quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O Palacete Azul da Tijuca. CASO REAL!


“A literatura ganhou muitas páginas inspiradas em lendas e tradições sobre casas mal assombradas, onde se ouviam conversas de personagens há muito desaparecidos, gemidos de encarcerados que não se encontravam jamais, ruídos de talheres, de correntes arrastadas, enfim mil e uma sugestões sobrenaturais que faziam arrepiar os cabelos aos mais corajosos.”.
 Em 31 de agosto de 1946, a “Revista da Semana” trazia matéria intitulada: “Solares e Supertições” reportando a demolição do Palacete Azul da Tijuca, á Rua Haddock Lobo, em torno do qual corriam “histórias fantásticas de causas sobrenaturais” como frisava a reportagem. Existiria a lenda de um noivado desfeito que teria levando ao abandono da residência onde o casal viveria. A história destes jovens noivos delineava um drama com final trágico, pois dias antes do casamento, a noiva teria fugido com outro homem. Magoado e profundamente deprimido, o noivo seguiu á casa, onde esperava encontrar a felicidade com sua amada, e cometeu suicido. Assim, sepultado sem os ofícios religiosos por ser um suicida, o espírito do jovem teria se tornado uma alma penada á espera da sua redenção. Ouviam-se lamentos, ruídos de pés se arrastando, palmas e batidas por toda a casa fazendo com que ninguém conseguisse viver no palacete por muito tempo, criando uma lenda com tal força que as pessoas até evitavam passar na sua calçada á noite com medo do fantasma do noivo suicida. Como o lugar ficou com fama de mal assombrado, sua proprietária, Rita Isabel da Costa, não conseguia locatário disposto a ocupá-lo e acabou vendendo o palacete á uma firma (diziam, por uma pechincha) para se livrar do imóvel amaldiçoado e nunca mais quis tocar no assunto. O solar foi demolido e construíram o galpão de uma metalúrgica no local.
A reportagem procurou saber a veracidade daquela história, mas as informações eram contraditórias e imprecisas. Alguns diziam que as famílias dos noivos tinham muita influência e conseguiram abafar o caso.  
A informação mais segura, é que o palacete teria sido construído por uma pessoa muito popular no Rio de janeiro na virada dos séculos XIX e XX, conhecido por Machado Sujo, (apelido?) que teria enriquecido “á custa do seu trabalho numa profissão modesta”. Contudo, a matéria não explica qual seria a atividade que lhe proporcionou recursos para a construção do suntuoso solar.
Seu estilo era Eclético com detalhes neoclássicos, cuja colunata que adornava sua entrada principal teria sido originalmente encomendada pela Prefeitura do Rio de Janeiro para as obras do Theatro Municipal, por ocasião da abertura da Avenida Central em 1903 (Construção á cargo da Comissão Construtora do Theatro Municipal). Eram feitas em mármore de Carrara e possuíam capitéis em estilo compósito de bronze, mas a razão de não serem utilizadas no teatro também era contraditória: uma versão, é que a firma italiana que as produziu demorou a concluí-las, e como haveria um prazo para o término da obra, a Prefeitura encomendou-as á outra firma. A segunda versão, é que foram produzidas menores do que deveriam, e não puderam ser usadas. O fato é que acabaram arrematadas por Machado Sujo, e emprestavam ao “Palacete Azul” um aspecto bastante imponente. 
 Mas nada disso impediu sua demolição em 1946, e, como era costume, alguns operários pernoitaram no prédio, sem dar crédito às histórias de fantasmas. Porém, á meia noite começaram os barulhos de pés se arrastando, palmas, lamentos e batidas sem que se descobrisse o que as provocava. Assustados, os operários saíram correndo do solar e na manhã seguinte queixaram-se ao empreiteiro, recusando-se a dormir dentro da casa assombrada.  O chefe zombou da covardia de seus empregados e, para provar que era tudo imaginação, decidiu pernoitar na casa. Assim o fez, e á meia noite, começaram os barulhos misteriosos. Ele não podia dar sinais que estava com medo, assim se muniu de coragem, reuniu alguns homens e começaram a andar pela casa á procura do “fantasma”, vasculhando cada cômodo, sem nada encontrar. Por fim, subiram uma escada chegando a um quarto de onde parecia vir os barulhos, e ao abrir sua porta quase saíram correndo ante a revoada de um bando de corujas que estaria usando-o como moradia. A matéria diz: “Os homens se entreolharam por alguns segundos e depois deixaram-se empolgar pelo riso orgulhoso da coragem.”
