CONTINUAÇÃO:
QUINTO CAPÍTULO: TRAMAS.
No
dia seguinte Teca retornou á João Pessoa escoltada por policiais e foi encaminhada
á carceragem enquanto aguardaria decisão do juiz sobre o habeas corpus
impetrado pelo defensor público que a acompanhava. Mais uma notícia pesada para
Tom, que já estava até se acostumando com esta rotina de sustos, mas era preciso
prosseguir.
Ele
chegou ao prédio da Décima Segunda Delegacia se apresentando como sendo vizinho
da detenta e foi levado á uma sala pequena pintada de verde escuro com uma
mesinha e duas cadeiras. Em minutos a porta se abriu, Teca entrou e o abraçou,
mas Tom evitou chamá-la pelo apelido. – Celeste, eu preciso que você me conte
exatamente o que aconteceu naquele dia! Tudo,... Sem omitir nada!
-
Certo! Eu tinha tomado a decisão de ir viver noutro lugar e deixar a casa
todinha para a Ciça, e disse que concordava com tudo e assim que chegássemos á
Juiz de Fora eu juntaria minhas coisas e iria viver na casa que tinha ficado
para mim na partilha. Eu pensei que ao
dizer isto, encerrariam as discussões, mas piorou porque Ciça começou a me
acusar de ter ficado todos esses anos na casa apenas de pirraça e por isso tinha
perdido o grande amor da vida dela!
Tom
fez uma expressão de espanto. Teca notou e explicou: - Ciça teve um romance com
um homem chamado Marlon, que se dizia advogado e estava a induzindo á vender as
propriedades para pôr o dinheiro em investimentos que ele indicava. Eu era
adolescente, mas não era boba e saquei que era cilada e tentei alertar a Ciça,
que ficou furiosa e me bateu. Eu gritei por socorro e acabei chamando a atenção
dos vizinhos, que se indignaram! A coisa acabou chegando á Justiça e eu pedi
que a Ciça não fosse mais minha tutora. Teve processo na Vara da Infância e
Adolescência, que não deu em nada além de uma advertência do juiz pela
agressão. Marlon viu que podia sobrar para o lado dele e desapareceu da vida da
Ciça, que passou á me culpar por isso, fazendo da nossa vida naquela casa um
inferno que eu estava disposta a encerrar naquele dia! Só que ela parecia
querer uma espécie de ressarcimento do tempo que passou e veio para cima de mim
tentando me bater e me segurou pelos braços! Olhe. – arregaçou as mangas do
casaco mostrando marcas de unhadas. – Á certa hora, eu achei que ela ia me
jogar no mar, mas o fecho da bolsa dela arrebentou e todos seus documentos e
cartão de banco caíram no mar! Aí eu aproveitei para sair correndo de volta ao
hotel; arrumei minhas coisas e fui para o aeroporto. Fiquei esperando o
primeiro voo que saísse daqui! – apoiou o rosto com as mãos: - Eu nunca poderia
imaginar que Ciça tivesse morrido na praia!
-
Quando vocês conversaram, você falou que me encontrou aqui?
–
Por que falaria? Não tem nenhuma relação com o caso, mas eu tenho certeza que
Ciça estava aqui em João Pessoa com um homem; e tenho certeza que era o Marlon!
Surpreso
Tom perguntou. – Por que você acha isto?
–
Ciça não sabe ser discreta e quantas vezes eu não a peguei com conversinhas
melosas ao telefone, e desligava assim que me via! Eu não duvido que seja ele quem estava
incitando Ciça a me pôr para fora da casa para poder se enfiar lá dentro!... Eu
fui burra. Devia ter aceitado e caído fora!
Tom
pensou. “Este homem era eu!”, Então o guarda abriu a porta dizendo que a visita
terminou. Ela se levantou e abraçou Tom, sussurrando-lhe: – Não vou falar seu
nome! - depois seguiu com o guarda.
Tom
ia se retirando, mas veio outro guarda e interpelou-o, explicando que o
delegado, doutor Peçanha, queria falar com ele.
Passaram
por um corredor repleto de cadeiras, algumas com homens algemados esperando alguma
coisa, e mulheres também á espera de alguma coisa, chegando á uma porta
encardida com uma plaqueta: “Dr. José
Raimundo Peçanha - delegado titular”.
Por
trás uma sala cheia de arquivos, mapas da cidade nas paredes e retratos do
governador do estado da Paraíba, do prefeito de João Pessoa e do presidente da
República do Brasil, tendo algumas teias de aranhas como enfeites. O delegado
era o mesmo homem baixo e atarracado que viu á entrada do hotel.
Tinha
olhos verdes e cabelos crespos penteado para trás, e se levantou para
recebê-lo.
-
Senhor Rogério Mateus?
Tom
corrigiu: - É Rogério Mattei, doutor Peçanha.
