quarta-feira, 15 de abril de 2020

JAMPA


CONTINUAÇÃO:


QUINTO CAPÍTULO: TRAMAS.


No dia seguinte Teca retornou á João Pessoa escoltada por policiais e foi encaminhada á carceragem enquanto aguardaria decisão do juiz sobre o habeas corpus impetrado pelo defensor público que a acompanhava. Mais uma notícia pesada para Tom, que já estava até se acostumando com esta rotina de sustos, mas era preciso prosseguir.
Ele chegou ao prédio da Décima Segunda Delegacia se apresentando como sendo vizinho da detenta e foi levado á uma sala pequena pintada de verde escuro com uma mesinha e duas cadeiras. Em minutos a porta se abriu, Teca entrou e o abraçou, mas Tom evitou chamá-la pelo apelido. – Celeste, eu preciso que você me conte exatamente o que aconteceu naquele dia! Tudo,... Sem omitir nada!
- Certo! Eu tinha tomado a decisão de ir viver noutro lugar e deixar a casa todinha para a Ciça, e disse que concordava com tudo e assim que chegássemos á Juiz de Fora eu juntaria minhas coisas e iria viver na casa que tinha ficado para mim na partilha.  Eu pensei que ao dizer isto, encerrariam as discussões, mas piorou porque Ciça começou a me acusar de ter ficado todos esses anos na casa apenas de pirraça e por isso tinha perdido o grande amor da vida dela!
Tom fez uma expressão de espanto. Teca notou e explicou: - Ciça teve um romance com um homem chamado Marlon, que se dizia advogado e estava a induzindo á vender as propriedades para pôr o dinheiro em investimentos que ele indicava. Eu era adolescente, mas não era boba e saquei que era cilada e tentei alertar a Ciça, que ficou furiosa e me bateu. Eu gritei por socorro e acabei chamando a atenção dos vizinhos, que se indignaram! A coisa acabou chegando á Justiça e eu pedi que a Ciça não fosse mais minha tutora. Teve processo na Vara da Infância e Adolescência, que não deu em nada além de uma advertência do juiz pela agressão. Marlon viu que podia sobrar para o lado dele e desapareceu da vida da Ciça, que passou á me culpar por isso, fazendo da nossa vida naquela casa um inferno que eu estava disposta a encerrar naquele dia! Só que ela parecia querer uma espécie de ressarcimento do tempo que passou e veio para cima de mim tentando me bater e me segurou pelos braços! Olhe. – arregaçou as mangas do casaco mostrando marcas de unhadas. – Á certa hora, eu achei que ela ia me jogar no mar, mas o fecho da bolsa dela arrebentou e todos seus documentos e cartão de banco caíram no mar! Aí eu aproveitei para sair correndo de volta ao hotel; arrumei minhas coisas e fui para o aeroporto. Fiquei esperando o primeiro voo que saísse daqui! – apoiou o rosto com as mãos: - Eu nunca poderia imaginar que Ciça tivesse morrido na praia!
- Quando vocês conversaram, você falou que me encontrou aqui?
– Por que falaria? Não tem nenhuma relação com o caso, mas eu tenho certeza que Ciça estava aqui em João Pessoa com um homem; e tenho certeza que era o Marlon!
Surpreso Tom perguntou. – Por que você acha isto?
– Ciça não sabe ser discreta e quantas vezes eu não a peguei com conversinhas melosas ao telefone, e desligava assim que me via!  Eu não duvido que seja ele quem estava incitando Ciça a me pôr para fora da casa para poder se enfiar lá dentro!... Eu fui burra. Devia ter aceitado e caído fora!
Tom pensou. “Este homem era eu!”, Então o guarda abriu a porta dizendo que a visita terminou. Ela se levantou e abraçou Tom, sussurrando-lhe: – Não vou falar seu nome! - depois seguiu com o guarda.
Tom ia se retirando, mas veio outro guarda e interpelou-o, explicando que o delegado, doutor Peçanha, queria falar com ele.