Apesar do tom cético, a reportagem não deixava claro se os ruídos terminaram após a descoberta do ninho de corujas que, no entanto, forneceu uma explicação plausível capaz de dar fim a história do fantasma.
 Se bem que havia um, porém: se era apenas isto, porque a proprietária não deu jeito de espantar as aves para alugar a casa, preferindo vendê-la?  
“A picareta destrói uma lenda” sentenciava a reportagem, concluindo que, dificilmente, os fantasmas do Palacete Azul estariam inclinados a conviverem com dínamos, tornos e cilindros de oxigênio, porque assombrações gostam de silêncio e solidão. Será?
Embora publicado numa revista semanal de variedades, onde sobressairia certo ceticismo em ralação ao sobrenatural, poderíamos fazer algumas considerações: a mais obvia, é que realmente a lenda poderia se apoiar em fenômenos naturais. É sabido que o madeiramento estrutural das casas antigas tende a expandir ao calor do dia, e retrair à diminuição da temperatura á noite. Lembrando que estamos falando de um imóvel no Rio de Janeiro e suas altas temperaturas. Esse movimento de expansão e retração produz estalos e toques, que, uma mente sugestionada ao sobrenatural poderia interpretar como algo do além, assim como ruídos produzidos por animais noturnos.
No ramo da parapsicologia, os fenômenos do Palacete azul se enquadrariam no que foi nomeado pela Igreja Católica como: “spiritus percutiens” ou “espíritos batedores”.  A jornalista e parapsicóloga Elsie Dubugras (São Paulo, 1904 – 2006) afirmava que, a partir dos estudos de vários pesquisadores do tema, seria possível classificar os casos de fantasmas em quatro categorias: efeitos auditivos; efeitos visuais; efeitos sensoriais e fenômenos objetivos e subjetivos. O pesquisador Roger Laffororest (Paris, 1905 – 1998) em sua obra “Casas que Matam”, afirmava que locais onde ocorreram tragédias, assassinatos e acidentes com vitimas fatais se tornariam “locais maléficos”. No caso do Palacete Azul, o suicídio poderia ter trazido uma espécie de maldição, que seria na verdade um “vórtice de energias” atuando no espaço trazendo a “corporificação” capaz de evocar efeitos auditivos. Ou seja, as casas “assombradas” atuariam como caixas de ressonâncias das energias desprendidas pelo sofrimento, ódio, ira que se impregnaria nas suas paredes, e se manifestaria à presença de um agente, ou médium, capaz de materializar imagens, sons, cheiros etc. Anteriormente, a pesquisadora Eleanor Sidgwick (Reino Unido, 1845 – 1936) já havia atribuído tais fenômenos ás expectativas deste agente, o que eliminaria a possibilidade da presença de espíritos de pessoas falecidas como vetores destes fenômenos. Contudo, Sidgwick reconhecia que seria prematuro fazer afirmações conclusivas, mas apenas elaborar hipóteses provisórias a respeito destes fenômenos sobrenaturais porque existiriam muitos casos que escapariam ás explicações meramente científicas.  
Seria preciso uma pesquisa mais profunda para verificar se os fenômenos auditivos continuaram nas oficinas da metalúrgica ou desapareceram com o final da “caixa de ressonância” do Palacete Azul, indicando, conforme a reportagem, que o fantasma poderia ter saído á procura de um local mais tranquilo para assombrar.

Referências bibliográficas:
DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 05 – 09,  dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15,  dezembro de 1984.
FERREZ, Gilberto, O Álbum da Avenida Central de Marc Ferrez. Um Documento Fotográfico da Construção da Avenida Rio Branco. Rio de Janeiro, 1903 – 1906,  São Paulo, João Fortes Engenharia/Editora Exlibris Ltda., p. 186 – 189, 1982. 
LAFFOREST, Roger, Casas que Matam, citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,  fevereiro de 1979.
SIDGWICK, Eleanor, citada por DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley House, p. 07 – 08.
SOLARES e supertições. Revista da Semana, Rio de Janeiro, Cia Editora Americana, ano 47, número 35, p. 48 – 51,  31 de agosto de 1946.

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