uma explicação normal. A mulher que saiu da mata e assustou os dois jovens na Caravan, poderia perfeitamente ser uma pessoa pedindo ajuda, portadora de alguma perturbação psicológica ou mesmo alcoolizada. O carro preto que surgiu na estrada adiante do casal Vilarinho, poderia realmente ter acessado a via por uma estrada vicinal, e ter acelerado rápido antes que o motorista do ônibus pudesse vê-lo e entrado em outro acesso ao longo da via. No caso da Rural que apresentou súbito aquecimento de motor sem explicação, há um detalhe técnico nos motores “Hurricane” que equipavam veículos da marca Willys Overland: eles funcionavam á temperaturas mais elevadas que o convencional e isto poderia ser confundidos com alguma anomalia. E quanto aos pedregulhos, devemos lembrar que a estrada que levava á Brasília em 1960, embora fosse asfaltada, poderia ter cascalho solto sobre o pavimento que arremessado ás caixas das rodas da Rural produziriam barulho. Mas a areia no interior do veículo (aporte) e a porta se abrindo não encontrariam explicações naturais. 
O parapsicólogo holandês George Zarab considerava que tanto em casos de assombrações como nos de poltergeist, era imprescindível a presença de pessoas, ou médiuns, que forneceriam a energia necessária ao acontecimento de fenômenos paranormais, ou sobrenaturais. No primeiro caso, o fato de Estevão ter dito “e se entrasse uma mulher na frente do carro agora, o que você faria?”, poderia ter funcionado como uma espécie de gatilho para a manifestação de energias á presença de um médium, que poderia ser tanto Estevão como Vera, que se materializariam na figura de uma mulher na escuridão da noite na estrada, mas não como um espírito, mas um estereótipo cultural engastado no imaginário coletivo do “fantasma da mulher de branco”, poderoso a ponto de produzir sensações audíveis e sensoriais de batidas na lataria do carro.  No caso do automóvel preto que apareceu na Estrada União Indústria, quase do nada, haveria uma hipótese defendida por parapsicólogos, de que certas cenas poderiam estar tão telepaticamente carregadas, que um sensitivo (médium) ao penetrar no ambiente onde o fato ocorreu, inconscientemente, reanimaria a cena como uma espécie de holografia. Por isto o casal Vilarinho poderia ter visto a imagem de algo acontecido anos atrás, (um carro seguindo pela estrada) que, ao seu turno, não foi captada pelo motorista do ônibus da viação Util. Seriam ambos, Vilarinho e a esposa, médiuns?
Ainda sobre o caso da Rural Willys seguindo rumo a Brasília, cumpre citar o pesquisador Roger Laffororest (Paris, 1905 – 1998) quando fala de fenômenos poltergeist, aportes e movimentações de objetos sem intervenção física, como frequências vibratórias atuando em vórtices de energia, ou caixas de ressonâncias de energias telúricas, que em tese, cortariam a terra á semelhança dos paralelos e meridianos. É dito que o Planalto Central do Brasil se configura num local repleto de energias capazes de criar esses vórtices, que poderiam se manifestar como poltergeist na presença de agentes, ou médiuns, que produziriam os fenômenos de deslocamento de objetos, como apedrejamentos e aportes. Quanto aos vultos nos arbustos e correndo ao lado da Rural em velocidade, poderia ser uma projeção criada como explicação para aqueles fenômenos. O cineasta e ator brasileiro José Mojica Marins (São Paulo, 1936), o famoso Zé do Caixão, que também é pesquisador de fenômenos parapsicológicos, complementaria ao afirmar que haveria uma necessidade de crer no sobrenatural como explicação para aquilo que não se explica naturalmente, daí a visualização de vultos como fantasmas. Se poderia ainda perguntar: quantos seriam os médiuns entre os passageiros da Rural? Portanto, citando novamente Elsie Dubugras, as respostas para fatos paranormais não são tão simples, agradáveis ou fáceis de aceitar. Assim, não estaria descartada a hipótese de realmente serem intervenções de espíritos de desencarnados, ou almas penadas, que também se manifestariam á presença de médiuns!   


Referências bibliográficas:
ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 98 – 105,  outubro de 1972.
DO RIO e de São Paulo até Brasília, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 02, p. 73, setembro de 1960.
DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Chuva de pedras (verdadeiras) em Goiás, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 44 - 45,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15,  dezembro de 1984.
LAFFOREST, Roger, Casas que Matam, citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,  fevereiro de 1979.
MARINS, José Mojica, citado por ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 105, outubro de 1972.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O FASCÍNIO DO TERROR.


Filmes de terror


Quando criança, eu via minha mãe assistindo filmes de terror na TV, ela adorava, e uma noite eu pedi que me deixasse assisti-los também. Mamãe me olhou de lado e disse: - Está bem, mas se chorar, nunca mais eu deixo! - eu vi o filme inteiro; não lembro qual, mas tinha uma casa assombrada com caveiras e mulheres que, suponho, eram bruxas. Nem dormi direito aquela noite, encolhido debaixo da coberta em pleno verão carioca, mas passei a assistir sempre! Mal sabia eu que estava entrando para o seleto grupo dos aficionados por este gênero tão instigante que é o terror.
Por que será que gostamos de sentir medo ficcional? Dizem que estas histórias tocam nossos sentimentos mais adormecidos, o desejo de vivenciar experiências na esfera do inexplicável, do mistério e do suspense. Evocamos o inconsciente coletivo contidos nas lendas e tradições ancestrais dos casos contados ao fogo de uma lareira, ou ao fogão de lenha, bem mineiro, dos seres escondidos às sombras das florestas enluaradas. E sem esquecer que as cidades também criam suas lendas, subterrâneas em canais e túneis encravados nas entranhas da urbe ou mesmo em simples apartamentos, habitados por psicopatas, pervertidos e loucos, à espera do primeiro incauto que cruzar seu caminho! Assim, vampiros, fantasmas, bruxas, lobisomens, múmias, sacis e mulas sem cabeça sobrevivem e se reinventam ao abrigo de novos imaginários, e na pele do cidadão comum, capaz de revelar perversidades além do tangível! Mais do que historinhas de seres que não existem, sua perenidade é a prova de a cultura, como uma ação humana e inteligente, é muito mais complexa do que se supõe.
Portanto, mesmo que não acreditemos em bruxas convém deixar a vassoura á postos atrás da porta!

MONSTROS DEBAIXO DA CAMA.


..."tem um monstro debaixo da cama!"


Era uma noite fria de inverno em Juiz de Fora, naquela temperatura baixa que dá saudade na memória, mas só até o momento que acontece! O casal Fernando e Natalie se encolhia na cama, enroscando seus pés gelados sob o edredom buscando se aquecerem.
Então escutaram a porta do quarto sendo aberta, e uma voz infantil rompe o silêncio: - Tia!...
Natalie levantou a cabeça e acendeu o abajur: - Bruno?... O que foi meu bem?
- Tem um monstro debaixo da cama!
- O quê ele disse? – perguntou Fernando.
O menino repetiu: - Tem um monstro debaixo da cama!
O casal troca um olhar e Natalie responde: - Não tem não, meu bem. Foi só um sonho ruim.
- Mas tem um monstro debaixo da cama, tia!
Ela levantou, calçou os chinelos gelados e o conduziu de volta ao quarto dizendo: - Querido; não tem monstro nenhum! Vamos deitar que está fazendo muito frio e amanhã cedo tem aula.
Em minutos ela voltou á e se meteu novamente debaixo do edredom: - Foi sonho! – falou antes de se aconchegar ao marido.

Na noite seguinte o frio aumentou e ao edredom acrescentaram uma manta. O casal dormia fazendo “conchinha” quando a porta do quarto se abriu: - Tia!... Tem um monstro debaixo da cama!
Natalie acendeu o abajur, esfregou os olhos e falou: - Querido,... Sonhou de novo?
- Não tia,... Tem um monstro debaixo da cama!
Fernando grunhiu aborrecido enquanto Natalie se levantava, com um pé calçado de meia e o outro com ela perdida no meio do cobertor, e conduziu Bruno ao quarto com palavras carinhosas: - Então vamos pôr este monstro pra correr já, já!
Em minutos voltou para cama e falou ao marido: - Vamos ter paciência, amor!
- Hunhum... – grunhiu novamente.