Passaram por um corredor repleto de cadeiras, algumas com homens algemados esperando alguma coisa, e mulheres também á espera de alguma coisa, chegando á uma porta encardida com uma plaqueta: “Dr. José Raimundo Peçanha - delegado titular”.
Por trás uma sala cheia de arquivos, mapas da cidade nas paredes e retratos do governador do estado da Paraíba, do prefeito de João Pessoa e do presidente da República do Brasil, tendo algumas teias de aranhas como enfeites. O delegado era o mesmo homem baixo e atarracado que viu á entrada do hotel.
Tinha olhos verdes e cabelos crespos penteado para trás, e se levantou para recebê-lo.
- Senhor Rogério Mateus?
Tom corrigiu: - É Rogério Mattei, doutor Peçanha.
- Ah sim, desculpe, escreveram errado aqui. Sou o delegado titular desta delegacia, e de mais quatro pelo sertão, e estou encarregado da investigação deste caso. Sente-se, por favor! -Tom, que agora era Rogério, e se sentou.
- O doutor é policial em Minas; isto confere?
- Sim; eu sou policial civil na cidade de Juiz de Fora. – era estranho repetir aquilo que o delegado já devia saber.
- O doutor Mattei está fazendo turismo á Paraíba?
- Sim. Eu tive uma semana de folga e decidi conhecer a capital da Paraíba. Disseram-me que tem praias lindas e eu quis conferir.
- É verdade, nossa Jampa é muito bonita! O doutor veio sozinho?
- Sim. Estou viajando sozinho.
- Sozinho? – o delegado se mexeu pesadamente na cadeira, que rangia. – As duas irmãs são suas vizinhas,... Vocês combinaram esta viagem?
- Não! Foi uma coincidência.
- O doutor chegou a encontrar as duas aqui em Jampa, ou algum outro lugar na Paraíba?   
A intuição lhe disse para confirmar em parte. – Sim! Ontem eu encontrei a senhorita Celeste no calçadão em frente ao hotel em que estavam. Eu aluguei um buggy e parei ali para decidir aonde iria e ela me encontrou por acaso. Depois fomos á praia do Tambaú, ficamos conversando num quiosque e depois eu a deixei no seu hotel. – Rogério tinha a impressão que o delegado sabia disto. O que mais saberia?
- Ah sim. O doutor tem ideia da hora que foi isto?
Ele tentou dissimular: – Doutor Peçanha, lá em Minas eu vivo escravo do relógio. Aqui nem olho a hora, assim não posso precisar os horários, mas deve ter sido entre meio dia e duas da tarde.
- Não esquente! Então o senhor está cuidando do translado do corpo da morta até Minas?
- Sim. Eu soube do ocorrido e fiquei muito chocado. Ambas são vizinhas, nosso bairro é muito familiar e eu me senti na obrigação de ajudar. O meu superior, o delegado Malaquias, me orientou neste sentido.
- Sim, eu falei com ele. O senhor é um bom vizinho! - Rogério achou aquela declaração esquisita, e Peçanha prosseguiu: - Bem doutor Mattei, eu chamei o senhor aqui porque, na condição de vizinho das duas, gostaríamos de confirmar algumas informações passadas pela polícia de sua cidade. O senhor tem um tempinho para isto?
- Sim, claro!
- Obrigado; serei rápido! – ele apanhou um caderninho com anotações e perguntou. –A policia de Minas nos informou que as duas irmãs brigavam muito. Isto confere?
- Sim,... Elas tinham suas desavenças.
- Parece que era mais do que meras desavenças, até na justiça, e ainda tem outro complicador: o pivô desta encrenca foi um namorado da senhorita Cibele: um tal de Marlon Holembeck. A senhorita Celeste afirmou que este cabra estaria aqui em Jampa acompanhando a senhorita Cibele, escondido.  - Rogério até sentiu um frio no estômago. – Ela disse que seguiu a irmã de taxi até um lugar que tem uma igreja antiga cercada de casario, também antigo, mas não soube dizer onde é porque não perguntou ao motorista, e não prestou atenção no lugar.  Mostramos para ela algumas fotos de lugares assim em Jampa, mas ela não conseguiu identificar! – riso. – Igreja antiga com casario em volta é o que mais tem em João Pessoa e em todo o Nordeste!
Rogério resolveu fazer uma pergunta objetiva. – Doutor Peçanha; como delegado experiente, o que acha que aconteceu,... Sem julgar. Apenas sua opinião?  
Após uns instantes ele respondeu com firmeza. – Eu acho que, independente desse cabra estar aqui ou não; elas brigaram  e no calor da discussão uma quis empurrar a outra nas ondas do mar e quem ganhou a parada foi essa mulher que tá aí: a senhorita Celeste. O resto é tudo figuração. – sorriu. – São apenas impressões de um sertanejo do Crato que virou delegado de polícia na Paraíba! - Rogério ficou quieto pensando naquela sentença. - Bem doutor Mattei, eu queria ainda tomar um pouco mais do seu tempo. É possível?
- Sim doutor Peçanha; estou á disposição.
- Fico satisfeito ao ouvir isto! Como vai ficar difícil trazer os outros vizinhos para depor, eu queria que o doutor prestasse depoimento sobre a convivência beligerante das duas lá em Juiz de Fora. O doutor é policial e seu testemunho teria muito peso para nossa investigação sobre as possíveis razões desse crime. O doutor concordaria em fazer isto? O defensor público está no prédio e pode lhe acompanhar. 
Um arrepio lhe correu da nuca ao calcanhar, pois se fizesse isto, poderia complicar a situação de Teca, mas se não fizesse, ficaria muito estranho e poderia suscitar dúvidas sobre ele próprio. - E então doutor? Não vai tomar muito tempo; eu prometo!
Ele respondeu simulando firmeza. - Sim, sim, eu presto o depoimento!
- Muito obrigado doutor Mattei, eu sabia que podíamos contar com a colaboração de um colega da polícia! – e apanhou o telefone, chamando o defensor, o escrivão e duas testemunhas. Rogério pensou: “testemunhas da minha covardia”. Em instantes entraram o defensor público, o escrivão e as testemunhas. O teatro estava aberto.

