Continuação: O Filho Pródigo.
Quarto
Capítulo: O Remake.
Ao
conduzir novamente o carro ao set de filmagem na Praça do Riachuelo, Jonathan
percebeu que iria ser mais difícil do que imaginou, pois seu corpo não estava
tão sólido. Seus pés e mãos pareciam não tocar os comandos do carro com tanta
firmeza, como se lhe faltasse o sentido do tato. O próprio Volks lhe pareceu
etéreo e com leve transparência, chegando a ser difícil conduzi-lo. Então
escutou a voz de Isaque: - Desista! Não há como modificar a história que já
aconteceu!
Ele
respondeu. – Como não se ela já foi alterada uma vez?
Isaque
riu: - Você acha mesmo que conseguirá? Eu posso perceber sua fraqueza,
irmãozinho! Durante todos esses anos o que te derrubou foi exatamente a
sensação de fracasso que lhe acompanha! Estou mentindo?
Jonathan respondeu: - Aposto que você conhece
o fracasso e a derrota bem de perto!... Basta ver a casa imunda e sua
aparência!... Se te visse na rua, acharia que é um mendigo! Sabia que fede a
cigarro e ce-cê? – riso: - Os parentes diziam que você não gostava de tomar
banho!
-
São uns imbecis derrotados como você!
Jonathan ia responder, mas precisou frear para
não avançar o sinal. Isaque gargalhou: - Ih; eu acho que o ator shakespereano
perdeu a marcação!
Agarrado
ao volante, ele olhou em torno, aflito: a visão externa tornou-se turva como
uma cena desfocada.
–
Ah, ah, ah!... Admiro sua teimosia irmãozinho, mas, como se diz: não vai rolar;
esta vida é minha! Você conseguiu viver trinta e cinco anos, aliás,...
Conseguiu roubar-me a minha vida, e pensou que não ia ter troco?
-
Eu não roubei nada seu Isaque, o que está querendo dizer?
-
Que você roubou meu lugar na família!... Eu fiquei na espreita, á espera da
revanche. E você não vai me roubar a vida de novo!
Jonathan
pensou um pouco e disparou: - Ah, já entendi sua jogada Isaque! Está tentando
me distrair para que eu perca o foco. Mas agora sou eu que digo: não vai rolar!
– fechou os olhos com força. – Saia da minha cabeça! Eu não te ouço mais,...
Não te ouço mais! - olhou o relógio: - Quatorze horas e cinco!... Esse babaca me
fez perder tempo. Mas eu vou conseguir! - munido de uma força extra, Jonathan
tomou o comando do carro e mesmo com dificuldades, conseguiu seguir.
Ao
chegar á Praça do Riachuelo, sentia imenso peso no corpo e viu a repetição de
tudo: Ramone se aproximando satisfeito: - Meu
querido Jonathan! – abraçou-o. – E aí, já acostumou com o jeito do carango?
- Sem mistério! Tem motor, rodas e
volante igual aos outros!
- Este é o espírito. Gostei! –
falou Ramone alisando o capô do carro. Era incrível, pois as
falas pareciam roteiros já encenados. No camarim improvisado, nova sensação de
estranhamento no toque da cabeleireira ao lhe colocar a peruca, e ao final ele
repetiu o refrão da canção “All be there” em falsete, imitando Michael Jackson.
Era assustador, mas instigante.
Logo
estava novamente dentro do Volks na formação que devia seguir pela Avenida
Getúlio Vargas. A sensação de desmaio continuava, assim focou seu olhar nas
quatro lanternas traseiras do Chevrolet Comodoro que seguiria adiante, mantendo
as mesmas distâncias e velocidades, lembrando que antes se sentiu como um
viajante no tempo. Mal sabia ele que realmente faria aquela viagem! Então lhe
ocorreu algo: se o motorista do Comodoro estivesse também o observando pelo
retrovisor, guardando certa distância para não perder a formação dos veículos,
ele estaria interagindo com Jonathan sem ter noção de que estava repetindo uma
ação, porque para ele não seria repetição de nada. Era Cada vez mais
assustador!
Aquela
etapa foi concluída com sucesso e conseguiu repetir tudo, senão com
absolutíssima precisão, mas o mais próximo possível, e ele tinha noção da
estreiteza deste parâmetro.
Então
veio a filmagem da atriz e do ator mirim entrando no taxi. Aquela atriz estaria
interpretando sua tia Eudóxia, e isto lhe causou uma espécie de saudade de algo
totalmente perdido. Lembrou-se nas histórias familiares da tia falecida,
definida como uma mulher solitária e muito solicita ao carinho familiar; a
mesma que entrou no seu carro, ás turras com seu sobrinho Isaque. Aquela era a
parte triste: a perda de algo que jamais lhe pertenceu e nunca pertenceria. Contudo,
era preciso focar no objetivo daquela aventura: salvar sua pele! Em instantes
ouviu a recomendação que parasse adiante para os atores descerem, indicando que
estaria perto do momento da abertura da dobra do tempo. Isaque zombou da sua
certeza de que conseguiria novamente. E se ele tivesse razão? Mas agora não
havia outro caminho senão adiante. A voz no ponto eletrônico assinalou que ele
seguisse; era agora!