-
Ah sim, desculpe, escreveram errado aqui. Sou o delegado titular desta
delegacia, e de mais quatro pelo sertão, e estou encarregado da investigação
deste caso. Sente-se, por favor! -Tom, que agora era Rogério, e se sentou.
-
O doutor é policial em Minas; isto confere?
-
Sim; eu sou policial civil na cidade de Juiz de Fora. – era estranho repetir
aquilo que o delegado já devia saber.
-
O doutor Mattei está fazendo turismo á Paraíba?
-
Sim. Eu tive uma semana de folga e decidi conhecer a capital da Paraíba.
Disseram-me que tem praias lindas e eu quis conferir.
-
É verdade, nossa Jampa é muito bonita! O doutor veio sozinho?
-
Sim. Estou viajando sozinho.
-
Sozinho? – o delegado se mexeu pesadamente na cadeira, que rangia. – As duas
irmãs são suas vizinhas,... Vocês combinaram esta viagem?
-
Não! Foi uma coincidência.
-
O doutor chegou a encontrar as duas aqui em Jampa, ou algum outro lugar na
Paraíba?
A
intuição lhe disse para confirmar em parte. – Sim! Ontem eu encontrei a
senhorita Celeste no calçadão em frente ao hotel em que estavam. Eu aluguei um
buggy e parei ali para decidir aonde iria e ela me encontrou por acaso. Depois
fomos á praia do Tambaú, ficamos conversando num quiosque e depois eu a deixei
no seu hotel. – Rogério tinha a impressão que o delegado sabia disto. O que
mais saberia?
-
Ah sim. O doutor tem ideia da hora que foi isto?
Ele
tentou dissimular: – Doutor Peçanha, lá em Minas eu vivo escravo do relógio.
Aqui nem olho a hora, assim não posso precisar os horários, mas deve ter sido
entre meio dia e duas da tarde.
-
Não esquente! Então o senhor está cuidando do translado do corpo da morta até
Minas?
-
Sim. Eu soube do ocorrido e fiquei muito chocado. Ambas são vizinhas, nosso
bairro é muito familiar e eu me senti na obrigação de ajudar. O meu superior, o
delegado Malaquias, me orientou neste sentido.
-
Sim, eu falei com ele. O senhor é um bom vizinho! - Rogério achou aquela
declaração esquisita, e Peçanha prosseguiu: - Bem doutor Mattei, eu chamei o
senhor aqui porque, na condição de vizinho das duas, gostaríamos de confirmar
algumas informações passadas pela polícia de sua cidade. O senhor tem um
tempinho para isto?
-
Sim, claro!
-
Obrigado; serei rápido! – ele apanhou um caderninho com anotações e perguntou.
–A policia de Minas nos informou que as duas irmãs brigavam muito. Isto
confere?
-
Sim,... Elas tinham suas desavenças.
-
Parece que era mais do que meras desavenças, até na justiça, e ainda tem outro
complicador: o pivô desta encrenca foi um namorado da senhorita Cibele: um tal
de Marlon Holembeck. A senhorita Celeste afirmou que este cabra estaria aqui em
Jampa acompanhando a senhorita Cibele, escondido. - Rogério até sentiu um frio no estômago. –
Ela disse que seguiu a irmã de taxi até um lugar que tem uma igreja antiga
cercada de casario, também antigo, mas não soube dizer onde é porque não
perguntou ao motorista, e não prestou atenção no lugar. Mostramos para ela algumas fotos de lugares
assim em Jampa, mas ela não conseguiu identificar! – riso. – Igreja antiga com
casario em volta é o que mais tem em João Pessoa e em todo o Nordeste!
Rogério
resolveu fazer uma pergunta objetiva. – Doutor Peçanha; como delegado
experiente, o que acha que aconteceu,... Sem julgar. Apenas sua opinião?
Após
uns instantes ele respondeu com firmeza. – Eu acho que, independente desse
cabra estar aqui ou não; elas brigaram e
no calor da discussão uma quis empurrar a outra nas ondas do mar e quem ganhou
a parada foi essa mulher que tá aí: a senhorita Celeste. O resto é tudo
figuração. – sorriu. – São apenas impressões de um sertanejo do Crato que virou
delegado de polícia na Paraíba! - Rogério ficou quieto pensando naquela
sentença. - Bem doutor Mattei, eu queria ainda tomar um pouco mais do seu
tempo. É possível?
-
Sim doutor Peçanha; estou á disposição.
-
Fico satisfeito ao ouvir isto! Como vai ficar difícil trazer os outros vizinhos
para depor, eu queria que o doutor prestasse depoimento sobre a convivência
beligerante das duas lá em Juiz de Fora. O doutor é policial e seu testemunho
teria muito peso para nossa investigação sobre as possíveis razões desse crime.
O doutor concordaria em fazer isto? O defensor público está no prédio e pode
lhe acompanhar.
