“Pense bem antes de escolher o local da sua
casa!”
No
inicio do século XX, a fazenda do senhor João Gustavo situava-se no antigo
distrito de Livramento (atual município de Oliveira Fortes na Zona da Mata, MG)
num povoado denominado Formoso. Ele vivia com seus filhos e a esposa Almira, e
dedicavam-se ao cultivo do café e criação de gado. Nada diferente das demais
propriedades rurais em torno não fossem os fenômenos que, segundo relatos de
sua filha, a Senhora Maria Clara, ocorria á qualquer hora, apavorando a família
e empregados.
Ela
não soube precisar exatamente quando começaram, mas seriam de extraordinária
persistência. Objetos levitavam e desapareciam para reaparecem noutros lugares;
pessoas eram tocadas por mãos invisíveis; aves tinham suas pernas cortadas; ouviam-se
vozes com impropérios e xingamentos, e a casa foi alvejada com pedras e
excrementos diversas vezes.
Os
fenômenos eram variados. Panelas se erguiam do fogão de lenha durante a
preparação dos alimentos e levitavam através da janela, sendo atiradas ao
quintal. Dona Almira desafiava, dizendo: “pode
levar que eu faço mais!”. Objetos da casa e ferramentas desapareciam para
depois serem encontradas em outros lugares sem que alguém as tivesse manuseado;
pessoas sentiam puxões de cabelo à noite, na cama enquanto que cobertores eram
arrancados e atirados ao chão. Colchões pareciam querer se levantar e se
enrolar aos pés da cama. Galinhas e patos tinham suas pernas cortadas e
amanheciam agonizando no galinheiro sem que encontrasse rastro de onças ou raposas
em torno. O detalhe é que á qualquer ataque de animal, as aves em pânico fariam
barulho, que não ocorria. Havia um ligeiro declive ao acesso da sede da fazenda,
e algumas vezes ouviram-se vozes dizendo algo como: “lá vem a urubuzada!”, e nunca descobriram de onde vinham. Em diversas
ocasiões a casa foi alvejada por pedras que ricocheteavam nas paredes ou
entravam pelas janelas, inclusive excrementos do curral e novamente não se
descobria os autores, pois vinham de várias direções.
O
caso mais intrigante envolveu um padre chamado para benzer a fazenda e espantar
os “maus espíritos” que a assombravam. A sala de jantar foi preparada para a
celebração com a família e empregados em volta da mesa que, repentinamente,
começou a ser alvejada com excrementos de vaca que pareciam vir de todas as
janelas e portas. Então o padre esconjurou os “espíritos”, ordenando que
cessassem em nome de Deus, e passou a ser o alvo do bombardeio, tendo que sair
correndo da casa até a porteira onde seu cavalo estava amarrado e só parou de
ser alvejado quando montou e saiu á galope.
Numa
segunda tentativa chamaram outro padre que chegou após uma chuva. Ele prendeu o
cavalo á porteira e o guarda chuva aberto á um mourão de cerca, seguindo á sede
da fazenda, onde conseguiu realizar a bendição sem problemas. Parecia estar
tudo resolvido e o padre seguiu á porteira para ir embora, mas quando foi
apanhar seu guarda chuva, ele estava no chão amassado como se fosse uma bola de
papel e seu cavalo tão assustado que quando o soltou da porteira foi preciso
segurar firme o cabresto para que não fugisse.
Estes
fenômenos fizeram a fazenda ganhar fama de mal assombrada, e isto afugentava os
empregados. Logo depois, com o colapso da Bolsa de valores de Nova York em 1929,
veio o declínio repentino da atividade cafeeira no Brasil que levou as
propriedades que se dedicavam á aquela cultura á ruína, e a fazenda do senhor
João Gustavo não foi exceção. Mais tarde ele contraiu glaucoma e ficou cego,
tendo que se mudar para o núcleo urbano. Abandonada, a sede da fazenda foi
demolida, não havendo mais relatos de fenômenos sobrenaturais no lugar.
Há
alguns fatores a serem considerados na análise do caso. A tradição oral sem
documentação pode conter incoerências que coloque em dúvida sua autenticidade;
mas os acontecimentos não foram testemunhados apenas pela senhora Maria Clara,
mas por diversas pessoas que teriam presenciado os fenômenos. O pesquisador
Roger Laffororest (Paris, 1905 – 1998) afirma que se uma só pessoa relata
acontecimentos insólitos, pode ser considerada neurótica, mas se várias pessoas
relatam a mesma coisa, há que se dar-lhes algum crédito, ou pelo menos é
indício que algo estranho está ocorrendo.
Outro
fator, é que litígios e brigas do senhor João Gustavo com vizinhos e empregados
poderia provocar retaliações ou mesmo vinganças. Ou seja, em tese os fenômenos
poderiam ter sido feito propositalmente por pessoas vivas e não forças
sobrenaturais, como os apedrejamentos. Mas da maneira que são descritos, vindo
de várias direções, demandaria um grande numero de pessoas atirando pedras e
excrementos até pelas janelas, e em algum momento isto seria percebido. O mesmo
vale para os insultos e xingamentos ouvidos á entrada da fazenda.
