quinta-feira, 23 de abril de 2020

JAMPA - Penúltimo Capítulo.


CONTINUAÇÃO:


SEXTO CAPÍTULO: JUSTIÇA.

Rogério foi nomeado delegado de policia, assumindo nada menos que três delegacias pela Zona da Mata mineira. Muita responsabilidade na medida para não deixar espaço à pensamentos, cobranças e pesadelos.

 

Um ano depois foi marcado o julgamento de Teca por homicídio culposo, sem intenção de matar e Rogério foi convocado como testemunha da relação de conflito que viviam as irmãs Vergara.
No dia do julgamento Rogério foi direto do aeroporto de João Pessoa para o Fórum. Ele havia engordado, e agora usava bigode e cabelos um pouco mais volumosos atrás da cabeça. Também surgiram fios grisalhos nas têmporas.
E finalmente chegava o momento que o delegado Rogério Mattei foi chamado á tribuna das testemunhas. Discretamente olhou na direção de Teca, que não olhou para ele. Então lhe ocorreu uma visão: ela olharia para ele, se levantaria e apontando-lhe o dedo, gritaria em altos brados. – Esse é o homem que estava com Ciça em Jampa, eram amantes! É também o homem que fez sexo comigo na praia e depois nadamos juntos completamente nus! É um canalha, senhores,... Canalha e assassino!  – Por um instante isto o fez se perder. - Doutor Rogério Mattei? – ele olhou: - Heim? – o juiz perguntou: - O doutor está bem? – Rogério gaguejou: - Eu?... - a plateia riu discretamente e o Juiz repreendeu. - Silêncio! – virou-se á Rogério. – O doutor está se sentindo bem? – ele se recompôs: - Sim! Perdão Meritíssimo; é apenas o cansaço da viagem. Mas estou bem!
O julgamento prosseguiu. As perguntas foram previsíveis e respondidas com firmeza. Pesou muito o relato da ocorrência onde ele impediu que as duas irmãs se agredissem fisicamente num estabelecimento comercial vizinho ás suas casas. Isto expunha o descontrole das irmãs durante suas brigas e corroborava a versão da discussão á beira dos rochedos que levou à tragédia. Não havia o que fazer senão relatar o fato sem considerações de juízo, embora o promotor as tentasse. Esta temperança e senso de imparcialidade por parte do delegado mineiro foram elogiados pela imprensa local e o Ministério Público. Para Rogério; pura covardia.
Então veio o momento da própria Teca subir á tribuna para depor ao júri popular. Ela repetiu o que dissera á polícia, reafirmando que elas discutiram partindo para a agressão física e neste ponto lembrou as marcas de unhadas que ficaram no seu braço. Depois de um embate onde se estapearam e se empurraram, a bolsa de Cibele abriu despejando objetos pelos rochedos e Celeste aproveitou para fugir, não percebendo que sua irmã teria caído no mar. Neste ponto ela abaixou a cabeça e chorou. Perguntada sobre o suposto homem que estaria se encontrando com sua irmã em Jampa, ela afirmou que tinha certeza disto, ao que o promotor rebateu justificando falta de provas e testemunhas disto. Rogério se arrepiou ao imaginar uma daquelas cenas de filmes onde alguém se levantaria da plateia gritando: - Eu o vi! O amante da morta era aquele bigodudo ali! – e apontava para ele, que passava a mão na testa suada, ansioso para o julgamento chegar ao fim!
Perguntada como se declarava Celeste respondeu: – Inocente! - ouviu-se um “oh” em coro por todo a plenário. O juiz ordenou silêncio e depois das considerações e ritos de praxe, os jurados partiram á sala secreta para a sentença.
Para Rogério aquilo parecia um pesadelo sem fim. Havia uma tênue esperança que fosse absolvida por conta da tese de legítima defesa, mas foi condenada. Ela se manteve altiva enquanto o juiz proferiu a sentença de vinte anos de prisão pelo crime de homicídio culposo, sem explícita intenção de matar, porém, com o agravante da fuga e do falso testemunho sobre um suposto amante da irmã, configurado como obstrução da justiça e perjúrio. Informou ainda que a prisão seria em regime fechado e que a ré fosse imediatamente conduzida á Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Júlia Maranhão, na cidade de João Pessoa, para imediato cumprimento da pena. A imprensa informou depois que o advogado não entraria com recurso.

