sexta-feira, 10 de julho de 2020

GERALDO E SEU BURRINHO - CONTO.


Nas montanhas de Minas Gerais, há muitos anos, havia um sitio muito pequenino onde vivia um menino chamado Geraldo, que possuía um burrinho marrom ao qual chamava de Zeca. Não era animal de estimação, mas de trabalho, pois puxava arado no campo e carregava coisas da roça para o arraial no lombo.
Geraldo gostava do bicho e até falava com ele: - Vamos puxar o arado Zeca? – perguntava, e o burro obedecia.
- Vamos levar mandioca pra vender no arraial Zeca? – perguntava, e o burro obedecia.
- Vamos comer Zeca? – perguntava, e o burro obedecia. Era sempre assim a rotina de Geraldo e Zeca na lida das coisas da roça.
Às vezes Geraldo o montava e seguiam pelas estradinhas de terra, e o burrinho sempre obedecia.
Foram vários anos nesta mesma rotina: Geraldo levando Zeca para um lado e outro, e sendo prontamente obedecido.
 Mas Zeca começou a ficar teimoso e empacar diante das ordens. Isso não era bom porque atrasava o trabalho na roça. O pai de Geraldo falou que burro quando fica velho costuma ficar teimoso e empacador. E completava dizendo que se Zeca ficasse ruim para o trabalho teriam que se livrar dele porque não ia dar para sustentar um animal imprestável no sítio. Era cruel, mas naquele tempo de muita dificuldade tinha que ser assim.
E o burrinho cada vez mais teimoso e empacado!
Um dia, Geraldo foi á venda no arraial e lamentou porque Zeca estava velho e seu pai queria se livrar dele. E abaixou a cabeça enquanto limpava uma lágrima com as costas da mão.
 Um caboclo que estava encostado no balcão ouviu a conversa e o chamou. – Ô menino; vem cá! – era um homem moreno, alto e magro com cabelos grisalhos amarrados na nuca. Tinha a camisa branca aberta no peito mostrando uma figa pendurada no pescoço atrás barba rala. Geraldo se aproximou meio ressabiado com aquele sujeito, que achou esquisito e com cara de feiticeiro, mas obedeceu. – O sinhô quer falar com eu?
O caboclo o encarou com seus olhos verdes, e perguntou: - Eu ouvi ocê dizer que tá com problema com um burro empacador. É isso?
- É; to sim. Meu pai disse que se ele continuar assim a gente vai ter que vender, ou,... – não completou a frase.
- Ocê gosta dele, não é?
- Gosto!... Mas se o Zeca ficar ruim pro trabalho eu vou ter que obedecer ô pai.
- Não vai precisar mandar o burro embora; vou te ensinar um truque pro Zeca nunca mais empacar! – chegou perto. – Ocê vai fazer assim: acha um lugar que tenha uma moita de piteira: aquela planta cheia de espinhos! Põe o burro de costas pra moita e puxa pelo cabresto com força pra ele empacar, e a hora que ele tiver bem empacado puxando para trás, ocê larga o cabresto de repente e o burro vai cair de anca no espinheiro. Eu garanto que nunca mais vai empacar!
Geraldo lembrou que tinha um lugar na estrada que era exatamente assim, e ainda tinha uma subidinha.
Então o caboclo se levantou dizendo: - Agora deixa eu ir, que moro muito longe! – e saiu da venda. Geraldo ficou olhando, mas depois tratou de correr ao sítio para pôr o plano em ação.
Ele encontrou Zeca tranquilo, pastando ao lado de uma paineira. O apanhou pelo cabresto e falou: - Vamos pro arraial Zeca? – o animal resistiu um pouco, mas obedeceu.
Em instantes chegavam ao lugar da estrada onde havia uma colina e a moita de piteira na curva. Zeca começou a parar o trote e empacou; Geraldo então começou a puxar o cabresto dando arrancos com força, enquanto o burrinho elevava a cara não querendo obedecer, puxando para trás. Quando o cabresto estava bem esticado, Geraldo o soltou de repente e Zeca se desequilibrou caindo para trás com a anca no espinheiro da piteira. Ouviu-se um: - Áaaai! – bem alto. Geraldo olhou para os lados a procura de alguém que tivesse gritado, quando escutou uma frase.
– Isso não se faz!... Você me enganou! – o garoto olhou para Zeca, e era ele que falava enquanto levantava: - Isso foi jogo sujo Geraldo!
O menino ficou tão assustado que se encostou ao barranco enquanto olhava Zeca, que lhe devolvia o olhar, perguntando: - O que foi; nunca me viu?
- É,... É ocê que tá falando?