Objetos que desapareciam e reapareciam noutro
lugar poderia ser creditado á meros lapsos de memória. Episódios como os puxões
de cabelo e cobertores atirados ao chão poderia ter origem em pesadelos e
movimentos involuntários durante o sono, ou mesmo sonambulismo. Objetos
levitando e voando pela janela poderiam ser provocados pelos próprios moradores,
lembrando que estamos falando numa sociedade rural, patriarcal e repressora, onde
este tipo de farsa poderia atuar como quebra na normalidade e fragilização no papel
repressor do “homem da casa”. O mesmo valendo para a mutilação das aves.
O
pesquisador Roger Laffororest (Paris, 1905 – 1998) classificou esses
logradouros como “locais maléficos” ou “vórtices de energias” ou ainda caixas
de ressonância das energias desprendidas pelo sofrimento, ódio, ira que se
manifestaria à presença de um agente, ou médium. Ou seja: um ou mais membros da
família do senhor João Gustavo poderia ser este agente. Assim, os fenômenos
relatados na fazenda poderiam ser classificados como “poltergeist”, ou
traduzido do alemão: “espírito brincalhão” que seria o responsável por
desordens como deslocamento de móveis e objetos sem intervenção física de uma
pessoa assim como coisas que desapareceriam para reaparecerem em outro lugar,
definido na parapsicologia como “aporte”. Outro fator é que na maioria dos
casos há a presença de um adolescente no lugar onde ocorre o “poltergeist”,
determinando um reflexo dinâmico das energias sexuais não utilizadas ou reprimidas.
Na família existiam meninas na adolescência que poderia ser os agentes
provocadores dos fenômenos sobrenaturais relatados. Laffororest afirmava que o
próprio homem poderia produzir vórtices de energia, e que tais fenômenos seriam
a manifestação disto, influenciando o ambiente.
No
entanto se levarmos em conta que o padrão patriarcal e repressor á sexualidade,
á mulher e nas relações de trabalho era a regra geral no início do século XX,
assim como conflitos entre vizinhos, há que se perguntar por que somente a
fazenda do senhor João Gustavo foi acometida de tantos fenômenos paranormais? Reportando
Laffororest: ele cita os autores A. de Bélizal e P. A. Morel que denominaram o “caminho
das energias telúricas” como linhas que cortariam o globo terrestre em todos os
sentidos, se cruzando em vários momentos. A cada intersecção destas ocorreria
superposição de forças criadora dos vórtices, como ponto crítico de uma frequência
vibratória, e qualquer coisa, edificação ou pessoas colocadas exatamente sobre
esses vórtices, poderia sofrer influências que se materializariam sob a forma
de fenômenos como poltergeist, aportes, levitações e etc. Ou seja, a fazenda do
senhor João Gustavo estaria numa destas intersecções. Haveria ainda outros
fatores vetoriais aos fenômenos, como falhas geológicas e cursos d’água subterrâneos,
capazes de também formar vórtices.
É
preciso também considerar a localização da fazenda numa área por onde passariam
estradas vicinais, ao largo da Estrada Real (que ligava a região aurifica da
Capitania das Minas Geraes ao Rio de Janeiro). É sabido que eram utilizadas no
contrabando de ouro no período colonial, e existem inúmeras lendas sobre
escravos que para preservar o segredo desta atividade, eram mortos e enterrados
sem os ofícios religiosos, e assim se tornariam almas penadas, ou espíritos de
desencarnados na visão espírita. Contudo, isto não seria unanimidade entre os
parapsicólogos, pois os espíritas acreditam que almas penadas poderiam interagir
com médiuns que se tornariam vetores desses fenômenos, enquanto que os espiritualistas
não creem na ação direta de espíritos dos mortos e sim numa espécie de ação
residual das suas vidas, mas sem espírito. Portanto, como foi dito acima, seriam
pessoas vivas produzindo vórtices capazes de criar “fantasmas”.
Chega-se a conclusão que toda a perturbação que a família do senhor João
Gustavo passou, deu-se pelo azar de construir sua casa no lugar errado. Assim, como
o próprio Laffororest aconselhava: pense bem antes de escolher o local de sua
casa!
Referências bibliográficas:
DICIONÁRIO do Inexplicado, Edições
Planeta, São Paulo, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., número 131 – B,
1° Volume, p. 15; p. 48 – 54.
DICIONÁRIO do Inexplicado, Edições
Planeta, São Paulo, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., número 132 – B,
2° Volume, p. 32; p. 48.
DICIONÁRIO do Inexplicado, Edições
Planeta, São Paulo, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., número 133 – A,
3° Volume, p. 10 - 20; p. 48 – 54.
DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas,
Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,
dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Chuva de pedras
(verdadeiras) em Goiás, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo,
Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 44 - 45, dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley
House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09,
dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons
Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de
Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15, dezembro de 1984.
ENCICLOPÉDIA das Ciências Ocultas,
Lisboa, RPA – Publicações Lda., 1979, volume 2, capítulo LXI, p. 251 – 359.
ENCICLOPÉDIA dos Municípios Brasileiros, FERREIRA, Jurandir Pires (org), Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1959, volume 26, p. 212 - 214.
ENCICLOPÉDIA dos Municípios Brasileiros, FERREIRA, Jurandir Pires (org), Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1959, volume 26, p. 212 - 214.
LAFFOROREST, Roger, Casas que Matam,
citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições
antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,
fevereiro de 1979.
Nenhum comentário:
Postar um comentário