Uma
sombra te acompanha.
Não
é a tua e nem a minha.
Uma
sombra te segue.
Não
se achega e nem se afasta.
Uma
sombra te alcança.
E
te engole no caminho!
Amarildo era um sitiante na serra de
Ibitipoca, longe da cidade, como ele mesmo dizia: na roça, da roça! Toda semana
ia levar queijos, doces e aguardente produzidos no seu sítio para vender nas
hospedarias e bares do lugar na sua velha Kombi, e antes de voltar parava para
beber uma cerveja e conversar com amigos.
Naquele dia a “Tieta” – como chamava seu
veículo em homenagem á uma novela da TV - acordou teimosa em pegar. Mas como já
estava tudo na carroceria, Amarildo decidiu arriscar, e saiu com Tieta pela
estrada afora.
Ele conseguiu chegar á cidade, e depois
de fazer as entregas seguiu á rotina da cervejinha antes de voltar ao sítio.
No bar estava um velho morador do alto
da serra de nome Sebastião Ambrósio, que vez por outra ia á cidade comprar
mantimentos e beber cerveja porque na sua roça só tinha pinga!
Amarildo olhava-o: diziam que tinha mais
de oitenta anos, e quando lhe perguntavam sua idade, ele ria ao responder: -
Sabe aquele moço que tá conduzindo o carro de boi no quadro “Independência ou
Morte”? Era eu!... – e gargalhava.
Todos gostavam das suas histórias de
fantasmas, que sabia aos montes. O dono do bar perguntou: - Hei Tião, fala aí
da mãe do ouro?
Ele o encarou ao responder: - Tião é o
caralho! Sou Sebastião Ambrósio. – todos riram e ele continuou: - Mãe do ouro é
uma assombração que aparece em lugar que tem gente enterrada sem saber que
morreu. – risada. – E aqui tem muito disso! Caboclo que morreu de morte matada;
escravo que morreu no eito sem padre e nem rezadeira pra encomendar o corpo e
anjinho que morreu antes de saber que era gente. Eles não sabem que morreram e
ficam vagando errantes. A mãe do ouro é a emissária do anjo da morte que vem
buscar esses espíritos e vai procurando eles com um lampião pela estrada e no
meio do mato, mas os espíritos não são besta e se escondem! Acontece que ela
não pode voltar de mãos vazias, senão o anjo da morte acha ruim; então, pra não
ser castigada, ela pega o primeiro vivo que aparece! – olhou em volta: - O
infeliz nunca mais aparece! Então quem precisa andar pela estrada á noite, tem
que ficar esperto quando vê a luz do lampião dela. Quando a gente chega perto,
ele afasta. E quando a gente afasta, ele chega perto! – ele olhou seu relógio e
disse: - A mãe do ouro sai pra procurar os espíritos sempre na hora do cão,
três da madrugada, e á essa hora eu quero é já estar encolhidinho na cama; vou
embora, inté! – e saiu.
- Que figura! – falou o dono do bar.
Amarildo achava-o misterioso.
Naquela noite ele permaneceu no bar para
assistir o jogo de futebol na TV; seu time, Botafogo, iria jogar, e empatou!
A conversa estava animada e acabou
perdendo a noção da hora: quando viu era 2h12min! Então se despediu e saiu para
a jornada de volta ao sítio. Tieta fez um pouco de charme para pegar, mas funcionou,
e enquanto seguia veio á lembrança de uma de uma mulher muito velha, chamada
Dona Santinha, que costumava visitar os enfermos para rezar o terço. Estava
sempre de luto, com vestido comprido até os pés e lenço negro na cabeça. Depois
da visita, era certo que o enfermo passava rapidinho desta para a melhor.
Criança, Amarildo tinha medo dela. Seria a “mãe do ouro”?