- Sim!
- Mas... Burro não fala!
- Ora essa! Você também fala!
- Mas eu não sou burro!
- Ah, isso é discutível! – e azurrou num riso debochado.
- Desde quando ocê fala?
- Desde sempre uai!
- Porque nunca falou comigo?... Sempre te perguntei as coisas, e nunca respondeu!
Zeca chegou pertinho com um olhar zombeteiro. – Nunca respondi por dois motivos: primeiro porque meu nome não é Zeca, me chamo Zoroastro!
Geraldo perguntou: - Zoro,... O quê?
Zeca continuou: - Segundo: porque você só fez pergunta boba! “Vamos puxar arado Zeca?” e já vinha me ateando o arado! “Vamos pro arraial vender mandioca, Zeca?” E já vinha me colocando os embornais no lombo! Eu ia responder o quê? “Sim senhor?”
- Mas, se ocê respondesse, todo mundo ia saber que ocê era um burro diferente, que fala! Vinha até televisão mostrar! – puxou-o pelo cabresto: - Vamos mostrar pro pai, e ele não vai querer mais te vender!
- E vai acontecer o quê depois?
- Uai! A gente vai chamar a televisão; é capaz até de ocê ir pro “Fantástico” de domingo!
- E depois?
- Ocê vai ficar famoso!...
O burro completou: - É capaz de seu pai então querer me vender bem caro!
- Não!...
- Geraldo, mas se eu ficar aqui, vocês não vão ter mais sossego por causa da quantidade de gente que vai querer ver o burro falante! E eu ia virar o quê? Atração de circo? – abanou a cabeça. – Eu gosto dessa vida aqui na roça. Não queria outra coisa da vida senão isto.
- Então porque ta ficando teimoso e empacando no trabalho? O pai ta querendo te vender por causa disso!
Zeca olhou para os lados e disse: - Geraldo; eu to ficando velho e cansado. Eu não empaco por teimosia, mas por cansaço. Você é menino e não sabe o que é isso. Um dia vai saber. Mas eu entendo que se não tenho mais serventia no sítio, vão precisar se livrar de mim,...
Geraldo o abraçou pelo pescoço. – Não vou deixar te venderem! Nem outra coisa,... Você fala com meu pai!... Ele não vai te vender se souber que ocê fala!
- Isso não vai dar certo Geraldo! Vai complicar a vida de vocês, e no final eu vou acabar indo parar num circo ou coisa pior. Não quero isso!
Geraldo pensou um pouco ao limpar as lágrimas; e disse decidido. – Tem um jeito! – soltou o cabresto. – Ocê sabe se virar sozinho?
Zeca respondeu: - Sim,... Tendo pasto e água; é tudo que me basta no fim da vida!
- Então vai!... Eu falo pro pai que ocê fugiu!...
- Seu pai não vai atrás de mim?
- Não! Ele vai achar é bom, por que se livrou desse problema!... Mas vai logo,... Antes que eu arrependo!
Zeca respondeu; - Obrigado! Vou sentir muita saudade!
- Vai logo,... Vai logo! – falou Geraldo lhe batendo nas ancas com o arreio, e ele saiu correndo; mas ainda parou no alto da colina num último olhar de gratidão para depois sumir na mata.
Geraldo ficou um tempo por ali, chorando a saudade. Depois seguiu para casa, onde contou ao pai que Zeca tinha fugido. O homem fez um muxoxo e disse. – Menos um problema pra gente cuidar! Depois a gente arranja outra besta de carga,... Ou melhor: quem sabe compra uma camioneta?
O menino ficou triste, mas aliviado por ter feito a coisa que achou certa.
No alto da montanha, entre as árvores, Zeca parou perto de um regaço onde bebeu um pouco de água. Então viu um caboclo de barbas ralas se aproximando.
- Posso parar de falar agora? – perguntou Zeca. – Dá muito trabalho! E que nome esquisito este que o senhor me disse pra falar: Zoroastro. Quem é?
O caboclo respondeu: - Foi um homem muito inteligente!
Zeca azurrou rindo: - Nome de gente inteligente para um burro que nem eu?
- Você recusou a fama que um burro falante ganharia em todo mundo á troca dessa relva e deste regaço. Isto é mais que inteligência; é a sabedoria das coisas simples! Quer mesmo que eu lhe tire a fala?
- Tira logo, eu não quero mais falar. Mas antes... Qual é o seu nome?
O caboclo respondeu: - Sou Oxossi!
E fez um gesto; Zeca voltou a ter apenas o azurro e abaixou a cabeça á pastar enquanto ouvia-se apenas o barulho das folhas pisadas pelo caboclo ao seguir seu destino, embrenhando-se na mata verde, como seus olhos.

Fim
        





4 comentários: