terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O FILHO PRÓDIGO - SEGUNDO CAPÍTULO.


Continuação.
O FILHO PRÓDIGO. Segundo Capítulo: - “All Be There”.

Jonathan chegou ao Largo do Riachuelo na parte central de Juiz de Fora com sua praça conhecida popularmente como “Chapéu dos Pracinhas” (por causa do monumento em homenagem á FEB cujo formato lembra a aba de um chapéu) e parou o carro junto á outros veículos antigos que seriam utilizados nas filmagens. O diretor do filme, de nome Ramone, foi ao seu encontro: - Meu querido Jonathan! – abraçou-o. – E aí, já acostumou com o jeito do carango?
- Sem mistério! Tem motor, rodas e volante igual aos outros!
- Este é o espírito. Gostei! – falou Ramone alisando o capô do carro, e fez um sinal com as duas mãos como num enquadramento. – Este filme vai ficar na história de Juiz de Fora, meu amigo: uma produção caprichada de época á qual eu mergulhei nos anos setenta! – havia um rapaz acompanhando-o. – Este é o cenotécnico; que vai pôr um taxímetro antigo no automóvel, placas e letreiro de capota. – o rapaz abriu a porta do Volks e começou a espiar por baixo do painel constatando que o carro devia ter sido taxi porque ainda possuía o suporte, foi só parafusar.  Enquanto isto Ramone exultava ter conseguido que o Departamento de Trânsito da Prefeitura interditasse a Avenida Getúlio Vargas por meia hora para fazerem a sequência em que o táxi desce a via. Algumas lojas permitiram que cobrissem seus letreiros com falsos anúncios de estabelecimentos que existiam na via á época, e haveria outros carros e também um ônibus antigo. Havia uma loja desocupada no térreo do “Shopping Santa Cruz” adaptada como camarim onde prepararam Jonathan como um garotão dos anos 1970 com uma peruca “blackpower” e a camisa marrom com estampas verdes e golas enormes. Depois de acertada a peruca e maquiagem, a cabeleireira falou. - Tá a cara dos Bee Gees! - ele olhou e comentou. – Estou mais para um Michael Jackson albino! - e solfejou. – “All be there!” – todos riram.
Então se ouviu a voz de Ramone chamando para começar a filmagem.  Os veículos foram posicionados: Jonathan deveria seguir no taxi vermelho tendo o ônibus e um antigo furgão Ford F350 á direita na mesma velocidade. Na sua frente seguiria um Chevrolet Opala Comodoro bege, e atrás um Fusca verde e uma Kombi branca. Á esquerda estaria a perua da filmagem sem a porta porque haveria uma câmera fazendo tomadas laterais do transito com foco no taxi; assim, ele não devia olhar para a esquerda. O guarda deu sinal que o trânsito estava impedido. Jonathan entrou no Volks; respirou fundo, ligou o motor e se agarrou ao volante como se esperasse a largada numa corrida de fórmula um. No centro abaixo do painel estava a câmera, á qual ele não poderia olhar, e trazia também um ponto eletrônico no ouvido esquerdo, oculto pelos cachos da peruca. Ele pôs a mão de leve no taxímetro e a bandeira dois acionou sem querer em meio á um silêncio quase cerimonial. Então Irrompeu a voz de Ramone no megafone. – Atenção,... Ação! - os seis veículos aceleraram na mesma velocidade e logo adentravam á Avenida Getúlio Vargas sob os olhares e aplausos dos transeuntes e camelôs admirados daquele inusitado desfile de antiguidades sobre rodas. Jonathan estava excitado, olhando adiante a traseira do Comodoro com suas características quatro lanternas circulares. Pelo espelho via a frente do Fusca e o contorno da Kombi atrás. O furgão seguia um pouco adiante do ônibus. Era fantástico! Quase podia se sentir transportado para aquela época.
Ramone optou por emendar á sequencia onde o taxi tem que diminuir a marcha por causa do falso atropelamento ao passar pela esquina da avenida com a Rua São João; e lá estava montada uma reprodução do que poderia ter ocorrido. O carro atropelador seria um Fusca preto. Havia figurantes trajados como na época, além de um guarda também caracterizado. Mais uma vez Jonathan achava tudo impressionante.
Ao chegarem á esquina da Rua Santa Rita com a Avenida Getúlio Vargas, ele ouviu no ponto eletrônico. – Corta,... Pode parar; foi perfeito! - os seis veículos pararam, mas seria apenas o tempo de reorganizar a filmagem, pois dentro de dez minutos o trânsito seria liberado. Ramone tinha o habito de fazer improvisos e era isto que a equipe temia.
Nova sequência com o a mulher abrindo a porta do taxi e entrando com o garoto, e depois o carro saindo. A perua da produção acompanhava-o adiante, tendo agora o Furgão seguindo-o. Então ouviu uma voz pelo ponto eletrônico. – Pode parar aqui. A atriz e o ator mirim irão descer do carro. Depois aguarde instruções. - ainda fariam sequências próximas ao portal do Cemitério Municipal, então foi orientado a seguir até lá.  Repentinamente ocorreu um ofuscamento rápido causado pelo sol refletindo no para brisa de um carro no sentido contrário. Jonathan abaixou o para sol ao mesmo tempo em que a pista pareceu ficar mais áspera. - Não pare,... Não pare! Contorne a Praça da República e volte para a Avenida Presidente Vargas, rápido! – falou a voz no ponto eletrônico. - Por quê?... Vamos filmar de novo? – a voz respondeu: - É,... É isso mesmo; de novo! Vamos, acelere; não há tempo a perder!
- Sim senhor! – Respondeu Jonathan, saindo com o carro. Adiante viu algo parecido com o furgão Ford e concluiu que a filmagem prosseguia certamente para aproveitar os veículos emprestados e a luz.  Na verdade, havia mais carros antigos em volta, além de motonetas e caminhões. Na frente surgiu um carro de luxo, prateado, que ao diminuir a velocidade deixou ler o emblema de sua marca na traseira: Ford Landau. – Caramba, o Ramone arranjou um carrão desses emprestado só para alguns segundos de filme? - mais adiante ele deveria entrar á direita, e assim acionou a seta. - Não, não! Siga direto! – Jonathan argumentou: - Mas neste trecho a rua fica em contra mão! – a voz insistiu: - Não fica!... Pode seguir! - ele seguiu desconfiado e viu um antigo posto de gasolina na esquina, agora tendo a marca “Shell” e totalmente caracterizado no estilo anos 1970. – Ah,... Já entendi: Ramone arranjou um patrocínio e não falou nada pra gente! – assim seguiu abismado com os cenários. Ao chegar á Praça Antônio Carlos novamente seu próprio traçado parecia mudado, e até um muro que contornava a antiga Tecelagem Bernardo Mascarenhas, apareceu novamente. Obvio: um cenário. Ao seguir pela Rua Paulo de Frontin a voz ordenou: - Siga á Rua Marechal Deodoro!
- Mas agora tem um calçadão, não dá!
- Dá sim! Pode ir. - de fato, era como se a praça estivesse com a configuração de quarenta anos atrás, inclusive com seus táxis perfilados. A voz ordenava de vez em quando. – Olhe adiante. Preste atenção na rua! - Jonathan obedecia.  A Rua Marechal era contra mão, mas deviam ter mudado o sentido para a filmagem e havia mais carros antigos de marcas e modelos diferentes, assim como diversos letreiros de lojas já desaparecidas, era espantoso! - Quantas horas aí? – perguntou a voz. Jonathan olhou no relógio. – São quinze e vinte um!
Ao convergir á Avenida Getúlio Vargas a voz falou. - Agora preste a atenção: vá pela pista á direita, rente á calçada! - ele obedeceu, fechando um carro que vinha atrás, que buzinou. – Isto não está no roteiro! – reclamou á que a voz no ponto eletrônico ordenou. – Pare o carro, agora! - foi só o tempo de pisar no freio com toda a força que pôde para não atropelar uma senhora que puxava um menino pela mão. O carro que vinha atrás lhe pareceu um Ford Maverick preto que passou com o motorista aos xingamentos. Agarrado ao volante Jonathan olhou á senhora que lhe lançou um impropério: – Seu biltre! – deu a volta e se postou á porta do motorista. – Como é que dão carteira de motorista á um animal como este? Você quase nos atropelou! - ele não sabia esta fala. O menino que acompanhava a mulher retrucou. - Foi a senhora que pulou na frente do carro!
- Eu te perguntei alguma coisa? – Virou-se á Jonathan. – Você me ouviu perguntar alguma coisa á este fedelho? - ele pensou. “ah, saquei! A mulher e o menino estão com figurino de época. Ramone e seus improvisos!” E resolveu entrar no jogo: - Não senhora, eu não ouvi nada.
- Está vendo?... Moleque insolente! Bem, já que nós realmente precisamos de um táxi, você vai nos levar! – ela pegou o garoto pela mão e deu a volta para abrir a porta traseira á calçada. Então a voz perguntou. - Quantas horas agora?
- Quinze horas e vinte sete minutos!
