terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

O FILHO PRÓDIGO. QUARTO CAPÍTULO.


Continuação: O Filho Pródigo.
Quarto Capítulo: O Remake.

Ao conduzir novamente o carro ao set de filmagem na Praça do Riachuelo, Jonathan percebeu que iria ser mais difícil do que imaginou, pois seu corpo não estava tão sólido. Seus pés e mãos pareciam não tocar os comandos do carro com tanta firmeza, como se lhe faltasse o sentido do tato. O próprio Volks lhe pareceu etéreo e com leve transparência, chegando a ser difícil conduzi-lo. Então escutou a voz de Isaque: - Desista! Não há como modificar a história que já aconteceu!
Ele respondeu. – Como não se ela já foi alterada uma vez?
Isaque riu: - Você acha mesmo que conseguirá? Eu posso perceber sua fraqueza, irmãozinho! Durante todos esses anos o que te derrubou foi exatamente a sensação de fracasso que lhe acompanha! Estou mentindo?
 Jonathan respondeu: - Aposto que você conhece o fracasso e a derrota bem de perto!... Basta ver a casa imunda e sua aparência!... Se te visse na rua, acharia que é um mendigo! Sabia que fede a cigarro e ce-cê? – riso: - Os parentes diziam que você não gostava de tomar banho! 
- São uns imbecis derrotados como você!
 Jonathan ia responder, mas precisou frear para não avançar o sinal. Isaque gargalhou: - Ih; eu acho que o ator shakespereano perdeu a marcação!
Agarrado ao volante, ele olhou em torno, aflito: a visão externa tornou-se turva como uma cena desfocada.
– Ah, ah, ah!... Admiro sua teimosia irmãozinho, mas, como se diz: não vai rolar; esta vida é minha! Você conseguiu viver trinta e cinco anos, aliás,... Conseguiu roubar-me a minha vida, e pensou que não ia ter troco?
- Eu não roubei nada seu Isaque, o que está querendo dizer?
- Que você roubou meu lugar na família!... Eu fiquei na espreita, á espera da revanche. E você não vai me roubar a vida de novo!
Jonathan pensou um pouco e disparou: - Ah, já entendi sua jogada Isaque! Está tentando me distrair para que eu perca o foco. Mas agora sou eu que digo: não vai rolar! – fechou os olhos com força. – Saia da minha cabeça! Eu não te ouço mais,... Não te ouço mais! - olhou o relógio: - Quatorze horas e cinco!... Esse babaca me fez perder tempo. Mas eu vou conseguir! - munido de uma força extra, Jonathan tomou o comando do carro e mesmo com dificuldades, conseguiu seguir.

