Primeiro Capítulo: O
Retrato na Parede.
Jonathan
acordou num sobressalto.
Sentou-se
no sofá, esfregou seus olhos e conferiu as horas: 13h35min. A sala estava
banhada num reflexo de luz dourada do sol que vazava através da cortina e ele
deu um bocejo ao contemplar aquele cenário de sempre: sofá e duas poltronas,
mesa de centro com tampo de mármore e um console de madeira preso á parede com
um vaso onde nunca faltavam flores, tendo acima um retrato retangular de seu
falecido irmão Isaque.
Jornalista
e ator, naquela tarde atuaria num curta-metragem chamado “Lendas Urbanas” que
seria produzido na própria cidade de Juiz de Fora que narrava algumas
historinhas de fantasmas. Ele apanhou o roteiro e novamente leu o resumo da
história.
“Sempre ás 15:25.
- Em 1978 um motorista de taxi que
possuía um automóvel Volkswagen 1600 quatro portas, vermelho, seguia pela
Avenida Getúlio Vargas e havia um tumulto próximo a Rua São João. Ele contornou
e apanhou dois passageiros: uma mulher e um menino, e os levaria ao Cemitério
Municipal. Quando se aproximou do destino ele perguntou sem olhar pra trás: - A
senhora quer parar em frente ao portão principal ou próximo ás capelas? -
Ninguém respondeu. Ele ia fazer a pergunta de novo olhando no retrovisor, mas
não viu a mulher; então virou para olhar, e não estava nem a mulher e nem o
menino! Ele parou o carro e não tinha ninguém no banco de trás. Como podia ser?
- então resolveu voltar, e quando estava chegando à Avenida Getúlio Vargas,
ainda estava o aglomerado de gente na esquina bloqueando o trânsito. Ele
resolveu sair do carro e ver o que tinha acontecido. Era um atropelamento e o
rabecão estava chegando para recolher os corpos. Quando chegou perto, conseguiu
ver as vítimas do atropelamento: a mulher e o menino que tinham entrado no seu
taxi e desaparecido minutos antes! Assustado ele voltou ao seu carro e aguardou
a liberação do trânsito. No decorrer de todos esses anos, outros motoristas
relataram o mesmo episódio: sempre ás 15:25.”
Jonathan
faria o papel do motorista. Nada tão difícil para alguém que já havia
interpretado até o Romeu da famosa história de Shakespeare, e a produção
conseguiu emprestado um automóvel Volkswagen 1600 1971 vermelho, quatro portas,
semelhante ao da narrativa, que se encontrava estacionado diante de sua casa.
Então, Adélia, sua mãe, entrou na sala
arrastando seus chinelos. Era uma senhorinha de oitenta e dois anos encurvada
pela idade, com cabelos grisalhos presos com grampos. Sempre usava roupas
pretas ou em tons escuros com estampados discretos. Um verdadeiro luto. Ela se
aproximou do console e tocou as rosas amarelas com chuveirinhos, como que as
acariciando. Olhou o retrato de Isaque e disse. - Hoje faz quarenta anos que
seu irmão nos deixou. – falou abaixando a cabeça. – Eu mandei rezar missa na
Igreja do Rosário em lembrança; vai ser ás seis horas da tarde.
-
Eu sei mãe. Todo ano, neste mesmo dia, a senhora manda rezar a missa.
-
E farei isto enquanto viver! Nunca vou esquecer aquele dia: eu e seu pai
estávamos nesta mesma sala e o telefone tocou,... O mundo desmoronou para nós.
Meu Deus, um menino tão alegre e cheio de vida, com apenas dez anos! Seu pai
jamais se esqueceu disto até sua morte. - Jonathan não se conteve. - Eu nasci
quatro anos depois que Isaque morreu. A senhora e o papai estavam ainda muito
abalados, não é?
-
Sim, é verdade. Nunca nos conformamos com isto.