Um
arrepio lhe correu da nuca ao calcanhar, pois se fizesse isto, poderia
complicar a situação de Teca, mas se não fizesse, ficaria muito estranho e
poderia suscitar dúvidas sobre ele próprio. - E então doutor? Não vai tomar
muito tempo; eu prometo!
Ele
respondeu simulando firmeza. - Sim, sim, eu presto o depoimento!
-
Muito obrigado doutor Mattei, eu sabia que podíamos contar com a colaboração de
um colega da polícia! – e apanhou o telefone, chamando o defensor, o escrivão e
duas testemunhas. Rogério pensou: “testemunhas da minha covardia”. Em instantes
entraram o defensor público, o escrivão e as testemunhas. O teatro estava
aberto.
Dois
dias depois Rogério chegava á Juiz de Fora, e compareceu ao velório de Ciça,
tendo que ouvir hipóteses das mais obtusas sobre o motivo do crime: de uso de
drogas á um pacto de suicídio entre as duas irmãs ao qual Celeste não cumpriu
sua parte.
Ele
sublimou suas emoções o quanto pôde, mas na mesma tarde na delegacia numa
conversa com o delegado Malaquias, não resistiu e contou tudo para aquele, que
além de ser seu superior na hierarquia policial, era seu amigo.
-
Por que Celeste não revelou seu nome?
-
Disse que não seria relevante!... Eu estou tão triste e perdido. Ah,... Se eu não tivesse incentivado Ciça a
resolver as questões sobre a casa, talvez elas não tivessem brigado; agora
estou me sentindo um canalha por ter deixado Teca sozinha numa cadeia em João
Pessoa acusada de matar sua irmã. – abaixou a cabeça. – Estou com vontade de
revelar que eu era o namorado de Ciça e que me relacionei com Teca só aquela
vez; mas aconteceu!
-
Você ficou doido Rogério? Eram querelas antigas entre as duas e você não teve
culpa de nada! O tal de Holembeck que ela mencionou está preso á quatro anos em
Belo Horizonte por estelionato e roubo e assim não poderia estar em João Pessoa
para levar a culpa, mas se você revelar que estava com Cibele, sabe o que vai
acontecer? Vai dar respaldo ao que a Celeste falou sobre um homem estar com a
irmã lá! Você disse que ficou hospedado numa pensão num casarão antigo, que ela
não sabe aonde é, mas a policia vai se ligar e constatar que o que ela disse
sobre a irmã ter ido de táxi encontrar o homem era verdade. Você estava na
Praia dos Coqueiros; por acaso tem algum álibi provando que estava em outro
lugar naquele instante? Obvio que não, e vai ficar parecendo que você era o
homem que estava pressionando Cibele á se livrar da irmã enxerida. Elas
brigaram e Celeste afirmou que a deixou na praia, viva, mas a polícia de João
Pessoa não acredita nela. Porém, se descobrirem que o pivô da briga das irmãs
estava na praia naquele momento, podem suspeitar que você também discutiu com
ela e a empurrou no mar depois de uma briga!
-
Não!... Eu nunca faria isto Malaquias!
-
Eu sei, e você sabe, mas se a investigação da policia paraibana seguir esta
linha você estará enrascado até o pescoço! Sabemos que ás vezes o que fica
parecendo tem mais argumentos do que aconteceu de fato, e fica sendo a verdade!
- Rogério olhou o vazio sem elaborar uma resposta, e Malaquias prosseguiu: - E
ainda tem outro detalhe: quando a Celeste descobrir que você era o namorado
escondido da irmã, e mesmo conhecendo-a fez sexo com ela, vai achar que você
quis pegar as duas irmãs! Quanto tempo você acha que se demoraria em ela tirar
o corpo e fora e te acusar de ser o homem por trás de toda encrenca?
-
Ela não faria isto.
Riso.
– Nunca subestime uma mulher magoada, meu amigo! E se nada disso lhe convencer,
tenho outra: - se aproximou. – Você passou no concurso para delegado e sua
nomeação não vai tardar, mas um escândalo desses jogaria tudo por terra, e
ainda se arriscaria á ir á uma cana braba na Paraíba!
- Então,... Eu devo deixar quieto?
-
Quietinho, meu amigo: quietinho! Você não sabe como e nem porque começou a
encrenca das irmãs Vergara; certo? A merda que deu foi por conta de um monte de
histórias que você não conhece, aí eu pergunto: quer entrar de gaiato e se
foder pagando de herói trouxa? Claro que não, né! Você é policial com experiência
e sabe que é assim!
Tudo
que o amigo falou tinha consistência suficiente para engessar sua consciência e
nome da prudência. Uma rima infame, mas verdadeira.
Rogério
teria com conviver com esse fantasma.
CONTINUA.
Gostei muito. Agora vou querer saber que fim terá essa história.
ResponderExcluirAguarde reviravoltas e emoções até o ultimo parágrafo!
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