“A literatura
ganhou muitas páginas inspiradas em lendas e tradições sobre casas mal
assombradas, onde se ouviam conversas de personagens há muito desaparecidos,
gemidos de encarcerados que não se encontravam jamais, ruídos de talheres, de
correntes arrastadas, enfim mil e uma sugestões sobrenaturais que faziam
arrepiar os cabelos aos mais corajosos.”.
Em 31 de agosto de
1946, a “Revista da Semana” trazia matéria intitulada: “Solares e Supertições”
reportando a demolição do Palacete Azul da Tijuca, á Rua Haddock Lobo, em torno
do qual corriam “histórias fantásticas de
causas sobrenaturais” como frisava a reportagem. Existiria a lenda de um
noivado desfeito que teria levando ao abandono da residência onde o casal
viveria. A história destes jovens noivos delineava um drama com final trágico,
pois dias antes do casamento, a noiva teria fugido com outro homem. Magoado e
profundamente deprimido, o noivo seguiu á casa, onde esperava encontrar a
felicidade com sua amada, e cometeu suicido. Assim, sepultado sem os ofícios
religiosos por ser um suicida, o espírito do jovem teria se tornado uma alma penada
á espera da sua redenção. Ouviam-se lamentos, ruídos de pés se arrastando, palmas
e batidas por toda a casa fazendo com que ninguém conseguisse viver no palacete
por muito tempo, criando uma lenda com tal força que as pessoas até evitavam
passar na sua calçada á noite com medo do fantasma do noivo suicida. Como o lugar
ficou com fama de mal assombrado, sua proprietária, Rita Isabel da Costa, não
conseguia locatário disposto a ocupá-lo e acabou vendendo o palacete á uma
firma (diziam, por uma pechincha) para se livrar do imóvel amaldiçoado e nunca
mais quis tocar no assunto. O solar foi demolido e construíram o galpão de uma
metalúrgica no local.
A reportagem procurou saber a veracidade daquela
história, mas as informações eram contraditórias e imprecisas. Alguns diziam
que as famílias dos noivos tinham muita influência e conseguiram abafar o caso.
A informação mais segura, é que o palacete teria sido
construído por uma pessoa muito popular no Rio de janeiro na virada dos séculos
XIX e XX, conhecido por Machado Sujo, (apelido?) que teria enriquecido “á custa do seu trabalho numa profissão
modesta”. Contudo, a matéria não explica qual seria a atividade que lhe
proporcionou recursos para a construção do suntuoso solar.
Seu estilo era Eclético com detalhes neoclássicos, cuja
colunata que adornava sua entrada principal teria sido originalmente
encomendada pela Prefeitura do Rio de Janeiro para as obras do Theatro
Municipal, por ocasião da abertura da Avenida Central em 1903 (Construção á
cargo da Comissão Construtora do Theatro Municipal). Eram feitas em mármore de
Carrara e possuíam capitéis em estilo compósito de bronze, mas a razão de não
serem utilizadas no teatro também era contraditória: uma versão, é que a firma
italiana que as produziu demorou a concluí-las, e como haveria um prazo para o
término da obra, a Prefeitura encomendou-as á outra firma. A segunda versão, é
que foram produzidas menores do que deveriam, e não puderam ser usadas. O fato
é que acabaram arrematadas por Machado Sujo, e emprestavam ao “Palacete Azul”
um aspecto bastante imponente.
Mas nada disso
impediu sua demolição em 1946, e, como era costume, alguns operários
pernoitaram no prédio, sem dar crédito às histórias de fantasmas. Porém, á meia
noite começaram os barulhos de pés se arrastando, palmas, lamentos e batidas
sem que se descobrisse o que as provocava. Assustados, os operários saíram
correndo do solar e na manhã seguinte queixaram-se ao empreiteiro, recusando-se
a dormir dentro da casa assombrada. O
chefe zombou da covardia de seus empregados e, para provar que era tudo
imaginação, decidiu pernoitar na casa. Assim o fez, e á meia noite, começaram
os barulhos misteriosos. Ele não podia dar sinais que estava com medo, assim se
muniu de coragem, reuniu alguns homens e começaram a andar pela casa á procura
do “fantasma”, vasculhando cada cômodo, sem nada encontrar. Por fim, subiram
uma escada chegando a um quarto de onde parecia vir os barulhos, e ao abrir sua
porta quase saíram correndo ante a revoada de um bando de corujas que estaria
usando-o como moradia. A matéria diz: “Os
homens se entreolharam por alguns segundos e depois deixaram-se empolgar pelo
riso orgulhoso da coragem.”