A partir daquele dia, o delegado Rogério Mattei se lançou com afinco á sua função. Chamavam-no de “homem bom”. Precisamente o que ele não se considerava nem de longe.
Sempre sonhava com Ciça á beira dos rochedos querendo dizer algo. Sentia sua presença, percebendo seu vulto com o canto dos olhos. Mas ao se virar, não havia nada. Chegou á ouvi-la chamando-o dentro de casa ou á entrada, e isto o assustava.
Ás vezes procurava-a no corpo de outras mulheres, mas depois do sexo vinha uma imensa frustração. Algumas daquelas mulheres o procuravam depois buscando por amor, e era exatamente o que ele não tinha para dar.
Num desses encontros, buscando as mesmas carícias que encontrava em Ciça, se ergueu para beijar a mulher e viu o rosto de Ciça do jeito que estava no IML. Ela olhou-o e disse: - Canalha!... Você não vai escapar de mim!... Nunca! – apavorado ele se levantou da cama cobrindo o rosto, e se agachou ao chão aos prantos. Mais apavorada ainda a mulher buscou suas roupas e saiu correndo do quarto!

Contudo, um pensamento começava a lhe ocorrer com insistência: e se Teca se apaixonou por ele, e por isso o poupou?  Rogério ensaiou visitas á ela na penitenciária, chegando a mesmo a reservar quarto em hotel de João Pessoa; mas desistia no último instante.
Passaram sete anos, e Rogério agora era um “sessentão”. A vida seguia entre uma investigação e outra e uma espécie de aptidão para resolver casos intrincados lhe valendo cada vez mais deferência de “homem bom”. O Doutor Mattei até gostaria de acreditar nisso.

Tempos depois soube que Teca ganharia liberdade condicional nos próximos dias, e Rogério teve vontade de arrumar suas malas e partir para Jampa e recebê-la assim que saísse do presídio. Porém ele não era mais o mesmo: ganhou barriga, cabelos grisalhos e medo. E ela? Talvez não estivesse preparada para a surpresa de não reencontrar o homem maduro, “másculo” e bronzeado com camisa aberta no peito que lhe despertou desejo. Então buscou nas tecnologias antigas uma forma mais delicada de chegar á ela. Uma carta. Papel, envelope, caneta e coragem:
Não sei como começar, mas imagino que um pedido de perdão por todos esses anos de silêncio pode ser um bom começo. Sinto que não fui correto com você no dia do seu julgamento quando subi á tribuna para aumentar sua carga de acusações. É covardia me esconder por trás das minhas atribuições, pois tinha sido nomeado delegado de polícia, e foi exatamente o peso desta nova atribuição que fez com que eu guardasse distância do caso. Não sei se poderá me perdoar. Você nunca mencionou meu nome a policia de Jampa, e só tenho a agradecer por isto, mas não sei se entendi seu significado. Os homens demoram a entenderem estas minúcias do comportamento feminino, e confesso que me sinto um troglodita ao não ter compreendido. Lembro-me do que você disse: que o que tivemos lá foi lindo, mas não sabíamos no que ia dar. Mas o destino não nos deixou ver o que ia dar. Eu quero encontra-la na saída do presídio no dia da sua soltura. Estou só, e você também, e temos uma história para terminar, não é Teca? É possível o que estou propondo? Pularmos a parte ruim e seguirmos pela parte boa? Eu estou de malas prontas, aguardando sua resposta. Eu amava o jeito que você me chamava de Tom. Assim: do seu eterno, Tom”.  
Palavras escolhidas com carinho e cuidado. A carta foi lida diversas vezes antes de ser posta no correio.
Rogério novamente era Tom: o gatão de meia idade tirando onda em Jampa!

CONTINUA.

Um comentário:

  1. Muito bom! Esperando o final desta história. Vão ficar junto ou Rogério vai assumir o sobrenome pelo menos para os leitores? Aguardando.

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