Jonathan
seguiu na mais absoluta tensão e atento á tudo. Então sentiu o breve
ofuscamento pela reflexão da luz solar no para brisa de um carro no sentido
contrário; abaixou o para sol e percebeu um leve solavanco do carro no asfalto
de 1978. Ele conseguiu! Olhou em torno e viu vários carros antigos – que na
verdade eram novos! – pessoas trajando roupas de época – daquela época! - e era
espantoso. Mas havia algo muito estranho, pois estavam todos estáticos, parados
como se fossem estátuas, ou num “pause” de um vídeo sem qualquer som. Inclusive,
o Volks 1600. – Mas,... O que deu errado? – assustou-se. Então viu alguém se
aproximando da frente do carro; era Isaque: - Como você veio parar aqui?...
Como? – perguntou.
Ele parou, abriu os braços e disse: - Desista
Jonathan!... Não prossiga!
-
Saia da minha frente! – ordenou.
-
Eu te peço, me dê uma nova chance!... Você está certo! A verdade é que você
nunca foi um fracassado,... Com você a mamãe viveu,... Comigo; morreu. O
derrotado sou eu! Por isto eu te peço uma nova chance!
-
Chance de quê? Como você espera corrigir aquilo que já está feito?... Ah como
eu desejei que você não tivesse morrido Isaque,... Como sonhei em ter meu irmão
mais velho, vivo, e não ver toda a dor e saudade da mamãe por você! Eu juro que
faria qualquer coisa para poupá-la disto. – vieram lágrimas aos seus olhos: -
Mas se você viver, eu desapareço. Não era este o plano?
-
Jonathan,... Não está nada feito; a dobra do tempo ainda está aberta e a história
pode ser mudada, mas não sabemos de que modo. Não temos o absoluto poder de
mudar o futuro, que será imprevisível!... Dê-me uma nova chance!
-
Só um de nós terá nova chance,... E serei eu! – Subitamente tudo se pôs em
movimento: o Volks, o transito de pessoas e veículos e os sons. Isaque havia
sumido. Jonathan segurou o volante, e o toque era firme sem a sensação etérea
de um sonho. A roda do tempo voltou a girar.
Mas
não havia tempo para divagações. Um pouco
mais adiante pode ver o Ford Landau prateado seguindo, e era importante
sinalizador de que estava conseguindo repetir a sequência. Um pouco á frente, o
posto de gasolina “Shell”, que não era caracterização dos anos 1970, porque era
realmente dos anos 1970!
Mas
ainda havia algo estranho: não sentia a peruca pinicando sua cabeça, e nem seu
cabelo. Olhou seus braços, e vestia camisa estampada de mangas compridas com
punhos abotoados; cadê a camisa “baby look” marrom? Então conseguiu enxergar
pelo retrovisor interno a parte direita da cabeça do motorista do Volks:
parecia mais velho, calvo e grisalho. Como poderia se era Jonathan ao volante?
Então, por algum motivo, por reencarnação ou o que seja ele realmente teria
sido aquele homem numa outra dimensão,... E agora era ele novamente?
Ao
entrar na Rua Marechal Deodoro de outro tempo, olhou seu relógio: marcava
quinze horas e vinte e três minutos. Estava errado, porque naquele ponto ele
deveria marcar quinze e vinte um minuto, e aquele atraso poderia fazê-lo perder
o encontro da sua tia e seu irmão na esquina. Estaria tudo a perder por dois
minutos! Tentando conter o pânico que lhe invadiu, Jonathan acelerou o taxi
para compensar o atraso e entrou na Avenida Getúlio Vargas numa velocidade mais
alta, perdendo o timing da história e na pista da esquerda. Já enxergava a
esquina com a Rua São João e pôde ver pelo retrovisor o Ford Maverick preto que
iria atropelar sua tia e irmão; o que ele tinha que fazer era conservar sua
esquerda dando espaço ao carro preto á direita, que vinha em velocidade na
direção da esquina. Então viu as silhuetas de sua tia e Isaque sob a marquise.
Subitamente veio a terrível sensação que
estava prestes a ser cúmplice de um crime! Sim, ele sabia daquele desfecho e
pensou no sofrimento que viu no rosto de sua mãe por trinta e cinco anos.
Então, sem pensar duas vezes, virou rápido o volante do Volks á direita...
Continua!
Quero mais...
ResponderExcluirNão acredito que ele vá abrir mão da vida pelo irmão?!
Acredite! Decisões nem sempre são sensatas, mas necessárias!
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