-
Se foi tão traumático, porque vocês quiseram mais um filho? - ela o olhou. –
Que pergunta esquisita. Quisemos outro filho porque esta casa estava vazia
demais. Um vazio tão insuportável que sequer sentíamos ser uma família.
-
E eu preenchi o vazio que Isaque deixou? - Adélia abanou a cabeça e disse. – O
vazio do seu irmão nunca foi e nem será preenchido!
-
Puxa,... Eu fui tão decepcionante assim?
-
Não seja leviano Joni! – era um apelido carinhoso. - Não é tão simples como
preencher lacunas com um lápis de cor. O vazio de seu irmão pertence e sempre
pertencerá á ele!
-
O que eu preenchi então?
-
Você é meu segundo filho, querido e amado! Este é o seu espaço. - ele hesitou,
mas prosseguiu. – Eu sei que a senhora e o papai tinham problemas para conceber
filhos, e que para Isaque e eu nascêssemos foi difícil. E também sei que por
causa disto a senhora e papai desejavam apenas um filho único. Então, se Isaque
não tivesse morrido, eu não existiria, não é? – ela fez um gesto com as mãos,
como numa prece: - Você tem ideia da estupidez desta pergunta Joni? – ele
disparou: - E a senhora tem ideia do quanto me incomoda todo este cerimonial
nesta mesma data ano após ano, e o luto que impera nesta casa desde que eu me
entendo por gente? Isto me faz entender que eu nunca preenchi nada. Nunca
estive à altura das expectativas de ser um segundo Isaque.
-
Nós não queríamos um segundo Isaque porque ele foi único, assim como você é
único. Meu Deus, que conversa mais inútil que só consegue me magoar! É este o
sentido deste interrogatório? - Jonathan olhou a mãe, levantou-se e a abraçou.
– Claro que não! Desculpe mãe, eu não tenho o direito de fazer este tipo de
pergunta, logo hoje! – ela saiu do abraço dizendo: - E nem nunca! Este dia e
todo o luto que ele suscita me pertence, é só meu! Você não tem filhos e não
entende o que significa perder um filho. A ordem da vida não é assim! – então
reparou numa caixa de papelão em cima da mesa. - E o quê é isto aqui?
-
Ah,... São figurinos e adereços que serão usados na filmagem de hoje á tarde! –
ele aproximou e mostrou os itens. – Olhe a camisa que vou usar. É original da
época! – era uma camisa marrom com desenhos lembrando “jogo da velha” em verde
e com golas enormes. - ela abanou a cabeça. - Que horrível, e vai ficar pequena
em você!
-
Isto já foi moda mãe, é baby look! A gente pesquisou.
-
Foi moda um dia e era horrível do mesmo jeito. Para quê esta marmota?
-
Eu vou fazer o papel de um motorista de táxi dos anos setenta.
-
Então é por isto que tem um carro velho parado aí na frente da casa?
-
Sim mãe. É um Volks quatro portas 1971. - ela espiou de leve pela janela. – É!
Mas depois que acabar a filmagem, livre-se dele; eu não gostei de ver este
carro parado aí. Traz uma coisa ruim. Você volta á tempo de ir comigo á missa
do seu irmão?
-
Filmagem é uma coisa meio imprevisível; vou tentar.
-
Se não conseguir ligue avisando para eu não ficar esperando á toa! Agora eu vou
á cabeleireira para arrumar um pouco o cabelo. Não quero chegar á igreja com
esses cabelos desgrenhados como uma bruxa. – falou saindo da sala, deixando-o
sozinho. Então ele foi á cozinha tomar uma xícara de café, e depois apanhou a
caixa e saiu. Do lado de fora, ele entrou no Volks e ligou seu motor, logo
ouvindo o ruído característico dos motores a ar VW, e seguiu.
CONTINUA!
CONTINUA!
Já fiquei com medo de cara daquele retrato. Ansiosa pela continuação.
ResponderExcluirAh propósito, gostei da emenda com o outro conto.
Obrigado. Aguarde fortes emoções!
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