Apesar do tom cético, a reportagem não deixava claro se
os ruídos terminaram após a descoberta do ninho de corujas que, no entanto,
forneceu uma explicação plausível capaz de dar fim a história do fantasma.
Se bem que havia
um, porém: se era apenas isto, porque a proprietária não deu jeito de espantar
as aves para alugar a casa, preferindo vendê-la?
“A picareta destrói
uma lenda” sentenciava a reportagem, concluindo que, dificilmente, os
fantasmas do Palacete Azul estariam inclinados a conviverem com dínamos, tornos
e cilindros de oxigênio, porque assombrações gostam de silêncio e solidão.
Será?
Embora publicado numa revista semanal de variedades, onde
sobressairia certo ceticismo em ralação ao sobrenatural, poderíamos fazer
algumas considerações: a mais obvia, é que realmente a lenda poderia se apoiar em
fenômenos naturais. É sabido que o madeiramento estrutural das casas antigas
tende a expandir ao calor do dia, e retrair à diminuição da temperatura á
noite. Lembrando que estamos falando de um imóvel no Rio de Janeiro e suas
altas temperaturas. Esse movimento de expansão e retração produz estalos e
toques, que, uma mente sugestionada ao sobrenatural poderia interpretar como
algo do além, assim como ruídos produzidos por animais noturnos.
No ramo da parapsicologia, os fenômenos do Palacete azul se
enquadrariam no que foi nomeado pela Igreja Católica como: “spiritus percutiens” ou “espíritos batedores”. A jornalista e parapsicóloga Elsie Dubugras
(São Paulo, 1904 – 2006) afirmava que, a partir dos estudos de vários
pesquisadores do tema, seria possível classificar os casos de fantasmas em
quatro categorias: efeitos auditivos; efeitos visuais; efeitos sensoriais e
fenômenos objetivos e subjetivos. O pesquisador Roger Laffororest (Paris, 1905
– 1998) em sua obra “Casas que Matam”, afirmava que locais onde ocorreram
tragédias, assassinatos e acidentes com vitimas fatais se tornariam “locais
maléficos”. No caso do Palacete Azul, o suicídio poderia ter trazido uma
espécie de maldição, que seria na verdade um “vórtice de energias” atuando no
espaço trazendo a “corporificação” capaz de evocar efeitos auditivos. Ou seja,
as casas “assombradas” atuariam como caixas de ressonâncias das energias
desprendidas pelo sofrimento, ódio, ira que se impregnaria nas suas paredes, e
se manifestaria à presença de um agente, ou médium, capaz de materializar
imagens, sons, cheiros etc. Anteriormente, a pesquisadora Eleanor Sidgwick (Reino
Unido, 1845 – 1936) já havia atribuído tais fenômenos ás expectativas deste
agente, o que eliminaria a possibilidade da presença de espíritos de pessoas
falecidas como vetores destes fenômenos. Contudo, Sidgwick reconhecia que seria
prematuro fazer afirmações conclusivas, mas apenas elaborar hipóteses
provisórias a respeito destes fenômenos sobrenaturais porque existiriam muitos
casos que escapariam ás explicações meramente científicas.
Seria preciso uma pesquisa mais profunda para verificar
se os fenômenos auditivos continuaram nas oficinas da metalúrgica ou desapareceram
com o final da “caixa de ressonância” do Palacete Azul, indicando, conforme a
reportagem, que o fantasma poderia ter saído á procura de um local mais
tranquilo para assombrar.
Referências
bibliográficas:
DUBUGRAS, Elsie, As Casas
Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de
Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21, dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os
Fantasmas de Borley House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São
Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09, dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e
sons Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo
de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15, dezembro de 1984.
FERREZ, Gilberto, O Álbum da Avenida Central de Marc Ferrez.
Um Documento Fotográfico da Construção da Avenida Rio Branco. Rio de
Janeiro, 1903 – 1906, São Paulo, João
Fortes Engenharia/Editora Exlibris Ltda., p. 186 – 189, 1982.
LAFFOREST, Roger, Casas
que Matam, citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória,
Maldições antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de
Comunicação Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,
fevereiro de 1979.
SIDGWICK, Eleanor, citada
por DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, p. 07 – 08.
SOLARES e supertições.
Revista da Semana, Rio de Janeiro, Cia Editora Americana, ano 47, número 35, p.
48 – 51, 31 de agosto de 1946.
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