terça-feira, 28 de abril de 2020

JAMPA - ÚLTIMO CAPÍTULO.


CONTINUAÇÃO.

ÚLTIMO CAPÍTULO. – UM SALTO NO DESTINO.


Passaram-se semanas e Teca não respondeu á carta. Era confirmação amarga de que ela não nutrisse por ele qualquer sentimento além de rancor por ter sido mais um á lhe acusar.  Tom abaixou a cabeça e voltou a ser Rogério

O tempo não se encarregou de suturar feridas. O delegado Mattei construíra uma sólida fama de “homem bom”, coisa que ele não se considerava nem um pouco á ponto de fazer trocadilhos com seu próprio sobrenome, com um “t” á menos: - Um dia, matei minhas chances de realmente ser bom!

O medo de confirmar o rancor de Teca não o deixava buscar informações do seu paradeiro. Mas nem precisou porque acabou sabendo pela boca de vizinhos do bairro: - Lembra daquela mulher que matou a irmã no Nordeste?
- Sim,... A senhorita Celeste. – temeroso: - O que aconteceu com ela?
- O senhor não soube? Ela morreu um ano depois que saiu da cadeia; foi tuberculose!
O baque na notícia foi semelhante ao de um piano que caísse do décimo andar sobre sua cabeça, esmagando-o.
Estava tudo acabado.

Uma noite ele examinava sua correspondência e havia um envelope pardo mal colado. No remetente estava escrito: Cleide da Silva, João Pessoa – PB. Sem pensar muito, abriu-o e continha outro envelope menor envolto numa folha de papel ofício com a mesma letra ruim. - “Meu nome é Cleide. Estou enviando isto porque encontrei junto dos guardados dela. Eu não abri e não sei o que está escrito. Abre e lê.” – tão lacônico quanto grosseiro, mas o segundo envelope era uma carta de Celeste com data posterior á sua saída da penitenciária! Com cuidado ele o abriu e leu a carta:
- “Querido Tom. Eu fiquei imensamente feliz em receber suas palavras naquela carta tão bonita. Nunca em momento algum eu o julguei como alguém que ajudou a me condenar. Se alguém foi culpada, fui eu mesma. Nós brigávamos, mas eu amava minha irmã e acredito que Ciça me amava também do jeito dela. Ainda que fosse absolvida pelo júri, jamais seria por mim mesma porque fugi e a abandonei sem olhar o que tinha acontecido. Você menciona meu segredo em relação ao seu nome. Sim, eu fiz questão de não te envolver no caso porque nosso encontro foi lindo e você não tem nada de troglodita. Mas fiquei apreensiva por que parece que você alimentou uma expectativa de afetividade que devo dizer, não existiu.” – ele parou de ler um instante temendo o que viria, mas prosseguiu. – “Sinto desapontá-lo, mas não posso e não quero te iludir. Eu fiquei tocada pela sua proposta, de verdade, e em outras circunstâncias o aceitaria com o coração aberto. Ocorre que o tempo que eu estive encarcerada me fez refletir e ver realmente o que sou e o que quero. Quando fui para a prisão, eu encontrei uma pessoa especial e me apaixonei, e esta pessoa era exatamente minha carcereira”. – Âhnn? – grunhiu Rogério surpreso: – “Cleide é uma pessoa incrível. Á princípio eu recusei este sentimento de amor por uma mulher. Mas com o tempo e a convivência eu percebi que tinha este desejo oculto dentro de mim. Foi uma descoberta difícil de ser aceita, mas quando abri meu coração foi como se os muros da prisão desaparecessem, e agora podemos viver nosso amor juntas. Eu imagino que deva estar chocado. Não o culpo e peço perdão se não fui o que esperava. Eu desejo profundamente que você seja feliz porque é um homem bom. Um beijo da sua querida Teca.”.
Ele deixou o papel cair sobre suas pernas e se perguntou. - Como assim,... Nada existiu? – amassou a carta, atirando-a longe e praguejou. – Que merda,... Que merda! – então recostou no respaldar da poltrona. Lágrimas brotaram nos seus olhos e começou a soluçar baixinho, quase como um uivo abafado.
Rogério nunca mais seria Tom.
Talvez nunca tivesse existido Tom; apenas Rogério Mattei.

Dias depois ele desembarcava no aeroporto Internacional Presidente Castro Pinto, trazendo apenas uma valise quase vazia. Foi passando pelo desembarque e logo seguia pelo saguão rumo á um ponto de taxis:
- Para onde vamos doutor?
- Por favor, vamos á Rua Duque de Caxias! – Rogério ia observando a paisagem urbana que passava pela janela e o céu nublado. O carro chegou á rua, que estava um pouco mudada, com turistas e muitos jovens. Viu a fachada da igreja da Misericórdia e a fileira de sobrados restaurados. Então seu olhar chegou naquele cujo quarto abrigou seu amor por Ciça, e abaixou a cabeça naquela lembrança, ao mesmo tempo terna e dolorida. Rogério tornou a entrar no táxi e ordenou. - Para a Praia dos Coqueiros, por favor.

