Onze
horas da noite e reinava o silêncio na pequena cidade mineira de Santa Rosa de
Minas. No céu a lua cheia matizava os morros num tom prateado envelhecido
enquanto três jovens conversavam: - Você entendeu tudo que tem que fazer Jana?
– ela respondeu: - Sim André: vou passar na frente da casa dele e se dermos
sorte ele vai me seguir. – Berto enfatizou: - Evidente que vai! Aí nós
seguiremos vocês de longe e gravamos tudo! – mostrou seu celular enquanto André
espiava: - Hoje está perfeito: nem uma alma viva na rua. Então Jana: vamos
agir! – a garota olhou a casa amarela com luzes a janela, atravessou a rua e passou
pela calçada pisando firme para fazer barulho e em instantes um vulto saiu pelo
portão e a seguiu. – Beleza, ele mordeu a isca! – Falou André acionando o GPS
que daria a exata localização de Jana e o homem misterioso. Os dois aguardam
cinco minutos e saíram atrás deles.
Andaram
alguns metros e uma mulher franzina de cabelos pretos e óculos se interpôs.
Eles tentaram se esquivar, mas ela falou enérgica: - Parem! Meu nome é Ione e há
dias venho manjando vocês se escondendo nas moitas da praça a noite. O que está
acontecendo? – Berto respondeu: - Nada não dona, estamos a passeio aqui, só
isso! – ela retrucou: - Ah, então vocês vieram nesse fim de mundo apenas pra
passear, ou é para se drogar? Sou da
roça, mas não sou boba; comecem á se explicar ou vou chamar o delegado que mora
logo ali na esquina! – os dois se assustaram e num impulso Berto segurou-a
tapando-lhe a boca e a arrastaram para a praça. Então André falou: - Fica
calma! Não somos malfeitores e nem maconheiros, somos investigadores! – ela
olhou de lado: - De quê?... Da polícia?
- André respondeu: - Não!... A senhora já ouviu falar do YouTube?
-
Claro que sim, eu não sou nenhuma mulher das cavernas, e daí?
-
É que eu, Berto e Jana, temos um canal chamado “Rumo do Mistério” onde postamos
vídeos de assombrações, monstros e outros fenômenos paranormais! Nós andamos
pelas cidades de Minas a procura dessas lendas para postar no nosso canal, e soubemos
que aqui tem um homem que se transforma em lobisomem nas noites de lua cheia,
como esta. Então investigamos: o nome dele é Ranulfo Dias. A senhora o conhece?
-
Sim, ele mora ali,... Mas, repito: e daí?
-
Bem: a Jana acabou de passar na frente da sua casa, e ele a seguiu! A gente
está só dando um tempinho aqui para segui-los e gravar a transformação dele...
– ela os interrompeu: - Minha nossa, vocês são o quê; retardados ou doidos?
Olhem bem a rua, é sexta-feira e está todo mundo trancado em casa, e vocês não
adivinham por quê?
-
É por que tá fazendo frio? – perguntou Berto.
-
Não, panguá! É porque ninguém quer ser apanhado pelo lobisomem! Ranulfo foi o
sétimo filho da família e normalmente já é um sujeito estranho, peludo e tão
cabeludo que a franja lhe cai nos olhos, mas nas noites de lua cheia ele se transforma!
Suas mãos viram patas com garras afiadas enquanto sua mandíbula e seus dentes
aumentam. Ah, poucos viveram para contar o que viram; ele vira um monstro cuja
única vontade é matar para se alimentar de carne fresca e sangue e aposto que
amanhã vamos achar cavalos, vacas ou qualquer outro animal morto e estraçalhado
pelo mato,... Espere,... A amiga de vocês serviu de chamariz?
-
Sim senhora! Vamos segui-los,... – respondeu André. - Temos localização pelo
GPS, e quando ele começar a transmutação, vamos gravar tudo! Deixamos um carro
escondido e fugiremos...! - Ione os interrompeu, apavorada. – Vocês não ouviram
o que eu falei? Com um só golpe ele mata os dois, a amiga de vocês corre muito
perigo! Para aonde ela foi?
-
Para uma estradinha que tem uma encruzilhada com poste de luz; escolhemos porque
é claro e daria para gravar! – falou Berto assustado.
-
Minha nossa, é a “Encruzilhada do Lobisomem” aonde ocorreram ataques á várias pessoas!...
Os corpos foram encontrados aos pedaços!
-
Vou avisá-la pelo celular,... Mas,... Tá sem sinal! – falou André, aflito.
-
Isto é sinal que ele vai atacar isto sim! Mas não podemos perder tempo, temos
que impedir que ela chegue à encruzilhada antes de encontrá-lo. Eu vou com
vocês; tem um atalho pela mata! – e saíram correndo a fim de evitar o pior.
Enquanto
isto Jana seguia pela estrada escura apenas com a lanterna do celular simulando
uma caminhada normal como se procurasse um endereço. Antes não estava com medo,
mas agora sozinha naquela estradinha desconhecida, a coisa se mostrava mais
assustadora do que dava a antever. Então escutou gritos que ecoavam lúgubres na
escuridão da noite, fazendo-a se apavorar. De repente, viu uma pessoa correndo
pela estrada, era Berto que vinha na sua direção em pânico e gritando: - Corre
Jana!... O lobisomem nos pegou!