Na terceira noite o frio conseguia ser ainda mais intenso, aumentando a carga de mantas e cobertores na cama do casal.
No meio da noite, naquele instante que a cama é mais gostosa, a porta do quarto se abriu. – Tia,... Tem um monstro debaixo da cama!
Ela acendeu o abajur respondeu: - Ah,... Não tem não, querido! A gente não expulsou ele ontem?
- Não tia,... Tem um monstro debaixo da cama!
Fernando até virou de lado, nervoso por ter descoberto o pé, enquanto Natalie se levantava para conduzi-lo novamente ao quarto com seus pés descalços porque não encontrou seus chinelos: - Ah Bruninho!... Que monstro insistente héim? Vamos deitar debaixo das cobertas quentinhas que ele vai embora!
Ela voltou ao quarto e se enfiou debaixo dos cobertores, colocando os pés gelados nas canelas de Fernando, que reclamou: - Ai,... Que gelo!
- Desculpe amor!
Ele sentou na cama e falou: - A gente sabe que tem que ajudar,... Mas esse seu sobrinho é um saco, heim?... Que dia ele vai embora?
- Vamos ter paciência meu xuxú; daqui uns dias a mãe dele volta!
- Sua irmã e seu cunhado são uma gracinha!... Viajam pra Europa e largam esse fedelho aqui! – se levantou para ir ao banheiro, coçando a barriga, e voltou logo carangando de frio. – Ele fica lendo bobagens de assombração e depois não dorme e nem deixa os outros dormirem! – se enfiou nos cobertores e Natalie falou: - É só mais uns dias! – beijou-o.
- Tá bem amorzinho! – retribuiu o beijo e virou de lado.

Na quarta noite o frio conseguiu ficar pior, e o casal já apelava para as colchas “madrigal” do enxoval do casamento, quando a porta do quarto se abriu: - Tia!
Ela nem acendeu o abajur e grunhiu: - Ahnnn,... O que foi querido?
 - Tem um monstro debaixo da cama!
Fernando se irritou e levantou: - Não tem nenhum monstro!
- Tem sim, tio!
- Não tem não!... Vamos voltar pra cama! – e conduziu o garoto ao quarto ao lado. Acendeu a luz e levantou o cobertor: - Olhe Bruno! Tem algum monstro aí?
Ele respondeu: - Não,... Mas...
- Se abaixe e olhe direito!
Ele abaixou e olhou debaixo da cama.
- E então? Você está vendo algum monstro aí em baixo?
-... Não! Mas tem!
Fernando se abaixou e disse: - Olhe Bruninho: isto é impressão sua! Você está numa casa diferente,... Numa cama que não é sua, e isto dá um pouquinho de medo. É normal! Mas pode acreditar no tio: não tem monstro nenhum aí! Entendeu?
O garoto concordou com um aceno de cabeça, e Fernando falou: - Agora volte para a cama que o frio está de rachar!
Ele obedeceu. Fernando apagou a luz e retornou ao seu quarto encolhendo os braços de frio e resmungando: - Ah,... Se agora ele não der sossego, amanhã vai pra casa da avó!
Entrou no quarto e não viu Natalie: - Amor,... Você está no banheiro?
Então ouviu o grito da mulher, e uma mão peluda e ensebada o agarrou pelo tornozelo, derrubando-o e arrastando-o para debaixo da cama do casal. Fernando ainda se debateu e gritou, mas foi inútil e seus gritos se juntaram aos de Natalie, seguido de ruídos de dentes triturando carne, mastigando e engolindo. Ao final, apenas um arroto e o silêncio.
No quarto ao lado, Bruno deu de ombros e disse:
- Eu não falei que tinha um monstro debaixo da cama?
Aconchegou-se aos cobertores, e dormiu.

Fim.