No
século V a Gália, na região a
oeste do baixo Reno,
era habitada pelos povos “Francos” em tribos e reinos cada qual com seu
soberano. Numa delas havia um menino príncipe que se chamava Clóvis. Todos os
anos ocorriam festejos populares durante três dias quando os habitantes saiam a
brincar e dançar nas ruas cantando músicas alegres, com desfiles de carroças e
carruagens enfeitadas. Todos podiam participar desses festejos; menos o pequeno
Clóvis, que ao solicitar permissão ao seu pai, o rei Quilderico, recebeu uma
negativa:
–
Não! É arriscado demais meu filho. Lembra-te que tu serás o futuro soberano
deste reino. Assim, tua vida é preciosa demais para correres riscos. Tu
entendes?
–
Decerto papai. Tenho ciência disto! – respondeu resignado, e saiu em direção
aos aposentos reais. Mas mesmo de lá, ele podia ouvir as músicas, os risos e a
alegria dos seus vassalos nas brincadeiras alegres daquele festejo; então abaixava
a cabeça e lágrimas lhe rolavam á face.
Os anos passavam e sempre naquela época
o jovem príncipe se recolhia aos seus aposentos em silêncio, aparecendo apenas
nas ocasiões onde sua presença era indispensável.
- Isto me dilacera o coração! – falava a
rainha, que se chamava Basina. – Até temo que ele adoeça.
- E tu pensas que não fico com o peito
aos pedaços ao ver nosso filho nesta tristeza durante os três dias de festa? – respondeu
o rei, ao que a rainha perguntou: – E se o mandássemos á algum ligar onde não
haja este festejo? Talvez á um monastério.
- Acho pior! Conhecendo a firmeza do seu
espírito, ele pode achar que o consideramos um fraco! – se levantou do trono. –
Tomei uma decisão: todos os anos alguns súditos e uns tantos vassalos reclamam
da confusão e da balbúrdia desses três dias; e isto me dá respaldo para abolir
esta festa por decreto real!
- Por Deus; isto é mesmo necessário? –
perguntou a rainha.
- Eu não vejo outra saída: vou convocar
os conselheiros para decidirmos acabar
com estes festejos!
Uma das aias do castelo, de nome Anne,
ouvia a conversa e não se conteve: - Majestade! – o rei e a rainha a olharam. –
Perdão pela ousadia; mas peço licença para dar minha humilde opinião.
O rei lhe lançou um olhar frio e disse: -
Em que mundo nós estamos onde uma reles aia se intromete nos assuntos reais?
A rainha sugeriu: - Vamos ouvi-la! Que
mal pode fazer?
Quilderico se aproximou de Anne dizendo:
- Está bem! Se mademoiselle já foi ousada para nos interromper, que sejas mais
ainda e nos dê sua a opinião!
Anne engoliu a seco na certeza de estar
a um passo do calabouço, mas respondeu.
- Majestades: Com todo respeito, eu não
acho isto justo. Este é um festejo aguardado por todos, e há alguns que até se
preparam por todo ano, tecendo fantasias com ricos bordados; elaborando
enfeites e alegorias para suas carroças e cavalos! – temerosa, ela se
aproximou. – Muito respeitosamente, é claro: eu sei que alguns nobres da corte
participam dos festejos disfarçados com fantasias iguais aos vassalos!
A rainha levou os dedos aos lábios num
riso contido enquanto o rei encarou Anne ao dizer: - Por acaso me tomas por um
tonto que não saiba que até meus ministros saem para os festejos com as faces
ocultas em máscaras para não serem reconhecidos?
Com coragem ela argumentou: - Majestade;
é exatamente isto que estou querendo dizer: por que o príncipe não poderia
fazer o mesmo? Poderíamos confeccionar uma fantasia com uma máscara que lhe
cubra todo o rosto e cabeça. E para que o príncipe não saia sozinho do castelo
sem proteção, o que seria um perigo, poderiam ir alguns guardas, também
fantasiados para que ninguém veja que são seus guardiões!
- Chega! – interrompeu o rei: - Não
posso permitir tamanha temeridade! Se os súditos descobrirem, será uma
vergonha!
A rainha interviu: - Vamos pensar bem:
isto pode ser uma boa ideia!
- Como assim, Basina?