Ao chegar á Praça do Riachuelo, sentia imenso peso no corpo e viu a repetição de tudo: Ramone se aproximando satisfeito: - Meu querido Jonathan! – abraçou-o. – E aí, já acostumou com o jeito do carango?
- Sem mistério! Tem motor, rodas e volante igual aos outros!
- Este é o espírito. Gostei! – falou Ramone alisando o capô do carro. Era incrível, pois as falas pareciam roteiros já encenados. No camarim improvisado, nova sensação de estranhamento no toque da cabeleireira ao lhe colocar a peruca, e ao final ele repetiu o refrão da canção “All be there” em falsete, imitando Michael Jackson. Era assustador, mas instigante.
Logo estava novamente dentro do Volks na formação que devia seguir pela Avenida Getúlio Vargas. A sensação de desmaio continuava, assim focou seu olhar nas quatro lanternas traseiras do Chevrolet Comodoro que seguiria adiante, mantendo as mesmas distâncias e velocidades, lembrando que antes se sentiu como um viajante no tempo. Mal sabia ele que realmente faria aquela viagem! Então lhe ocorreu algo: se o motorista do Comodoro estivesse também o observando pelo retrovisor, guardando certa distância para não perder a formação dos veículos, ele estaria interagindo com Jonathan sem ter noção de que estava repetindo uma ação, porque para ele não seria repetição de nada. Era Cada vez mais assustador!
Aquela etapa foi concluída com sucesso e conseguiu repetir tudo, senão com absolutíssima precisão, mas o mais próximo possível, e ele tinha noção da estreiteza deste parâmetro.
Então veio a filmagem da atriz e do ator mirim entrando no taxi. Aquela atriz estaria interpretando sua tia Eudóxia, e isto lhe causou uma espécie de saudade de algo totalmente perdido. Lembrou-se nas histórias familiares da tia falecida, definida como uma mulher solitária e muito solicita ao carinho familiar; a mesma que entrou no seu carro, ás turras com seu sobrinho Isaque. Aquela era a parte triste: a perda de algo que jamais lhe pertenceu e nunca pertenceria. Contudo, era preciso focar no objetivo daquela aventura: salvar sua pele! Em instantes ouviu a recomendação que parasse adiante para os atores descerem, indicando que estaria perto do momento da abertura da dobra do tempo. Isaque zombou da sua certeza de que conseguiria novamente. E se ele tivesse razão? Mas agora não havia outro caminho senão adiante. A voz no ponto eletrônico assinalou que ele seguisse; era agora!
Jonathan seguiu na mais absoluta tensão e atento á tudo. Então sentiu o breve ofuscamento pela reflexão da luz solar no para brisa de um carro no sentido contrário; abaixou o para sol e percebeu um leve solavanco do carro no asfalto de 1978. Ele conseguiu! Olhou em torno e viu vários carros antigos – que na verdade eram novos! – pessoas trajando roupas de época – daquela época! - e era espantoso. Mas havia algo muito estranho, pois estavam todos estáticos, parados como se fossem estátuas, ou num “pause” de um vídeo sem qualquer som. Inclusive, o Volks 1600. – Mas,... O que deu errado? – assustou-se. Então viu alguém se aproximando da frente do carro; era Isaque: - Como você veio parar aqui?... Como? – perguntou.
 Ele parou, abriu os braços e disse: - Desista Jonathan!... Não prossiga!
- Saia da minha frente! – ordenou.
- Eu te peço, me dê uma nova chance!... Você está certo! A verdade é que você nunca foi um fracassado,... Com você a mamãe viveu,... Comigo; morreu. O derrotado sou eu! Por isto eu te peço uma nova chance!
- Chance de quê? Como você espera corrigir aquilo que já está feito?... Ah como eu desejei que você não tivesse morrido Isaque,... Como sonhei em ter meu irmão mais velho, vivo, e não ver toda a dor e saudade da mamãe por você! Eu juro que faria qualquer coisa para poupá-la disto. – vieram lágrimas aos seus olhos: - Mas se você viver, eu desapareço. Não era este o plano?
- Jonathan,... Não está nada feito; a dobra do tempo ainda está aberta e a história pode ser mudada, mas não sabemos de que modo. Não temos o absoluto poder de mudar o futuro, que será imprevisível!... Dê-me uma nova chance!
- Só um de nós terá nova chance,... E serei eu! – Subitamente tudo se pôs em movimento: o Volks, o transito de pessoas e veículos e os sons. Isaque havia sumido. Jonathan segurou o volante, e o toque era firme sem a sensação etérea de um sonho. A roda do tempo voltou a girar.
Mas não havia tempo para divagações.  Um pouco mais adiante pode ver o Ford Landau prateado seguindo, e era importante sinalizador de que estava conseguindo repetir a sequência. Um pouco á frente, o posto de gasolina “Shell”, que não era caracterização dos anos 1970, porque era realmente dos anos 1970!
Mas ainda havia algo estranho: não sentia a peruca pinicando sua cabeça, e nem seu cabelo. Olhou seus braços, e vestia camisa estampada de mangas compridas com punhos abotoados; cadê a camisa “baby look” marrom? Então conseguiu enxergar pelo retrovisor interno a parte direita da cabeça do motorista do Volks: parecia mais velho, calvo e grisalho. Como poderia se era Jonathan ao volante? Então, por algum motivo, por reencarnação ou o que seja ele realmente teria sido aquele homem numa outra dimensão,... E agora era ele novamente?
Ao entrar na Rua Marechal Deodoro de outro tempo, olhou seu relógio: marcava quinze horas e vinte e três minutos. Estava errado, porque naquele ponto ele deveria marcar quinze e vinte um minuto, e aquele atraso poderia fazê-lo perder o encontro da sua tia e seu irmão na esquina. Estaria tudo a perder por dois minutos! Tentando conter o pânico que lhe invadiu, Jonathan acelerou o taxi para compensar o atraso e entrou na Avenida Getúlio Vargas numa velocidade mais alta, perdendo o timing da história e na pista da esquerda. Já enxergava a esquina com a Rua São João e pôde ver pelo retrovisor o Ford Maverick preto que iria atropelar sua tia e irmão; o que ele tinha que fazer era conservar sua esquerda dando espaço ao carro preto á direita, que vinha em velocidade na direção da esquina. Então viu as silhuetas de sua tia e Isaque sob a marquise.
 Subitamente veio a terrível sensação que estava prestes a ser cúmplice de um crime! Sim, ele sabia daquele desfecho e pensou no sofrimento que viu no rosto de sua mãe por trinta e cinco anos. Então, sem pensar duas vezes, virou rápido o volante do Volks á direita...


Continua!


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