Dois dias depois Rogério chegava á Juiz de Fora, e compareceu ao velório de Ciça, tendo que ouvir hipóteses das mais obtusas sobre o motivo do crime: de uso de drogas á um pacto de suicídio entre as duas irmãs ao qual Celeste não cumpriu sua parte.
Ele sublimou suas emoções o quanto pôde, mas na mesma tarde na delegacia numa conversa com o delegado Malaquias, não resistiu e contou tudo para aquele, que além de ser seu superior na hierarquia policial, era seu amigo.
- Por que Celeste não revelou seu nome?
- Disse que não seria relevante!... Eu estou tão triste e perdido.  Ah,... Se eu não tivesse incentivado Ciça a resolver as questões sobre a casa, talvez elas não tivessem brigado; agora estou me sentindo um canalha por ter deixado Teca sozinha numa cadeia em João Pessoa acusada de matar sua irmã. – abaixou a cabeça. – Estou com vontade de revelar que eu era o namorado de Ciça e que me relacionei com Teca só aquela vez; mas aconteceu!
- Você ficou doido Rogério? Eram querelas antigas entre as duas e você não teve culpa de nada! O tal de Holembeck que ela mencionou está preso á quatro anos em Belo Horizonte por estelionato e roubo e assim não poderia estar em João Pessoa para levar a culpa, mas se você revelar que estava com Cibele, sabe o que vai acontecer? Vai dar respaldo ao que a Celeste falou sobre um homem estar com a irmã lá! Você disse que ficou hospedado numa pensão num casarão antigo, que ela não sabe aonde é, mas a policia vai se ligar e constatar que o que ela disse sobre a irmã ter ido de táxi encontrar o homem era verdade. Você estava na Praia dos Coqueiros; por acaso tem algum álibi provando que estava em outro lugar naquele instante? Obvio que não, e vai ficar parecendo que você era o homem que estava pressionando Cibele á se livrar da irmã enxerida. Elas brigaram e Celeste afirmou que a deixou na praia, viva, mas a polícia de João Pessoa não acredita nela. Porém, se descobrirem que o pivô da briga das irmãs estava na praia naquele momento, podem suspeitar que você também discutiu com ela e a empurrou no mar depois de uma briga!
- Não!... Eu nunca faria isto Malaquias!
- Eu sei, e você sabe, mas se a investigação da policia paraibana seguir esta linha você estará enrascado até o pescoço! Sabemos que ás vezes o que fica parecendo tem mais argumentos do que aconteceu de fato, e fica sendo a verdade! - Rogério olhou o vazio sem elaborar uma resposta, e Malaquias prosseguiu: - E ainda tem outro detalhe: quando a Celeste descobrir que você era o namorado escondido da irmã, e mesmo conhecendo-a fez sexo com ela, vai achar que você quis pegar as duas irmãs! Quanto tempo você acha que se demoraria em ela tirar o corpo e fora e te acusar de ser o homem por trás de toda encrenca?
- Ela não faria isto.
Riso. – Nunca subestime uma mulher magoada, meu amigo! E se nada disso lhe convencer, tenho outra: - se aproximou. – Você passou no concurso para delegado e sua nomeação não vai tardar, mas um escândalo desses jogaria tudo por terra, e ainda se arriscaria á ir á uma cana braba na Paraíba!
 - Então,... Eu devo deixar quieto?
- Quietinho, meu amigo: quietinho! Você não sabe como e nem porque começou a encrenca das irmãs Vergara; certo? A merda que deu foi por conta de um monte de histórias que você não conhece, aí eu pergunto: quer entrar de gaiato e se foder pagando de herói trouxa? Claro que não, né! Você é policial com experiência e sabe que é assim!
Tudo que o amigo falou tinha consistência suficiente para engessar sua consciência e nome da prudência. Uma rima infame, mas verdadeira.
Rogério teria com conviver com esse fantasma.


CONTINUA.


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