- Ah, que maravilha!... Deu tempo! – falou a voz. Então a mulher lhe bateu no ombro com um leque, que mais parecia um porrete, e ordenou. - Vamos para a Praça das Caveiras! Sabe aonde é?
- Sim senhora! – e saiu com o carro. Porém, na esquina com a Rua São João, não havia mais o cenário do atropelamento. “O Ramone mudou tudo?” pensou, e enquanto seguia prestava atenção ao dialogo dos atores no banco traseiro para não perder a deixa. - A praça não chama Praça das Caveiras! – falou o menino. - Chama Praça da República! - ela o olhou e se dirigiu á Jonathan. - Ei motorista; eu por acaso perguntei á esse fedelho qual era o nome da bendita praça?
- Eu não ouvi perguntar,...
- E por acaso quando eu disse “Praça das Caveiras” você não sabia á que praça eu estava me referindo?
- Sim senhora,... Eu entendi.
- Viu? Ele entendeu. – falou olhando o menino. - Mas o nome é Praça da República! – retrucou, e ela ficou impaciente: - Ah, não me sacrifica! E olhe esse cabelo com franja caindo nos olhos, todo despenteado! – pegou um pente na bolsa e começou a penteá-lo. O garoto falou “ai” e ela completou: - Você quer chegar lá com esse cabelo parecendo um porco espinho? – Jonathan achou aquele diálogo cômico. - Eu não quero ir!... Eu falei que não queria! – reclamou o garoto. - Mas que coisa feia menino mal criado. O motorista vai achar que você é feio!
- Ele vai achar que eu não quero ir e estão me obrigando!
- Por que você não quer ir? Ele gosta tanto de você!
- Ele não gosta de mim e eu não gosto dele!
- Você vai ver que não é nada disso meu filho,... Ei, motorista, por que está parando na frente do cemitério?
- Vocês não vão descer aqui?
- Ah! – dirigiu-se ao menino. - Por acaso eu disse ao motorista que iríamos parar no portão do cemitério?
- Não! A senhora falou Praça das Caveiras!
- Ouviu motorista?... O que está esperando para levar-nos lá, héim?
- Desculpe senhora! – ele seguiu pensando. “Mas na história, a mulher e o menino não somem assim que chega ao portão do cemitério? Que merda o Ramone inventou?” O carro contornou a praça e ela falou: - Pode parar ali na frente daquela casa rosa! - Jonathan parou á calçada e olhou, mas não se lembrava daquela casa. Se bem que quase nunca passava por ali. - Chegamos. Vê se faz uma carinha boa, querido! - o menino sorriu forçado, arreganhando os dentes. - Quanto deu a corrida moço? – ele não sabia este texto, então chutou: – Dez,... Cruzeiros! – ela mexeu na bolsa dizendo: - Que Beleza de motorista: barbeiro e careiro! – e lhe deu o dinheiro ordenando ao garoto: – Ande, vamos entrar na casa!
- Eu não quero!
- Quer sim!... Vai por mim; você vai gostar! – saíram do carro e entram pelo portão, sumindo entre os arbustos salpicados de azaleias do jardim. Jonathan colocou sua mão na orelha esquerda por trás dos cachos da peruca e não encontrou o ponto eletrônico enquanto um ônibus parado atrás iniciou uma buzinada insistente. Ele virou para olhar e era um veículo moderno. Então engatou a marcha e seguiu junto ao fluxo de trânsito normal, sem carros antigos. Ele seguiu pela via onde vira o posto de gasolina na esquina e o prédio já estava sem a caracterização de época. “Que desprodução rápida!” Pensou. Então resolveu estacionar para tentar encontrar o ponto eletrônico e o achou no chão do carro. Depois buscou seu celular á procura de instruções. “este telefone está desligado ou fora da área”. Foi o que ouviu ao ligar para Ramone. Então decidiu voltar á praça do “Chapéu dos Pracinhas” para procurar a equipe.
Nova surpresa: o trânsito estava normal sem nenhum sinal da equipe. Jonathan se sentia cansado demais para procurá-los e imaginou que Ramone tivesse se esquecido de lhe comunicar, e isto já havia acontecido noutras ocasiões. Olhou seu relógio: 16h50min. Assim achou melhor ir para casa. Antes digitou uma mensagem ao diretor. “Estou indo para casa com o carro e figurino. Depois me dê instruções, ok?”.
Ao chegar á casa, foi o tempo de se deitar no sofá para um cochilo com figurino, apenas tirou a peruca. Dai á pouco dona Adélia voltaria do salão da cabeleireira e solicitaria sua companhia para a missa de Isaque.

Continua!

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