Num século anterior ao nosso havia um local perdido entre as montanhas de Minas Gerais, tão isolado que nem aparecia nos mapas, e cujo acesso serpenteava nas encostas e serras num emaranhado de estradinhas de terra e pedra. Neste lugar viviam três irmãs que se dedicavam aos cuidados do jardim que rodeava sua casa centenária.
Um casal se perdeu neste labirinto, e ao galgar um aclive pedregoso, avistaram o jardim e as três irmãs. O homem desceu da charrete e acenou: - Senhorinhas, por favor; estamos perdidos! - uma delas se aproximou sorrindo: - Aqui vossas mercês nunca estão perdidos, mas achados! - ele retribuiu o sorriso e disse que seguiam à Vila Rica, mas ao viajar à noite acabaram entrando numa estrada errada que levou à outra e outra. Agora os cavalos estavam cansados e eles com sede e fome. As outras duas irmãs se aproximaram dando-lhes boas vindas r já trazendo moringas com água fresca. Elas explicaram que aií havia um pequeno povoado com poucos habitantes aonde eles poderiam descansar e comer algo. Logo vieram dois rapazes que os ajudaram com os cavalos, e o casal agradeceu a cortesia e seguiram ao povoado.
Depois as três irmãs trocaram olhares, largaram as enxadas e correram à casa. Na ampla sala elas se deram as mãos e começaram a entoar cânticos num dialeto que nada tinha a ver com o léxico falado nas colônias de "El Rei", e sim com as longínquas ilhas britânicas, pois em verdade eram três sacerdotisas Druidas que por força das perseguições ás bruxas no velho mundo, acabaram por chegar à Capitania das Minas Gerais junto ao seu pai em busca de refúgio. Ocorre que elas praticavam a antropofagia, e para obterem a vida eterna sacrificaram o próprio pai num ritual de magia, quando assaram seu corpo e o devoraram. Depois depositaram seus ossos naquele jardim ao qual deveriam cuidar por toda a eternidade, tendo que vez por outra repetir o ritual antropofágico e enterrar os ossos dos infelizes naquele jardim de flores tão coloridas como o arco íris.
Elas estavam radiantes, pois naquela noite seriam dois assados e devorados, não só por elas mas pelos habitantes do povoado, que enfeitiçados continuariam sendo os guardiões das três sacerdotisas e seu jardim.
Contudo, se uma das três irmãs se apaixonasse ou fosse tocada no sexo, o feitiço se quebraria e elas voltariam à sua idade real, trezentos anos, antes de terem uma morte horrível. Mas mesmo tendo consciência deste perigo, o coração da irmã mais velha bateu diferente assim que avistou a charrete. Era uma sensação irresistível.
Enquanto suas irmãs se lançavam aos preparativos do banquete macabro de mais tarde, ela se retirou para banhar-se num regaço de águas geladas. Estava assustada, mas sabia o que era aquilo, pois tinha lido em antigos escritos que descreviam a volúpia como uma torrente cálida que tomava todo o corpo. Era o que que sentia, além de uma vontade irresistível de ver novamente o objeto do seu desejo.
Ela seguiu a lateral da taberna de pau a pique e espiou o casal pela janela sem ter a menor noção que em horas estariam empalados em espetos a girar ao calor do braseiro. Uma sensação de pânico lhe irrompeu ao pensar que presenciaria a morte se quem jamais poderia lhe pertencer, e ela seria seu carrasco! Isto seria muito doloroso, pois jamais poderia lhe negar a vida que, também em verdade, nunca poderia ter. - Este é o preço mais cruel desta eternidade! - sentenciou na certeza que não conseguiria executar aquele ato. Então voltou para casa decidida a salvar-lhe a vida.
Ela chamou suas duas irmãs e sugeriu que, por serem dois, poderiam antecipar o ritual: um deles seria servido no almoço, enquanto que o outro numa ceia noturna. Elas concordaram e se apressaram ainda mais no preparo da fogueira e dos espetos. Esperta, a mais velha chamou os habitantes do povoado para ajudá-las.
Foi um ardil para distraí-los, porque enquanto arrastavam a primeira vítima aos berros, com o corpo besuntado em azeite, sal e especiarias, a sacerdotisa saiu ás escondidas e colocou seu amor na charrete, e lhe ordenou: - Fujas daqui o quanto antes e salves tua vida!
- E tu? - perguntou com medo.
- Eu ficarei aqui. Não tenho escolha!
- Tens sim! Venhas e salves tua vida também!
Ela olhou para trás e viu que seu estratagema foi descoberto. Suas irmãs e os habitantes do povoado se aproximavam. Então pensou: - Que me importa? Trezentos anos está de bom grado! - e entrou na charrete, partindo em disparada pela estrada afora.
Já distante a sacerdotisa não resistiu e se entregou ao desejo, roubando-lhe um beijo. Depois fechou os olhos com força, esperando pelo desfecho de sua vida. Mas nada aconteceu: - Não entendo, ainda estou viva!
- Ui,... E como! - exulta olhando-a.
Ela abana a cabeça e diz: - Pelos meus ancestrais, como pode ser isto? - mas apesar do alívio, tinha certeza que não seria perdoada pelo seu amor, e lançou-lhe um olhar culposo ao dizer: - Eu sinto tanto não ter salvado também a vida do teu marido!
- Marido? Aquele traste não era meu marido; era meu sinhô, e que o diabo o carregue!
Então a sacerdotisa entendeu que o toque e o amor a um homem a destruiria. Já numa mulher a libertou.
E viveram felizes para sempre.
Muito depois no jardim: - Senhorinhas! - as duas olham. - Eu estava seguindo à Vila Rica e me perdi!
Uma das irmãs se aproxima com uma moringa de água, e diz sorrindo: - Aqui vossa mercê nunca está perdido. Está achado!...
Fim.
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