- Nosso filho será o futuro soberano
deste reino; não achas que seria uma maneira dele ter contato com nossos
vassalos, conhecendo-os melhor? E qual ocasião poderia ser mais propícia do que
um festejo onde todos saem mascarados? Ele seria apenas mais um aldeão
brincando junto á outros.
- Não tens medo que ele acabe se
traindo, e revelando sua identidade real? – questionou o rei.
- Ora Quilderico; tu tomas nosso filho
por um parvo? Tenho certeza que ele saberá ocultar sua identidade.
O rei colocou o indicador sobre os
lábios numa atitude pensativa quando Anne se aproximou:
- Perdão Majestade, mas, para ajudar o
príncipe a resguardar sua identidade, eu poderia acompanhá-lo, também
disfarçada, como se fosse uma irmã mais velha.
Ele a encarou mais de perto e perguntou:
- Mademoiselle não estaria querendo servir-se deste estratagema para poder cair
na folia também?
Anne respondeu: - Com todo respeito,
Majestade: mas se eu fosse convocada para esta missão, garanto que a cumpriria
com toda bravura!
O rei abriu os braços e disse: - Estou
vendo que há um complô de mulheres neste castelo! – olhou adiante: - E tu,
Clóvis; podes sair de trás da cortina que estou vendo teus pés!
O jovem saiu de trás dos panos e se
aproximou. Quiderico falou: - Então, foi tu o mentor desta encenação, meu
filho?
- Sim papai.
- E ainda enredou tua mãe e esta aia
nesta farsa?
- Mamãe sim,... A aia eu a obriguei.
Anne retrucou: - Não majestade,... Eu
fiz por minha própria vontade.
O rei sorriu e disse: - É, meu filho. És
astuto na busca pelo que queres, e isto demonstra que tu és estrategista, o que
é bom para um futuro soberano. Está bem. Tu sairás nos festejos, guardado por
um séquito de guardas, também disfarçados. - olhou novamente Anne: -
Mademoiselle: vá pensando numa fantasia para o príncipe!
- Sim, Majestade. – respondeu.
– E confeccione um disfarce para tu
também; foi ousada e se arriscou ao calabouço para auxiliar o príncipe. Assim,
não creio que haverá irmã mais fiel para reforçar o disfarce!
Anne sorriu e olhou de leve para o
príncipe, que retribuiu o sorriso.
Assim
produziram uma fantasia sem tecidos caros ou joias, iguais aos garotos aldeões;
e também para Anne e aos guardas mais fiéis, porque devia ser um segredo para
toda a corte.
Fantasiado, o príncipe Clóvis se
divertiu como nunca: brincou; dançou; comeu as comidas e bebeu as bebidas
preferidas por seu povo, e até cantou canções que debochavam da corte! Depois
retornava ao castelo com um largo sorriso; exausto, mas feliz. O rei ficou tão
grato que concedeu a Anne um título de nobreza: Baronesa Colombina!
Porém, depois de algum tempo começaram a
desconfiar que o próprio príncipe Clóvis comparecesse á festividade disfarçado
de tal modo que era impossível reconhecê-lo. Assim, se todo garoto fantasiado
de “Clóvis” poderia ser o príncipe, todos deveriam ser tratados como príncipes
durante os três dias da folia!
Tempos depois Clóvis chegou ao trono na
idade de quinze anos, tornando-se um dos reis mais importantes da história. Seu
reinado se iniciou no ano de 493 e terminou no ano de 511 da era Medieval.
O Rei Clóvis I existiu de verdade, e sob
seu reinado ocorreu á reunião de todas as tribos Francas com um único
governante, ou um só rei. Isto é considerada a fundação da França, como Estado.
Foi também o primeiro rei bárbaro á se converter ao Cristianismo e á Igreja
Católica, isto por estímulo de sua esposa, Clotilde da Borgonha.
Há algumas lendas que falam que o rei
Clóvis saía disfarçado nos festejos populares para saber o que o povo pensava.
Pode ser. Quanto á Baronesa Colombina, não há qualquer indicação da sua
existência!... Mas não é para isto que servem as licenças poéticas?
FIM.
Legal
ResponderExcluirobrigado. Baseado em fatos reais!!!
ResponderExcluirMuito bacana!!!
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