Quando já estava a meio caminho, o motor
da velha Kombi começou a ratear até parar. Ele insistiu e o arranque fez aquele
“num vou, num vou num vou” de que não ia pegar. A bateria acabou arriando,
fazendo-o abanar a cabeça pensando que tinha passado muito a hora de levar
Tieta á uma boa revisão. Assim só lhe restava duas opções: esperar na cabine
até passar alguém para ajudá-lo a empurrar, ou seguir á pé até seu sítio, que
daria meia hora de caminhada. Como Marilene, sua mulher, devia estar preocupada
com a demora e não havia sinal de celular ali, Amarildo decidiu pela segunda
opção. Colocou o triângulo de alerta preso na carroceria, e seguiu adiante. Na
manhã seguinte, chamaria o reboque para levar Tieta á “UTI” da oficina.
Aquele trecho da estradinha de terra era
o pior: um aclive cheio de curvas e grotas sombrias perto de uma pedreira. A
mata entrelaçada de cipós se mostrava bruxuleante á luz da lanterna de Amarildo
na noite sem lua, e o vento farfalhava as árvores em sussurros lamentosos. Ele já havia passado ali á noite diversas
vezes, mas a história de Sebastião Ambrosio sobre a mãe do ouro, parecia lhe
ter despertado o medo inconsciente daquilo que não se conhece. Lembrou-se de
Dona Santinha: branca como cera e mais enrugada que um maracujá, com seu lenço
preto na cabeça despontando seu cabelo grisalho e crespo como palha seca. Ela
costumava andar á noite com uma lanterna que emitia luz amarelada como uma
lamparina. – Deixa de besteira, sô! – abanou a cabeça e seguiu a passos mais
rápidos.
Mais adiante depois de uma curva,
surgiram dois pontinhos luminosos na estrada vindos à sua direção. Um arrepio
lhe correu o corpo inteiro e ele parou, mas era apenas um cachorro preto cujas
retinas refletiram á luz da lanterna e ele apanhou um galho para espantá-lo: -
Passa! – o animal fugiu para o mato e Amarildo se recompôs, colocando-se em
marcha novamente. Mas veio uma dúvida: - Uai,... De quem é esse cachorro? - olhou
seu relógio que marcava exatamente três horas da madrugada, a hora do cão! Então
apertou o passo ouvindo barulhos ao vento na mata: piados de pássaros noturnos;
um galho seco que caía; o gotejamento choroso de uma nascente nas pedras. Sons
da mata que na sua mente eram presságios do sobrenatural.
Então um ruído vindo de trás o fez virar
a cabeça; era uma luz amarelada seguindo-o. Isto arrepiou todos os pelos que
tinha no corpo: - Ah meu pai eterno!... É ela! – pensou e tratou de pôr sebo
nas canelas e correr como nunca. Olhava para trás e a luz se perdia nas curvas
e entre as árvores, mas em seguida se aproximada enquanto o som do vento nas
arvores e a sinfonia de silvos e batidas aumentava. Era só ele parar para a luz
amarelada e trêmula se aproximar junto á um murmúrio lúgubre, botando-o á
correr e fazendo o sinal da cruz!
Quando chegou ao seu sítio, pulou a
porteira de numa só vez e correu á entrada da casa. Até a chave custou a achar
o buraco da fechadura enquanto ele olhava a curva na estrada, e lá vinha mãe do
ouro com sua lanterna brilhando no escuro. A porta abriu, ele entrou, trancou-a
novamente e encostou-se ofegante á porta quando Marilene chegou:
- Ocê demorou, eu já tava preocupada!
Que foi homem, tu tá branco,... – viu sua calça molhada do meio das pernas: -...
E tá mijado?
Ele se afastou falando: - Eu fui beber
água e a biquinha me espirrou!... Me deixa, Marilene; me deixa!
À entrada da porteira, Bartolomeu, um
rapaz surdo mudo olhava a casa. Estava com sua bicicleta de farol ligado, e deu
de ombros pensando: - Eu ia ajudar o “seu” Amarildo com o carro,... Ele não
quis; “pobrema” dele! – e seguiu seu rumo.
Fim
Muito bom!!!!!
ResponderExcluirAdorei o final👏👏👏
obrigado Michelle!
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