 O carro parou ao calçadão, e era incrível: numa ironia do destino, repetia-se a mesma paisagem cinzenta de anos atrás junto á ressaca que deixava ouvir as ondas quebrando mesmo ao longe.
Andou pela areia com o vento esvoaçando seu cabelo e olhar fixo nos rochedos adiante. Gaivotas planavam ao vento, mas nada daquilo evocava romantismo; apenas saudade e culpa. Então galgou as pedras em passos decididos com o rumo pré-estabelecido: a ponta rochosa de onde Ciça caiu ao mar e a viu chamando por ele tantas vezes em sonhos. Em instantes ele encontrou a penha molhada pela arrebentação das ondas e podia sentir os perdigotos salgados na face. Olhou o horizonte numa atitude solene; largou sua valise no chão rochoso e caminhou até seu destino, parando á centímetros da ponta, e lá vinha uma onda das grandes. Ele fechou os olhos e falou: - Ciça, eu estou indo te encontrar!
Quando ia concluir o passo fatal, irrompeu uma voz. - Seu doido!... Pare! - ele mal pôde enxergar o vulto cor de rosa que o agarrou, caindo os dois para trás. Era uma mulher muito branca e usando um vestido cheio de rosas cor de rosa, agarrada á ele.
- O senhor está bem? – perguntou a mulher com aquela estranha franja loira, que mais parecia fios de macarrão instantâneo caindo-lhe na fronte alva.
Ele praguejou: - Mas que merda!... - pôs a mão na coxa esquerda. – Ái,... Puta que pariu; porra!
– Isso é maneira de falar perto de uma dama?  O que foi aí; tá doendo?
- Não; tá fazendo cócegas!... Ái, ái!
 – Me deixa ver! – ela apalpou seus quadris e coxas, e ele a repeliu: - Quem é você, uma rata de praia?...
– Rata de praia é a tua mãe, ô sujeito mal educado, eu tô só querendo ajudar!
- Ajudar? Rhum! E eu lá pedi ajuda? Nem suicidar em paz a gente pode mais!
- Ó xente!... Então é isso mesmo que o senhor ia fazer?
- Ééééé!... É isso mesmo!
- Por quê?
- Ora essa; eu lá tenho que dar satisfações?... Ái, porra,... Tá doendo pra caralho!
- O senhor é muito boca suja héim? Faz o quê da vida?
- Sou delegado de polícia.
- Ah, tá explicado! – abanou a cabeça. – Mas por que ia suicidar, homem?
- Não interessa!...  O que você veio fazer aqui, me seguir?
- E eu lá ia seguir um cabra mal educado como tu?  Eu estava na minha barraca, preparando meus cocos, aí passou uma morena e gritou: “Ei, tem um homem na ponta do rochedo querendo suicidar; vai lá e não deixa!”.
– Morena...?
– É! Ela disse um negócio que parecia: “fala que é um homem bom, corre!” Não entendi nadinha!
- Você a viu aqui outras vezes?
- Não, mas ela tava com uma bolsa alaranjada tão bonita! Pena que não deu pra perguntar a onde ela comprou.
- Foi ela que fez a bolsa,...
- Ah, então senhor conhece a morena, né?
- É,...  – seus olhos ficaram úmidos. – Ela,... Ela falou que eu sou um homem bom?
- Foi o que eu entendi. Por que o senhor tá chorando?
- Eu não estou chorando! – limpou os olhos com as costas da mão e olhou as gaivotas, planado ao vento. – Será que ainda dá tempo?
- Tempo do quê?
- De eu ser um homem bom. Será que ainda dá?
Ela olhou-o de lado e disse. – O senhor não está bem; não tá falando coisa com coisa. Olhe; não posso te deixar andando por aí desse jeito. Vamos lá para minha barraca, aí o senhor toma uma aguinha de coco e a gente fica conversando até tu te acalmar. E então?
- Eu,... Eu vou aceitar. Mas não vou conseguir andar direito,... Minha perna tá doendo.
- Se apoie em mim. Sou pequenininha, mas sou arretada! - ela o ajudou a se erguer. Ele apontou. – A minha valise, por favor. – ela a colocou na mão dele e perguntou: – Como o senhor se chama?
- Rogério.
- Já vi que não é daqui por causa do jeito de falar.
- Sou de Juiz de Fora, Minas Gerais.  Olhe senhora,... Desculpe se eu fui grosseiro,... Eu garanto que não sou assim.
- Preocupa com isso não; e eu não sou senhora, sou senhorita, e me chamo Cecília!
Ele parou espantado e pensou. - Não é possível,... Outra Ciça?
Ela completou: - Mas todo mundo me chama de Lia dos cocos!
- Ah;... Prazer.  – ele olhou o céu e lá estavam as gaivotas. Então sussurrou: – Vai dar tempo,... Vai dar tempo!
Lia o olhou, abanou a cabeça e pensou: - Homem tão bonito e com cara de gente boa,... Só que é doidinho! - fez um muxoxo. - Mas até teria chance!
- Senhorita... Eu posso te chamar de Lia?
- Ó xente, claro que pode!
- Então,... Pode me chamar de Tom.
- Muito prazer, Tom!

Fim.

Agradecimento ao amigo Marcelo Neves que ao passar-me suas impressões de João Pessoa, PB, me auxiliou á compor esta história. Valeu amigo!

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