Eles
correram e ela perguntava: - cadê André?
-
O monstro matou ele!... Corre! – haviam deixado o carro escondido atrás de um
bambuzal antes da encruzilhada, mas quando chegaram a ele, Berto falou: - A
chave do carro,... Cadê!
-
Não tá com você?
-
Oh, não!... – mexia nos bolsos: - Ficou com André! – Ouviu-se um uivo seguido
de um rosnado e os dois correram pela estrada até chegarem à encruzilhada e
pararem abaixo da luz azulada da lâmpada fixa no postinho de madeira roliça
ladeado por cercas de arame farpado que se perdiam na escuridão. – E agora?...
O que a gente faz?
-
Não sei Jana!... – ele apanhou seu celular. – Merda, tá sem sinal!
-
Me diz o que aconteceu Berto?
Ele
tomou fôlego e contou: - Uma mulher da cidade avisou a gente do lobisomem, que
era perigoso,... – pôs as mãos na testa em pânico: - Fomos uns idiotas achando
que não tinha perigo!... A mulher veio com a gente e o lobisomem apareceu
tentando atacá-la! André quis defendê-la, e o monstro matou ele com um só golpe,
Jana! Aí eu saí correndo!... André morreu Jana!... – e chorou compulsivamente.
Mas
não houve tempo dela responder nada, porque o lobisomem apareceu por trás do poste
e atacou Berto, rasgando seu pescoço com unhas afiadas como navalhas espirrando
jatos de sangue. Jana saltou para trás, caindo no meio da encruzilhada onde
ficou paralisada ao ver o ultimo olhar de Berto tomado pelo pânico da morte. O
lobisomem deitou seu corpo a beira da estrada, rasgando-lhe o peito, arrancando
seu coração, devorando-o em dentadas frenéticas.
A
moça sequer pôde gritar ante aquela cena horripilante, mas conseguiu
identificar no chão um objeto que caiu do bolso da bermuda de Berto no arranco
do ataque; era a chave do carro! Ela se esgueirou pelo chão, apanhando a chave para correr na
direção do automóvel o mais rápido que pôde enquanto o lobisomem devorava as
vísceras do rapaz; porém, ao vê-la fugir, ele rosnou, pois ainda não estava saciado.
Então largou a carcaça ensanguentada e saiu em perseguição a Jana, que já apontava
o controle que destravava e abria as portas do carro e entrou, mas o nervoso a
fez deixar as chaves caírem no assoalho. Em desespero ela as procurou enquanto
o lobisomem alcançou o carro, dando murros na lataria e rasgando a capota. Jana
gritou na hora em que ele arrebentou o para brisa, arrancando-o num só golpe e
viu aquele vulto gigantesco se debruçando sobre ela, que apenas posicionou suas
mãozinhas alvas sobre a face ante ao trágico desfecho daquela aventura. Um
arrepio lhe correu pelo corpo ao sentir que as garras do monstro lhe tocaram:
-
Pare agora! – irrompeu uma voz: era Ranulfo que chegou. – Ela não! – o lobisomem
rosnou com suas unhas afiadas já se encostando ao pescoço de Jana, que olhou o
homem com franja ruiva lhe cobrindo a fronte enquanto ordenava. – Saia daí!...
Agora! – ela sentiu um estranho fascínio pela sua figura enquanto o lobisomem
erguia suas garras ao alto num uivo. Ranulfo dirigiu-se a Jana: – Saia daqui
garota, rápido! – naquele instante ela encontrou as chaves, ligou o carro e
falou: - Fuja também... Vem comigo!
Ele
respondeu: - Não!... Vá embora!
O
lobisomem rugiu e ela saiu em disparada, sem olhar para trás.
Semanas
depois a polícia encontrou os corpos de André Simeon Fichel e Norberto
Eisenmann, enterrados próximo à “Encruzilhada do Lobisomem” no município de
Santa Rosa. Os jornais noticiavam o estado em que foram encontrados os
cadáveres e a falta de pistas sobre o autor dos homicídios. A população
garantia ter sido ataque de lobisomem e indicavam um vídeo que corria no
YouTube, mostrando a transmutação de uma pessoa não identificada em lobisomem
como prova do que diziam, mas as autoridades eram céticas quanto a estas “bobagens
sobrenaturais” e acreditavam num latrocínio seguido de ocultação de cadáver.
Enquanto
isto Jana conferia o número de acessos ao canal “Rumo do Mistério”, que chegava à incrível marca de quinhentos mil! Na condição de sobrevivente ao ataque de um
lobisomem, sua agenda estava lotada de entrevistas, inclusive no exterior. Ela
sentia pela morte de seus amigos, mas acreditava que a vida tinha que seguir.
Em
Santa Rosa, Ione seguia pela calçada, calada e altiva como sempre. Jamais
perdoaria Ranulfo por não tê-la deixado usufruir de sua caça. Era ela a
sucessora do mito do lobisomem; uma mulher que se tornou loba por opção. –
Idiota e romântico!... Ainda acabo com ele! – resmungava enquanto andava.
Na
cidade Jana acabava de fechar o notebook enquanto acariciava a franja ruiva da
sua nova paixão, que se transmutou para a gravação do vídeo só porque ela
pediu.
Já
planejavam uma viagem. Ele preferia Londres, e ela, Nova York!
Fim
Excelente texto!
ResponderExcluirAbraços